Chegando no hospital, enquanto é feito o check-in, meu corpo carnal fica aguardando no saguão da recepção, ainda sobre a maca, minha irmã chega, conversa com a Re e depois vai até onde meu corpo está, tira alguns fios de cabelo que estavam sobre o meu corpo e dá umas cutucadas com o dedo para ver se tenho alguma reação.
Sou levado para a sala de atendimento, onde permaneço aguardando por mais alguns minutos. Uma técnica em enfermagem entra cumprimentando a Re e pergunta:
– O que houve com o moço? Ao mesmo tempo que coloca os equipamentos para medir a pressão, os batimentos cardíacos, temperatura, após, preenche as informações na planilha presa à prancheta, e inicia uma série de pergunta e anota a medida que minha esposa responde ao questionário. Terminado, ela se vira e fala:
– Os sinais vitais estão todos normais, agora só aguardar, daqui a pouquinho o médico vem ver ele. E logo sai.
Enquanto aguarda a chegado do médico, Re aproveita para mandar mensagem de whatsapp para as gurias:
RE: “Oi! já estamos aqui, esperando o médico vir ver. E tá tudo bem ai?”
Liza: “ok, tudo.”
Liza: “depois diz o que médico disse.”
Re: “Ok”
Alguns minutos depois, entram duas enfermeiras trazendo um carrinho com materiais para aplicação de soro na veia para hidratação.
– Vamos colocar um sorinho para hidratar o moço. Fala pedido licença para entrar na sala.
Vejo meu braço sendo furado para colocar o acesso, chego a sentir a dor, mas o meu corpo permanece inerte, alheio a tudo que ocorre a minha volta. O envólucro do soro é posicionado e a conexão na veia é feita, logo as gotas começam a cair pela mangueira do soro.
-Prontinho! Fala a enfermeira, Re agradece, e as moças se vão empurrando o carrinho hospitalar.
Minha esposa tira uma foto minha com os equipamentos de soro e posta no grupo de whatsapp de casa para as gurias verem, com a legenda:
GRUPO de CASA🐶 🐱 🐹:

RE: “👆 ó o pai de vocês!”
Liza reage com: “😱”.
Mimu posta:

Passam mais uns vinte minutos e médico chega, cumprimenta a Re, repete praticamente as mesmas perguntas já feitas antes, ao qual prontamente ela responde. Após examinar e ler as informações do relatório feito pela equipe de enfermagem ele fala:
–Parece que ele entrou em coma, mas precisamos fazer uns exames para descobrir o que causou para ver qual a melhor forma de tratamento. Pode ser que tenha sido um AVC, mas estranho que não apresentou nenhum sintoma.
– O que leva a pessoa a entrar em coma?
–Olha, existe uma série de situações que podem levar ao coma, as principais e geralmente mais graves são lesões que atingem diretamente o cérebro, como traumatismos, acidente vascular cerebral (AVC) , tumores e infecções cerebrais. Ou também pode ter causas metabólicas, como hipoglicemia, hipóxia, no caso de um afogamento ou inalação de fumaça e uso de substâncias, como álcool ou medicações. O coma causado por hipoglicemia normalmente é revertido mais rapidamente, já no caso de um traumatismo ou derrame, o coma pode durar semanas ou até meses, e o risco de óbito é maior. – Mas a senhora falou que ele não teve nada disso e nem tem históricos?
–Ah, ontem ele bebeu, mas hoje estava normal, pode ser por isso?
-O tempo entre a ingestão de álcool e o início de um coma alcoólico é variável e depende de vários fatores, como a quantidade de álcool consumida, o peso e metabolismo individual, a presença de outras substâncias e a frequência com que a pessoa bebe, em média, o pico da concentração de álcool no sangue ocorre cerca de 90 minutos após a ingestão e o coma alcoólico pode surgir quando essa concentração é muito alta, mas não vamos descartar esta possibilidade, já foi recolhido a amostra de sangue para fazer o exame, vamos fazer raio x, tomografias, eletros vamos fazer todos os exames para ver se não é um AVC, um aneurisma… mas o estranho que todos os sinais vitais então bons, ele parece que só está dormindo mesmo, mas considerando que ele não tem nenhuma reação, estaria na escala de coma de Glasgow, de 3 pontos, que é o estado de coma profundo sem qualquer resposta.
– E é grave esta escala?
– A escala 3 é a mais grave, mas no caso dele, é estranho, porque ele parece bem sem risco de vida, mas vamos examinar, pode ficar tranquila.
– Obrigada doutor!
Após as explicações, o médico se dirige à enfermaria para passar orientações dos procedimentos e exames a serem realizados na sequência.
Durante toda a noite, acompanho meu corpo sendo movimentado de um lado para outro dentro das dependências do hospital, são executados diversos procedimentos em uma sabatina de exames e no final, sou alocado em um quarto onde há dois leitos, pois é o que meu plano de saúde, semi-privativo, me permite, mas o outro leito não está ocupado, eu sou alocado no mais próximo à janela, há também uma poltrona para o acompanhante, onde a Re coloca sua bolsa e a sacola com minhas roupas.
Apesar dos sinais vitais estarem bons, de acordo com o médico, por prevenção, diversos tubos são colocados em mim, inclusive aquele equipamento, comum em filmes, que monitora os batimentos cardíacos e faz o barulho intercalado de pi…pi…pi…
Minha amada Re, passa a noite toda do meu lado, coitada, mal dorme, de vez em quando se levanta e fica do lado do leito, passa a mão na minha cabeça, segura minha mão, resmunga algo como “- o que que deu em você? acorda logo homem”. Não aguento ver aquela cena, aliás, aquele papelão todo que estou fazendo, saio do quarto e ando pelos corredores, o hospital não está lotado, mas a maioria dos quartos estão ocupados.
Na manhã seguinte, o doutor retorna para relatar os resultados dos exames, mas sua aparência parece confusa, ele olha os exames, me olha, olha as marcações do equipamento e finalmente fala:
–Os exames não mostraram nada, aliás, mostram que ele não tem AVC, não tem hipoglicemia, o nível de glicose no sangue estão dentro do regular, também não tem nenhum trauma na cabeça, isso é um caso bem raro, vamos dar mais uma aplicação de soro na veia para hidratação, reposição de vitamina B1 e regularizar dos níveis de eletrólitos, embora não estejam com alterações consideráveis.
– E ele não tem que se alimentar?
–Sim, uma pessoa em coma precisa ser alimentada, mas como ele não consegue comer por conta própria, a alimentação é feita através de uma sonda, que é inserida no nariz até o estômago, é essencial para garantir que o receba os nutrientes necessários para sobreviver e manter as funções corporais.
–Pode ficar nesta situação por quanto tempo?
–Olha! Ainda não sabemos, pois estamos verificando a causa, mas pode sair do coma de uma hora para outra, conforme a medicação ou pode durar mais conforme a causa, mas vamos ver como ele reage durante o dia e dependendo vamos fazer novos exames.
– E para fazer a necessidades?
–Por enquanto ele está de fraldas, mas depois, se continuar assim, vamos ter que colocar sondas.
Meus Deus!! que vergonha pensei comigo, quando lembrei da hora que as enfermeiras me colocaram fralda.
– Ta bom, obrigada por enquanto.
– Até mais então! Se despede o médico.
Já são 9 horas de domingo, é o horário de troca de plantão e visitas, neste momento, entram minha irmã Janna e a minha filha Liza, que se dirigem até a beira do leito e enquanto a Re faz o relato do parecer médico, elas ficam a me tocar e mexer para ver minha reação, perecem cutucar um bichinho para ver se está morto, Liza se aproxima mais e fala perto dos meus ouvidos::
– Papai? Papai? Papai???
Fico agoniado vendo aquela cena e começo a bater no meu corpo físico. Nada acontece.
Elas ficam conversando mais um pouco e decidem como vão fazer a troca.
Janna: - Vai pra casa Re, vai dormir um pouco eu fica aqui.
Liza: - Posso ficar também.
Janna: - Leva tua mãe, ela deve estar cansada para dirigir, eu fico até meio-dia, depois tu fica, aí pede pra alguém te trazer que eu volto junto.
Liza: - Pode ser então! Bora mamãe.
Vejo as duas sair e fico pensado, “pra quê ficar aqui, não precisa ficar ninguém, eu não vou fugir.”
Minha irmã estava olhando pela janela, quando as enfermeiras entram pedindo licença e dizendo que vão colocar a sonda para me alimentar, Janna se afasta do leito abrindo espaço para que elas façam os procedimentos.
A colocação de sonda é um procedimento bem intrusivos, só de ver elas introduzindo as mangueiras pelas narinas, começo a ficar agoniado com aquela cena, não aguento mais ficar assistindo e saio novamente a vagar pelos corredores.
De repente vejo a entrada da capela do hospital, lembro que eu estive ali quando minha mãe esteve internada na UTI daquele hospital, ela estava numa situação delicada para tratamento de diverticulite, lembro que naquela oportunidade, eu entrei naquela capela e sentado no banco, talvez tenha feito alguma oração por ela, mas independente disso ela se recuperou.
Estava dentro capela, vagando de um lado para outro e paro para observar a imagem de Jesus no crucifixo, posicionada atrás do altar. Olhado para o olhos da imagem, me vem a ideia de procurar uma casa espírita, o que posso perder com isso? Não posso fazer nada mesmo ficando aqui. Decidido, resolvo sair do hospital e sigo flutuando até a casa espírita ali próxima ao centro da cidade.
