O ar no quarto estava pesado, carregado com o cheiro de remédios e a angústia de uma despedida iminente. Anastácia, agora uma jovem prestes a completar dezoito anos, sentava-se ao lado da cama de sua mãe, Anabelle. A mulher que um dia fora tão forte e resiliente, que lutara contra as sombras do passado e fugira para um novo começo, agora jazia frágil, a vida esvaindo-se de seus olhos.
— Mãe… , Anastácia sussurrou, a voz embargada pela emoção. Ela segurava a mão de Anabelle, sentindo a pele fina e fria sob seus dedos. O México, que antes parecia um refúgio seguro, agora se tornava um palco de despedidas dolorosas.
Anabelle abriu os olhos lentamente, um lampejo de reconhecimento e amor atravessando a névoa da doença. Um sorriso fraco e cansado se formou em seus lábios. — Anastácia... minha menina... Sua voz era um sussurro rouco, quase inaudível.
Ela tentou erguer a mão para acariciar o rosto da filha, mas o esforço foi grande demais. Anastácia prontamente segurou a mão de Anabelle, levando-a aos seus lábios e depositando um beijo terno.
— Você está tão forte, meu amor, Anabelle continuou, a voz falhando. — Tão forte... Eu sempre soube que seria.-Seus olhos percorreram o rosto da filha, buscando gravar cada detalhe em sua memória.
— Mãe, por favor, não fale assim, Anastácia implorou, as lágrimas rolando livremente por seu rosto. — Você vai ficar bem. Você tem que ficar.
Anabelle balançou a cabeça suavemente. — Não chore, meu amor. Eu... estou cansada. Ela fez uma pausa, lutando para encontrar as palavras certas. — Preciso te dizer uma coisa... algo que eu deveria ter dito há muito tempo.
Anastácia se inclinou para mais perto, o coração apertado.
— Anastácia, você se lembra do Dr. Nicolay? Anabelle perguntou, a voz ganhando um fio de urgência. — Ele... ele foi quem me ajudou a vir para cá. Ele é um homem bom, Anastácia. Ele é a única pessoa em quem você pode confiar agora.
Anastácia assentiu, a lembrança de tudo que a sua mãe falava sob o médico sua mãe mencionava com uma mistura de gratidão e mistério, ainda viva em sua mente.
— Eu... eu não posso mais a proteger, meu amor, Anabelle confessou, a voz cada vez mais fraca. — Mas ele pode. Você precisa ir ao Brasil. Para São Paulo. Encontre o Dr. Nicolay. Diga a ele... diga a ele que Anabelle pediu. Ele saberá o que fazer. Ele vai cuidar de você.
O desespero começou a tomar conta de Anastácia. A ideia de perder a mãe e ter que ir para um lugar desconhecido, sozinha, era avassaladora. — Mas mãe, eu não quero ir! Quero ficar com você!
— Não, meu amor, Anabelle insistiu, sua mão fraca apertando a de Anastácia com uma força surpreendente. — Você precisa ir. É a única chance que você tem de um futuro seguro. Eu não posso mais te dar isso. Mas ele pode. Ele é sua única esperança, Anastácia. A única pessoa que pode te ajudar.
As lágrimas de Anabelle começaram a cair, misturando-se às de Anastácia. — Eu te amo mais do que tudo neste mundo, minha filha. Lembre-se disso. Sempre. E lembre-se do que eu disse... Nicolay. Ele é sua única chance.
A respiração de Anabelle tornou-se mais superficial, cada inspiração um esforço visível. Seus olhos, que antes brilhavam com uma força indomável, agora estavam se apagando lentamente.
— Eu te amo, mamãe, Anastácia sussurrou, a voz quebrada pela dor. Ela beijou a testa de Anabelle, sentindo o calor se esvair.
Anabelle deu um último suspiro fraco, um murmúrio quase inaudível que Anastácia mal conseguiu captar. E então, o silêncio tomou conta do quarto, um silêncio profundo e devastador. Anastácia ficou ali, segurando a mão fria de sua mãe, o peso do mundo agora repousando sobre seus jovens ombros, com a promessa de uma jornada incerta rumo a um futuro desconhecido, guiada apenas pelas últimas palavras de Anabelle: “Nicolay. Ele é sua única chance.”
O ar do quarto de hospital estava pesado, carregado com o cheiro de antisséptico e a fragrância fraca das flores que Anastácia havia trazido. A luz fraca do amanhecer filtrava pelas persianas, pintando o rosto pálido de Anabelle com tons de cinza. Anastácia, agora uma jovem mulher à beira de seus dezoito anos, observava a mãe com uma angústia que apertava seu peito. Os últimos meses haviam sido um borrão de preocupação, idas e vindas de hospitais, e a sensação constante de que o tempo havia se esgotado.
Anabelle fechou os olhos por um instante, como se reunisse as últimas memórias e os últimos desejos. “Escrevi uma carta para ele. Está aqui.” Com um esforço visível, ela alcançou a mesinha de cabeceira e pegou um envelope amarelado, um pouco amassado. “Entregue para ele. Diga que... diga que Anabelle mandou.
Você não pode contar com mais ninguém. Eles... eles não podem saber que você está indo.”
O peso da responsabilidade caiu sobre os ombros de Anastácia como uma manta pesada. Ela era jovem, mas a vida a forçou a amadurecer rapidamente. A imagem da mãe partindo, a necessidade de confiar em um homem que ela mal conhecia, mas que sua mãe parecia depositar toda a sua fé... tudo isso era avassalador.
Segurando a carta com firmeza em sua mão, como se fosse um tesouro inestimável, Anastácia se virou e saiu do quarto. O México, que um dia fora; um refúgio, agora se tornava um lugar de despedidas. O caminho para o Brasil, para encontrar Nicolay, era um salto no escuro, guiado apenas pela esperança de sua mãe e pela necessidade desesperada de um recomeço, de uma chance de salvação. A carta em sua mão era a única ponte entre o passado doloroso e um futuro incerto, um futuro que ela teria que construir sozinha, guiada pelas últimas palavras de sua mãe.
Anastácia sentiu o peso da terra brasileira sob seus pés, um solo estrangeiro que de repente se tornava seu único refúgio. O ar de São Paulo era denso, carregado não apenas pela umidade, mas pela dor que a impulsionava. Em Zaratecas, as últimas palavras de sua mãe ecoavam em sua mente, um sussurro desesperado em meio ao silêncio da morte: “Nicolay... ele é o único que pode te proteger, Anastácia.”
A imagem de sua mãe, frágil e exausta, era um fantasma que a acompanhava. O luto era um manto pesado, mas a necessidade de segurança era um impulso ainda mais forte. Anastácia, com seu estilo gótico simples – a blusa de renda escura, a saia longa e as botas que marcavam sua presença, e os olhos realçados por um delicado traço de lápis – não era uma aventureira em busca de um romance. Ela era uma sobrevivente, fugindo de um perigo que sua mãe temia mais do que a própria morte.
A clínica de Nicolay era o farol em meio à tempestade. Ao cruzar o limiar, a esperança de encontrar o protetor prometido se misturava à ansiedade. Mas a porta para esse refúgio parecia trancada por uma guardiã inesperada: Helena, a assistente. Helena a escaneou de cima a baixo, um olhar de desprezo velado em seus olhos. — Posso ajudar?, perguntou, a voz polida, mas com uma frieza que gelou Anastácia.
Anastácia, com a voz embargada pela emoção e pela exaustão da viagem, tentou explicar a urgência. — Preciso falar com o Dr. Nicolay. É uma questão de vida ou morte. Minha mãe...
Helena a interrompeu com um sorriso condescendente, como se estivesse lidando com uma criança delirante. — Garota, se você está procurando por... outro tipo de serviço, esta não é o lugar. Nicolay não atende a esse tipo de cliente.
As palavras atingiram Anastácia como um golpe físico. — Cliente? Eu não sou uma cliente! Minha mãe me enviou aqui! Ela disse que ele é a única pessoa que pode me proteger! A voz de Anastácia vacilou, a vulnerabilidade exposta, o desespero transbordando. Ela viu em Helena não apenas uma recepcionista, mas um obstáculo cruel, um reflexo do mundo implacável que ela tentava escapar.
O coração de Anastácia martelava contra suas costelas. A promessa de proteção parecia tão distante quanto Zaratecas. Mas o olhar de Helena, sua indiferença, apenas reforçaram a verdade nas palavras de sua mãe. Havia algo em Nicolay, algo que o tornava o último porto seguro, Anastácia não podia ceder. Ela precisava encontrar um caminho, uma brecha, qualquer coisa que a levasse até ele. A sobrevivência, agora mais do que nunca, dependia disso.
— Se você não uma cliente,nao veio atrás do senhor Nicolay para o te-lo como cliente, você quer o que,ah já sei você e uma daquelas mendigas.
— Mendiga?, Anastácia repetiu, a voz embargada. Ela olhou para suas roupas, a saia longa e a blusa de renda, que para Helena pareciam um disfarce esfarrapado. Para ela, era apenas o que ela se sentia confortável em usar, uma expressão sutil de sua alma gótica, longe dos excessos, mas ainda assim, uma marca de sua identidade.
Helena deu um passo à frente, seu olhar frio e calculista. — Sim, mendiga. Nicolay já fez a caridade do mês. Ele não tem tempo para... pessoas como você. A última palavra foi dita com um desprezo palpável, como se Anastácia fosse um inseto indesejado.
O coração de Anastácia apertou. A missão que sua mãe lhe confiara, a promessa de proteção por meio de Nicolay, parecia se desmoronar diante de seus olhos. Ela não era uma mendiga. Ela era a filha de uma mulher que morreu confiando sua segurança a um homem que, aparentemente, nem sequer a receberia.
— Você não entende, Anastácia implorou, a voz agora um sussurro rouco. — Minha mãe... ela me disse que só Nicolay poderia me proteger. Ela estava morrendo...
Helena apenas bufou, sem, demonstrar qualquer traço de compaixão. — Histórias tristes não abrem portas aqui. Por favor, retire-se. Se não for agora, chamarei a segurança.
A ameaça pairou no ar. Anastácia sentiu o peso do mundo sobre seus ombros. Expulsa da clínica, humilhada e sem saber para onde ir em uma cidade desconhecida, a dor em seu peito se intensificou. A imagem da mãe, com seu último suspiro e a esperança depositada em Nicolay, era o único farol em meio à escuridão.
Com a dignidade ferida, mas a determinação intacta, Anastácia deu um passo para trás. Se Helena não a deixaria vê-lo, ela encontraria outro jeito. A promessa para sua mãe era sagrada, e ela não a quebraria. Ela se virou, as botas pesadas ecoando um som de derrota momentânea, mas com a promessa silenciosa de que não desistiria. O Brasil, e Nicolay, ainda não viram o fim de sua história. Com a raiva pulsando em suas veias e o estômago roncando em protesto, Anastácia deixou a clínica, o desprezo de Helena ecoando em seus ouvidos. Ela não era uma mendiga, nem uma prostituta. Era uma alma em busca de salvação, e a porta que lhe foi fechada era a única saída que ela conhecia.
As horas se arrastaram na calçada em frente à clínica. O sol de São Paulo, que antes parecia acolhedor, agora se tornava um lembrete da passagem do tempo e da sua crescente vulnerabilidade. A fome apertava, e o frio da noite começava a se instalar, um arrepio que não vinha apenas da temperatura, mas do medo que a envolvia.
Ela se encolheu na grama úmida, o tecido fino de sua blusa de renda oferecendo pouca proteção contra o orvalho que começava a se formar. O cansaço da viagem e a angústia da espera a dominaram, e Anastácia adormeceu, o sono agitado e interrompido por pesadelos.
Foi o ronco suave de um motor que a despertou. Um veículo de luxo parou próximo a ela, e um homem, com o rosto iluminado pela luz dos faróis, a observou com uma mistura de surpresa e preocupação. Ele desceu do automóvel do banco do passareiro e andou até ela.
— Ei! Você não pode dormir aqui!, disse ele, sua voz um pouco alarmada. — Vão irrigar o gramado. Você vai ficar toda molhada.
Antes que Anastácia pudesse reagir, o sistema de irrigação da clínica foi ativado. Jatos de água fria a atingiram em cheio, encharcando-a instantaneamente. A blusa de renda, agora transparente, revelava a delicadeza de seus seios, a umidade colando o tecido em sua pele. O choque térmico foi brutal.
Agora ela e aquele homem estava completamente molhado.
— Anabelle?, perguntou ele, estendendo a mão para auxiliá-la a se levantar.
Anabelle? O nome não era dela. Anastácia sentiu uma vertigem avassaladora. A febre que a consumia, alimentada pela fome, pelo frio e pelo trauma recente, a atingiu com força total. O mundo girou, as luzes dos faróis se tornaram borrões, e tudo o que ela sentiu foi a sensação de seu corpo cedendo, a escuridão a engolindo. Ela desmaiou, o nome errado ecoando em sua mente como um último e confuso pensamento.