Chegando em casa, a primeira coisa que fez, foi arrumar um material mais resistente, estava decidido a não cometer os mesmos erros novamente, deixou tudo pronto para o dia seguinte, para a próxima batalha… depois acendeu uma fogueira limpou os peixes e espetou no espeto que havia improvisado, enquanto esperava o peixe assar, sentado na cadeira acabou adormecendo, tamanho era o cansaço que estava, mas sua soneca não durou muito, subitamente ergueu os braços para o alto, o movimento brusco o derrubou da cadeira caindo de costa, levantou meio zonzo, estava sonhando que estava novamente na luta com peixe, meio dolorido com a queda, ajeitou a cadeira e revirou o peixe que estava na brasa, o aroma estava delicioso.
Neste momento se lembrou que havia chegado uma carta de filho, apanhou-a e abriu-a, começou a ler calmamente, mas só nas primeiras linhas, logo seu estado de espírito foi mudando, na carta dizia que seu primeiro neto havia nascido e que todos estavam esperando a visita dele, os olhos marejaram de emoção, o primeiro neto que ele e a falecida Direitina tanto estavam aguardando finalmente chegara, ele não sabia descrever a sensação de ser avô, Ah! como gostaria que Direitina estivesse ali com ele para desfrutarem da mesma sensação, mas o destino foi cruel com ele e talvez agora o esteja recompensando, trazendo uma nova vida, um novo sentimento e também mais um estímulo para que ele continue lutando por algo, mas tinha que ser justo agora, pensou ele lembrando da grande pescaria que teria que deixar para trás, mas o peixe podia esperar –“Só espero que o urso não o pegue primeiro.”- pensou o velho.
No dia seguinte, Justiano arrumou uma pequena mala e partiu para o centro da cidade, até a rodoviária, de onde embarcou em um ônibus para a cidade de seu filho. A viagem durou quase cinco horas, e durante todo o percurso ele ficava imaginando a cara do bebê, alternando com a lembrança do peixe que estava esperando seu retorno, certamente saltando feliz sob o lago. Chegou no meio da tarde, seu filho já o aguardava na área de desembarque da rodoviária, logo chegaram à residência, era uma casa de alvenaria pintada de bege com as aberturas em branco, era ampla com três quartos e suíte do casal, sala com lareira, cozinha, a garagem ficava do lado direito colado na casa, havia espaço para dois veículos. Chegando na casa, logo foi conduzido e apresentado ao recém-nascido, era uma unanimidade entre os presentes, o garoto era a cara do vovô, e para a surpresa dele, decidiram que ele colocaria o nome no bebê. Justiano não tinha pensado em nenhum nome, realmente foi pego de surpresa, “–Tudo isso justo agora, justo agora!” resmungava para si mesmo, mas deixou escapar o “Justo agora” que chegou aos ouvidos de seu filho que repetiu “- Justo Agora!”, os dois se olharam e repetiram simultaneamente “- Justo Agora!!” e assim ficou decidido o menino se chamaria “Justo Agora”, a mãe que não gostou muito, mas pra quem tem um vô chamado “Justiano” e um pai “Corretino Justo” até que não seria tão anormal assim, e acabou aceitando, mas para ela seria somente “Justinho”.
Antes de voltar para o seu retiro, Justiano ainda ficou uns dias curtindo o seu neto, mas ele gostaria muito que Direitina estivesse com ele, como ela fazia falta, apesar de já passar mais de um ano sem ela, ele ainda não havia se acostumado, a saudade era forte, olhava para o céu e perguntava: “- Por quê? Por quê?...” Aproveitando que estava na cidade grande, ele passou numa loja de artigos e materiais de caça e pesca, precisava repor algumas peças para seus equipamentos, ainda na esperança de pegar aquele peixe, ele comprou uma linha de melhor qualidade e mais resistente, uma carretilha, e uma vara sobressalente, que estava em promoção, o vendedor ainda tentou-lhe vender algumas iscas artificiais, que ele recusou é claro, aproveitou também para comprar mais alguns mantimentos e outras coisas mais.
A viagem de volta transcorreu normalmente, durante ela, Justiano alternava pensamentos, ora no seu neto, ora com sua pescaria, não via a hora de recomeçar sua busca.
Chegou no seu retiro, já era umas 16:30 horas, estava sentado na varanda observando o lago, apesar da vontade de pescar, estava muito cansado da viagem, a idade já não ajudava muito, então resolveu tirar o resto do dia para se recuperar, foi quando de repente, teve a sensação de que estava sendo observado, ouviu um gemido a suas costas voltou os olhos e se deparou com um pequeno cão, que o observava com um olhar tristonho e desconfiado, estava magrérrimo, parecia que não comia há século.
o velho chamou o cãozinho, mas este nem se moveu, então ele se levantou e foi para dentro da cabana e logo voltou com um pedaço de pão nas mãos e arremessou um pedaço diante do animal que ficou olhando, depois se aproximou lentamente, ainda meio desconfiado, cheirou o alimento e logo em seguida devorou em um piscar de olho, “- Quer mais é? Tá com fome meu velho? Espera um pouco!”, dizendo isso, ele voltou para dentro da cabana, o cão fez menção em segui-lo, mas parou no degrau da casa e esperou, logo o velho voltou com um pote com leite e pão e deixou a disposição do animal, este agora já mais animado abanando o rabo se aproximou e começou a devorar a comida.

Justiano ficou observando o animalzinho, ele tinha o pelo preto com algumas mechas brancas, tinha a aparência de ser já bem velho, era um cão de pequeno porte mas não deu pra identificar a raça, se é que ele tinha alguma, achou que era uma mistura de terrier com schnauzer, também não tinha coleira, talvez estivesse perdido ou talvez tivesse sido abandonado, já que pelas proximidades não havia nenhum vizinho, bom enquanto não aparecesse ninguém procurando ele cuidaria dele pensou o velho, a essa altura o cão já tinha terminado de comer a comida e deixava Justiano acariciar sua cabeça, ali estava nascendo uma boa amizade, agora Justiano já tinha uma companhia para suas pescarias.
No outro dia o cãozinho já pulava bem mais alegre, já não aparecia os ossos sob o pelo do animal já estava mais gordinho, Justiano catou um graveto do chão e jogou longe, na esperança de que a cão fosse buscar:
“- Vai!! Pega meu velho, vai velhinho!!”, devido à aparência de velho que o animal tinha, Justiano resolveu chamá-lo de “Velhinho”, o cão saiu em disparada atrás do graveto, chegando no local onde havia caído, o cão se sentou e começou a lamber o graveto, logo em seguida retornou sem trazê-lo de volta, o velho (o homem) balançou a cabeça negativamente e acariciou a do animal, ficou mais um tempo brincando, depois foi preparar seus materiais para iniciar a atividade ao qual tanto ansiava.
O dia amanheceu nublado, talvez hoje não fosse um bom dia para se pescar, mas Justiano estava ansioso, suas mãos coçavam de tanta vontade, que encarava até um mal tempo, ainda não eram 8 horas quando saiu para o lago, e foi direto ao local onde havia perdido o grande peixe, agora com a companhia do cãozinho, ele já não se sentia tão solitário, volta e meia falava algumas palavras para o animal, como se estivesse trocando algumas ideias.
Chegando ao local, ele foi logo arrumando as coisas enquanto o cachorro foi fuçar pelo mato, o tempo estava fechando mesmo, talvez chovesse antes do meio-dia. “- Será que o danado ainda está aqui? Será que o urso já não o catou primeiro?” indagava o velho meio inseguro, mesmo assim começou suas tentativas, realmente o dia não estava para peixe, ele ficou ali um bom tempo e não viu nem cor de peixe nem peixinho, logo apareceu o velhinho (o cão), abanando o rabicho e se sentou ao lado do homem que lhe pergunto: “- Por onde andaste? Achou algo interessante? Aqui não deu nem cheiro de peixe.” Falou meio desanimado.
Não demorou muito começou a garoar e logo a chuva foi engrossando, o velho, que já não tinha uma saúde de ferro, para não pegar um resfriado juntou seus materiais e se mandou para a cabana, esse dia já estava perdido.
Nos outros dias ainda chovia, o velho passou a maior parte dos dias sentados na varanda fumando seu cachimbo e bebendo um chá de ervas, ficava pensando em seu neto, imaginava-o ali junto com ele, puxando um peixe na vara e se divertindo muito, ele não queria cometer os mesmos erros que cometera com seus próprios filhos, que devido a profissão, abnegou-se de muitas vezes de passar mais tempo com eles, e agora com seus netos ele tentaria recuperar o que havia perdido, pois durante a sua vida ele aprendeu que o que passa não volta mais, mas nunca é tarde demais para se fazer o que se deixou de fazer, ele sabia também, que teria a forte concorrência do pai do garoto, pois tudo indicava que este seria um bom pai, que seria um pai coruja, o que Justiano não chegou nem perto de ser, mas agora estava decidido de ser um avô corujão, ah! Ele não via esse tempo chegar estava ansioso, a vida ganhou outro sentido, a vida lhe deu outra missão, outra oportunidade para valorizar a vida.