Isso era tudo:
a poesia que me cabia,
o que eu queria dizer,
as histórias que me restavam.
Eram todas as palavras que conhecia,
todos os versos que aprendi.
Sim, era tudo,
tudo que me pertencia.
Não guardei mais nada comigo:
nem uma vírgula,
nem um ponto sequer.
Coloquei no papel
um pouco de tudo, muito de mim.
Verdades? Mentiras?
Talvez não houvesse diferença.
Só sei que cansei de escrever,
cansei de falar,
cansei de tanta poesia.
E, se ainda resta algo a dizer,
que morra no silêncio,
que volte a ser sombra.
Eu prefiro me calar.
Ninguém mente.
Todo mundo só diz a verdade,
a sua verdade.
E, assim, de mentiras em mentiras,
se constrói a mais amarga das verdades.
De verdades em verdades,
se sustenta a mais doce das mentiras.
Nunca menti.
Nunca disse a verdade.
E, aos poucos, fiz da ilusão meu teto,
da dúvida, meu chão,
para suportar a maior de todas as mentiras:
a vida,
essa piada sem graça.
Cortem-me a cabeça.
Atirem em mim.
Virem-me o rosto.
Não me ofereçam um sorriso.
Ofereçam-me um tapa.
Amaldiçoo meus algozes
não pela sentença,
mas pela hesitação.
Na sala, jazem rascunhos pálidos,
versos incompletos,
poesias esquecidas,
sem vida.
Sou culpado,
sou falho.
Tenho as mãos sujas de tinta
e o coração dilacerado.
Coube a mim, o condenado,
cumprir a sentença.
Coube a mim
puxar o gatilho.
Faltou coragem
aos algozes.
Apontaram, julgaram, condenaram.
Mas coube a mim
puxar o gatilho.
E o silêncio foi o veredito.
Do amor se fez
o desespero.
Da promessa,
a hesitação.
E, assim, a poesia
tornou-se um grito
que me calava,
tão silencioso
e intenso.
Um sussurro
que me sufocava,
tão vago,
e necessário.
Uns buscam a fama,
outros, o sucesso.
Eu só quero o esquecimento.
Ser fotografia que desbota
na moldura do tempo,
como o ponteiro das horas
que ninguém vê passar.
Quero ser ausência.
Que até os olhos mais gentis
me confundam com poeira,
que os amigos
passem por mim como um vulto.
Desejo meu nome
apagado dos livros da vida,
que até minha sombra
desaprenda meu jeito de andar.
E, por fim, quero apenas
uma caneta e um papel…
para escrever, em silêncio absoluto,
o primeiro verso
de um eu ainda sem nome.
Minha poesia, gota a gota mais rara,
resiste.
Resiste em seu silêncio denso.
Como se houvesse, ainda, um sussurro,
como se restasse uma chama,
uma razão,
como se uma última história clamasse para nascer.
Minha poesia guarda um mistério,
um eco que me persegue,
e a define.
Há muito, ela segue sem mim,
como um rio que insiste em correr,
com vontade própria, ardente de continuar,
mesmo quando me falta fôlego
e voz para expressar.
Minha poesia estará lá,
muito depois que o meu suspiro se apagar,
uma voz que ecoa quando a minha silenciar.
Ela segue, envolvente e sedutora,
minha poesia vive no instante final,
quando meu pulso cessar.
Pois a poesia é, antes de tudo,
uma confissão,
mas, sobretudo, a minha redenção.
Fechei meus olhos
para não ver,
minha boca, para calar.
Talvez a vida
seja um fato consumado:
cada “sim” será sempre “sim”,
e todo “não”, “não”.
Pecaria uma vez, duas,
mil vezes,
tropeçaria um milhão.
Escolheria tudo outra vez
e me arrependeria de novo,
e de novo.
Por mais longos os caminhos,
por mais tortuosos,
não levam a lugar algum.
Será que, nosso Senhor,
morreu em vão
para nos salvar?
Hoje escrevo meus últimos versos.
Meu peito já não suporta mais.
Meu corpo padece,
consumido pela poesia.
Tantas coisas ficaram nas entrelinhas…
Que me julguem, que me condenem,
que me odeiem…
ou apenas me amem.
Preencham os vazios como quiserem.
Mas, por favor… não me culpem.
Eu nunca disse o que pensam.
E o que disse…
ninguém ouviu.
Se fosse agora… te daria um beijo:
único, inesquecível… eterno.
Mas amanhã estarei sóbrio.
E o tempo já não espera por mim.
Que alguém mantenha a loucura.
Que alguém se permita amar…
Estes são meus últimos versos.
E, se algum deles ousar nascer de novo,
se algum amor, ainda assim, tentar resistir…
que Deus os proteja.
Que Deus… me perdoe.
Poderia ter sido tanta coisa…
imenso,
infinito.
O que nunca foi dito,
jamais se perderá.
O que nunca se encontrou…
jamais se perderá.
Havia brilho,
havia graça,
havia fascínio…
havia promessa.
Mas…
apenas promessa.
Somos feitos de esperança:
vivemos do vazio
que nos sustenta,
para suportar a dor
que nos habita…
Enfim, a última taça,
o derradeiro verso.
Que sabor esconderão?
Serão mais doces, mais amargos,
ou iguais a tantos?
Deus queira que eu prove
esta última taça,
este derradeiro verso,
como se cada gota fosse o universo
e cada palavra, a primeira…
a única…
a última.
A moça que fugia do sol,
mas dançava na chuva.
Tão calada,
tão inquieta.
Olhava as estrelas,
amava em silêncio,
se alçava no vento.
Síntese da noite,
de todas as dores
e das canções.
Meu antigirassol.