Bem sei como todo amor acaba.
O amor acaba em silêncio,
um silêncio profundo e doloroso,
como se guardasse tudo aquilo
que, por entre os dedos, se perdia.
Um silêncio que recolhia
cada palavra não dita,
cada minuto não vivido.
Um silêncio que perpetuava
sentimentos, gestos e olhares,
e os protegia para sempre.
Um silêncio cheio de promessa,
um silêncio sem fim,
onde o amor, ainda, persistia
em silêncio.
Sou humano,
irremediavelmente humano.
Talvez um dos últimos.
Tolo, orgulhoso, cansado,
feito de carne, ossos, lembranças e medos.
Meus gestos carregam orgulho e terror, entrelaçados.
Sou um animal que aprendeu a ferir,
um pária:
cinza, amargo, tóxico…
Entrego-me às paixões,
aos vícios, à poesia,
ao álcool que me consome e me transborda.
Minto, disfarço, engano,
carrego culpas…
e, ainda assim, persisto.
Sou sincero,
irremediavelmente sincero.
Talvez, apenas talvez,
o último.
Um pouco antes de enlouquecer,
a brisa agitava as árvores,
as vozes se entrelaçavam, suaves,
e o tempo escorria, sem pressa.
Um pouco antes de enlouquecer,
o cheiro do café subia da cozinha,
calçava meus sapatos para o dia,
minha esposa sorria, distraída,
como se o mundo fosse sempre assim.
Um pouco antes de enlouquecer,
a vida era simples, quase bela,
assustadoramente normal,
o último passo à beira do abismo.
Ninguém mais acredita
nas mentiras que invento.
Nem eu.
Restam estilhaços:
amores de um mês,
sorrisos gastos.
Fui passatempo.
Hoje sou o tempo que passa.
Fui riso.
Sou decepção.
Escolhi ser ausência.
De todos os caminhos,
fiquei com o mais agudo,
o fio da navalha.
Nunca conheci quem estivesse errado
(exceto eu).
Todos, cheios de certezas,
todos, cheios de convicção.
Sempre um motivo nobre,
uma causa justa;
todos repletos de razões.
Quanta nobreza,
quanta soberba!
Coitado de mim:
sou torto,
tropeço,
erro,
ando na contramão.
Orar, correr, caminhar…
prosperar.
Tudo isso
antes das seis da manhã.
(só vale se postar)
E se um dia eu fosse julgado
pelos meus versos…
Em minha defesa, diria:
vivemos tempos sem poesia.
Quem sabe hoje,
Vinicius assinasse papéis em Brasília,
(e não bebesse)
Drummond carimbasse ofícios,
e Manuel aguardasse perícia médica.
E Fernando… bem, o Fernando,
esse talvez seguisse sendo
uma boa Pessoa.
Dia após dia, a rotina
se repete,
sem doçura, sem afeto.
O relógio guia os passos
e, pouco a pouco, me desfaço.
Esqueço a fantasia,
abandono a poesia.
Sonhos… tanto faz.
Nem a noite me refaz.
E, no silêncio que enlouquece,
Deus desaparece
e a gente ainda agradece.
Por onde andam
os que acordam de ressaca,
os que falam bobagem,
os que tropeçam na vergonha?
Por onde andam
os pecadores,
os que perderam a fé,
os que sonham com o fogo do inferno?
Por onde andam
os preguiçosos,
os que vivem pelo salário,
os que contam os dias até o sábado chegar?
Ninguém mais sofre enxovalhos?
São todos reis, são todos príncipes?
Diz-me, poeta,
por onde andam as pessoas?
Depois de tudo, o vazio.
Sem vento, sem velas,
sem direção.
Sem ondas, sem barco,
sem retorno.
Sem peixes, sem promessas,
sem nada.
Só silêncio,
imensidão,
e o tempo.
Penso naqueles dias
como dádiva do tempo…
não sei se por generosidade
ou por remorso.
Por um instante,
o tempo nos deu paz.
Vivemos uma vida
num piscar de olhos.
Teus olhos
ficaram para sempre em mim.
Mas o tempo, senhor de tudo,
retoma o que ofereceu.
Abre e fecha cortinas,
enquanto a saudade
pede bis.
Abri mão dos dias,
das horas, do amanhã.
Abri mão do desejo,
da vontade, de tudo o que poderia ser.
Entreguei meus sonhos, meus beijos,
o melhor que havia em mim.
Não me restam lágrimas,
nem risos,
nem sequer canções.
Abri mão até da minha poesia.
Agora não te devo mais nada…
a não ser esta saudade imensa.
Amava tanto
e, de tanto amar,
fez da ausência esperança,
da solidão, ofício,
e do silêncio, promessa.
Amava tanto
e, de tanto amar,
fez da culpa, certeza,
do medo, coragem,
e da mentira, oração.
Amava tanto
e, de tanto amar,
fez de mim poeta.