A mudança dos ares em Una' era vidente, o ciclo se mantinha, a regente estava na espera do que veria. A morte se mantinha em sua atribuição e a vida ainda continuava sua jornada de trazer a vida nova ao mundo... Porém, tudo parou, a vida no plano parecia estagnar, tanto a deusa regente quanto Ghaata sentia aquela mudança abrupta, o que havia ocorrido? Onde estavam as novas vidas?
A morte estranhou a carência de novos seres, a regente percebeu a mudança, havia chegado a hora de agir. Iniciou a procura por Mayari, mas em lugar algum a encontravam, aquela que trazia o fim, pela primeira vez, poupou mais vidas que ceifou, o foco era encontrar onde estava a vida. A procura da divindade começava, de um lado ao outro do mundo, elas foram à sua procura, mesmo sob visão da regente, não se via onde ela estava, Una' compreendia o que ocorria. A suspeita contra entidade Suprema era clara, ela estava dificultando a busca de sua filha.
De um canto ao outro do plano, a corrida se tornava uma busca contratempo, Una' queria evitar a sua tutora enquanto Ghaata procurava respostas. Onde estava a deusa do início? De lado a lado, se vai, de lado a outro se foi. No dia mais sombrio, um singelo sinal era sentido. A forte energia vivida estava ofuscada por uma aura amena. A morte foi a primeira a decifrar e chegar à deusa, ela estava escondida pelas rochas, solitária e em silêncio. A vida se mantinha deitada, como se estivesse cansada, seus olhos estavam marcados pelo desgaste, marcados em suas pálpebras por cores escuras, as pernas estavam bambas, impedindo-as de andar.
Naquele momento, a juíza de todos os seres podia dar fim a tudo, terminar seu perpetuo serviço, olhou a deusa vulnerável a qualquer ataque, em sua mente o pensamento era direto, mas profundo. Seu julgamento foi célere, sua ação foi densa, ela apenas olhou para o rosto sonolento da divindade que antes antagonizou, levemente tocou em seu rosto e se despediu, em passos lentos partiu. A regente do plano finalmente encontrou Mayari, sua chegada foi tensa, sentida em todo o mundo, a deusa da vida finalmente estava pronta para dar à luz.
Una' temia a chegada da Entidade Suprema, elevou a terra ao redor da deusa, fazendo uma caverna, evoluindo ambas, reformando tudo a favor da deusa da vida. Ghaata ficava do lado de fora, ao longe, observando os céus que se mantinham nublados e trovejantes. Ela esperou silenciosamente enquanto o eco da caverna saia de forma fraca com a conversa das duas divindades. Uma presença se aproximava da morte, algo antigo e poderoso se sentava ao seu lado.
A morte fintou o lado, era a Entidade Suprema, carregando consigo um objeto oval de cor azul. divindade não via intenções ruins, mesmo com as desconfianças de sua criadora, ainda, sim, se mantinha perto da criadora de tudo. Por um momento, ela rompeu o silêncio e questionou a deusa.
— Por que veio? Pensei agir pouco sobre o mundo de
minha criadora.
— Não está errado, pequena criatura, mas dessa vez vim apenas ampliar este
mundo. Aliás, gostou de seus novos poderes? — Ghaata olhou para ela, franzindo
a testa com um ar confuso. Pela primeira vez conseguia ver os fios da vida de
uma entidade, e os da Entidade eram longos, de cores rubras e grossos.
— A atribuição que me concedeu é de se contemplar, não nego que este poder me
ajudou bastante a definir meus atos. — A criadora de tudo, afagou a cabeça da
morte, com seu sorriso fechado e sereno. Porém, a juíza olhou para o ovo, vendo
uma energia cinza em um contraste com um azul vivido. — Esta ampliação que diz,
é este ser que carrega em teu braço?
— Olhos precisos, este ser fará companhia para tua cria.
Por um momento, Ghaata parou, entreolhou
para a face da deusa como quem não entendia o dizer. Seu silêncio era
revelador, suas lembranças não mostravam conhecimento sobre o que ela dizia.
— Eu devia ter te dado a memória, mas pensei que teria repugnância de mim se
soubesse a punição que fiz à Maya. — A entidade suprema olhou para a caverna
onde sons de dor e força ecoavam.
— Tu me forçou a imbuir poder sobre ela, por isso que tal energia ofuscou a
presença da vida. Eu não te entendo ser supremo — a morte se levantava, olhando
para a deusa maior a encarando. — Por que ages de forma tão exótica? Você
raramente intervém, quando age, tudo ao seu redor muda, irrita as outras
divindades e tuas punições e bençãos sempre fazem as coisas se tornarem mais
complexas e únicas. Por que disso?
A entidade suprema se levantou e contemplou a caverna pela última vez, dando um leve estralar de dedos. Seu andar foi em direção a uma falésia próxima, a morte a acompanhava ainda a procura de repostas.
— Sabe, Ghaata, eu faço o que acho o correto a fazer, eu vim de uma era em que quem definia o existir sentava em um trono. Mas agora, eu sento neste trono, tudo que ele criou, ele deu um início e um fim, e tudo chegou ao nada. Por que eu faria algo simples? Eu poderia forjar sua criadora do zero, mas não fiz. — A deusa olhou a vista sublime das águas batendo as rochas enquanto subia lentamente a íngreme estrutura — Tiraria dela o poder de escolha, o poder de ascender, da mesma forma que criei Mayari arrancando um pedaço meu e também como dei poder a ti, tudo isso tem um papel de moderação de minha parte. —
— E faz isso sem uma ponderação? Faz apenas porque
achas que é o certo? — Ghaata olhou confusa, curiosa, estranhando a escolha da
divindade. As águas batiam nas rochas, respingando as gélidas águas sobre ambas
as entidades.
— Faço isso para garantir que ninguém o faça, eu não me arrependo de meus atos,
eu não volto para apagar meus erros. Eu apenas crio e dessa criação só a
enriqueço, não preciso de devoção ou de função, existo por existir. Minha
existência está acima de tudo que há, houve ou haverá. — Estendeu as mãos,
fazendo o ovo flutuar sobre o mar. — No fim, Ghaata, eu impeço que haja a pior
das maldições, minha omissão não é pelo descaso, mas para garantir.
Ghaata viu o ovo ir ao longe e cair no mar, as águas rodeavam aquele ser e as águas se agitavam. Ao longe dos mares tornados, trombas d'águas tocavam um som, um anúncio da chegada de um novo ser. Do longe vinha um choro infantil, e a vida ao redor tomava diversas formas, a mudança tomava tudo, e de longe o mundo tremeu, Una' rogava as mais poderosas maldições contra a Entidade, que apenas se calou olhando em direção ao grande som.
— Foi bom conversar contigo, minha cara, Ghaata, cuide bem da sua cria, ela vai precisar entender também da morte. Até breve, tua criadora não vai querer me ver tão cedo. — A entidade suprema desapareceu perante os olhos da morte, a regente do plano corria em direção à morte em ira, seu olhar estava severo, contagiado pelo ódio, suas mãos estavam molhadas e seus dentes rangiam.
— Não adiantas ter irã minha mestra, ela se foi.
— Maldita seja ela! Ela fez de novo, agora este mundo vai se encher de vida
crescente e mais complexa! Ela sempre está um passo à frente. — Ela pisou com
fúria e deste golpe tremeu o solo enquanto seus olhos expeliam lágrimas ácidas
da mais pura raiva. — Me faz de boba! Agora não só há uma criatura trazendo a
vida, mas duas a ascendendo a algo maior. Ela via me pagar por isso. A morte
tocou no ombro de sua matriarca, olhou de forma serena e séria á deusa planar e
por fim baixou a cabeça
— Deixe que cuidarei disso, descanse minha mestra.
Você já fez muito, haverá seu momento. — A deusa apertou a mão cadavérica da
morte e suspirou pesadamente.
— Certo... temo que perderei o controle de meu mundo se continuarem as coisas
assim.
— Não ira, minha mestra... não ira.
Una' deixou sua ira de lado, guiada por Ghaata ao lugar de descanso. O mundo havia novamente mudado, as coisas estavam diferentes mais uma vez, a mudança estava constante e acelerada. Agora havia duas novas divindades, uma tomando para si a justa e a cruel natureza, ainda extremamente imatura para uma divindade, e do outro um ser que gradualmente mudava os mares e as águas.
Uma nova era dava seus passos, um ciclo se estabelecia e um novo se formava. A natureza começava a surgir... e com ela uma nova era.