"O mundo saberá que o fogo de Centurion queimará ate mesmo os mares!"
Augibliario, Inventor de Ruaside.
A crise vem como fogo, devorando tudo e a todos. A derrota de um passado próximo ainda abala os pilares da nação, que permitiu ao estrangeiro e tudo aquilo que um dia venceu aos poucos tomar o lugar. Os mares eram tomados pelo saque dos piratas que, como formigas, podavam os frutos e as folhas de uma crescente árvore. As cidades costeiras, antes belas como as pinturas das casas nobres, agora estavam ao descaso, deixadas para um destino miserável onde somente a sorte poderia prover algo.
As vilas do interior também sofriam, o uso da terra se tornou árduo, o trabalho cada vez mais exaustivo e sempre menos produtivo. A fome gradualmente aparecia na casa dos afortunados, protestos, violência e corrupção começavam a se mostrar mais evidentes, as legiões temiam uma nova derrota, o senado cada vez mais ficava sem outras opções. Facções de bandoleiros e bandidos começavam a inundar as estradas que antes eram o símbolo do progresso e da expansão centuriana.
Porém, na parte mais isolada da república, uma cidade militar começava a mostrar sinais de estabilidade. Ruaside, fixada na costa do norte, longe de quaisquer aliados, vivia sempre sob ameaça, graças às supostas riquezas de seu interior. As defesas da cidadela eram sempre melhoradas, balestras reforçadas com o cobre e com o metal, com cordas misturadas com tendões prontos para afundar um navio, catapultas tão fortes que conseguiam arremessar uma pequena carroça.
Mesmo assim, os ataques não paravam, os cercos navais continuavam e cada vez dificultavam mais a manutenção da cidade, os suprimentos eram mantidos como algo essencial e cada chegada de caravana e embarcação republicana era motivo de comemoração. Augibliario era um dos soldados de Ruaside, vivendo naquela maçante vida onde o descanso não existia e a atenção era mais fundamental que o mero respirar. Porém, mesmo tendo horas exaustivas sobre os merlões da cidade fortificada, ele ainda se dedicava à sua verdadeira vocação, a invenção, como uma tentativa de ajudar sua terra daquelas invasões. Contudo, era reiteradamente reprovado, muitas das vezes pelo uso do fogo. O orque cada vez se via frustrado pelos fracassos de suas invenções. — Como farei algo novo? Entendo muito do fogo… mas tampouco consigo controlá-lo, se eu no mínimo tivesse os componentes necessários, mandei minha colega atrás… espero que Orientis tenha lhe guiado pelo bom caminho. Os lamentos de Augi em seu posto eram baixos, mas ainda escutáveis.
Um outro guarda veio a se aproximar, um hobgoblin de pele cinzenta, olhos escuros e ralo cabelo, portando um arco curto em seus ombros e em seu quadril uma aljava.
— Falando sozinho? Qual foi o problema da vez, Gibliario? — O arqueiro se escorava na ameia enquanto observava os entornos. — Fracassei novamente, meu projeto foi rejeitado por não ser "eficiente" o suficiente. — O guerreiro escorava sua lança no ombro, suspirando ainda com o péssimo resultado apresentado. — Acho que está se importando demais, você esquece que não temos muito para gastar aqui, imagine criar uma arma muito poderosa, mas leve embora metade dos nossos ganhos. Tem que pensar nisso agora. — O goblinoide suspirava cansado do longo turno.
— Sou um inventor, não um mercador, isso parece ser prejudicial para as invenções. Precisar de sal, ouro e prata para criar algo que sirva para nosso propósito, se o futuro depende tanto de recurso, estaríamos condenados. — Orque, ainda atento, se irritava com o comentário.
— Não vejo assim, se você não pensar em algo que seja viável. Para quem aquilo serviria? Para nobres? Para governadores e reis de fora das fronteiras? O que adiantaria? Você tem que fazer algo que valha o valor dado. — O arqueiro pegou uma lima e começou a afiar suas flechas. — Então, qual será seu próximo projeto? Vai tentar consertar o último? — Não, preciso fazer algo maior, eu quero fazer com que o fogo queime por cima das ondas e não se apague. O estouro da gargalhada assustava o inventor, tomando uma face desgostada — Você deve ter pirado de vez… fogo que queima por cima da água? Como raios vai fazer isso? Nem magos conseguem fazer com que o fogo queime sobre a água sem se apagar, como você vai conseguir superá-los? — Alquimia, nem tudo precisa de magia, Serikitius, magia é algo que demanda muito tempo, tempo que nós não temos. Mas se der tudo certo, eu consigo fazer meu projeto funcionar. — O orque voltava a atenção ao outro lado da murada enquanto o arqueiro apontava para ele o lado das penas da flecha. — Se tu realmente conseguir tal feito, tu jamais pagarás para comer na taberna dessa cidade. Mas eu realmente duvido que tal feito seja possível.
As altas risadas despertaram o interesse de mais uma pessoa, dessa vez do centurião que se aproximava dos dois legionários. Era uma figura elevada, um mino de cifres curvados e pelagem ruiva.
— Posso saber o motivo de tamanha algazarra? Deu para escutar as gargalhadas da torre. — Parou à frente deles, em uma postura ereta e com os braços cruzados, tendo um olhar atento e rígido. Serik e Augi ficaram enfileirados na presença do superior. — Não foi nada, senhor, só… estava comentando sobre uma invenção que… — o inventor desviou o olhar sutilmente, coçando atrás da orelha — ele achou graça e começou a rir, dizendo que o projeto era absurdo. O mino virou para o arqueiro que apenas consentia silenciosamente com o que fora dito — me diga então, qual foi o projeto. — Bem, eu estou planejando fazer uma arma que faça o fogo queimar por cima do mar sem se apagar. — O centurião atentamente ouviu, arqueou as sobrancelhas enquanto levava sua mão ao queixo. — Interessante, e como isso funcionaria na prática? — O hobgoblin arregalou os olhos com a seriedade levada pelo líder e se virou para o orque, agora curioso com o procedimento.
Receoso com a intimação, viu-se acuado pelos dois. Suspirou e deu início à sua explicação, ambos ficaram em sua frente atentos e cada vez mais curiosos, alguns elementos pareciam fazer sentido mediante a ação, contudo parecia ter algo faltando para que aquilo fosse possível. O Centurião.
— Certo, mas para fazer uma chama que queima por cima do mar por tanto tempo assim, o que será preciso? — Precisaríamos de resina de pinheiro, nafta, cal, enxofre e salitre. Mas ainda não tenho metade dos ingredientes, ainda falta chegar alguns… isso se chegar. — Os dois ficaram em silêncio, vendo que grande parte do pedido se encontrava fora dos muros. Aquilo era algo impossível naquele momento, ambos o encararam com um ar sério, o arqueiro fixou seu olhar no inventor. — E como você vai conseguir isso? Já tem alguma ideia? — Enviei uma pessoa de confiança para fora dos muros, para conseguir tais equipamentos com pessoas de fora. Consegui fazer ela passar pelo cerco, mas ainda precisam passar uma caravana para cá. Se ela conseguir, vamos dar fim à marinha pirata. — O centurião negou com a cabeça. — Isso é como apostar em um Malame amarelo sem chifres, a chance de dar algo errado é altíssima. Como pode ter tanta certeza nisso? — Augi consentiu com o dito, suspirando ainda pela tensão, olhou para a densa mata que cercava a campina ao seu redor, vendo uma movimentação sutil pela mata. — Eu não a tenho, meu senhor, mas… — Levemente, o guerreiro tirou a lança do encosto de seu ombro, colocando-a na muralha em direção ao lado de fora — É melhor do que nada e... parece que temos visita.
Serik e o centurião prepararam suas armas, vendo que a movimentação começava a aumentar. Entre os arbustos e a sombra das árvores, uma pessoa desconhecida, trajando o manto de couro curtido, corria em direção à muralha sem nada em suas mãos.
— Um escravo? — O mino encarou, tentando reconhecer o ser que se aproximava. Da mesma mata saíram mais 3, desta vez piratas usando kopis e lanças contra o fugitivo. — Não sei o que é, mas não deve ser inimigo. Vamos cobri-lo! — O hobgoblin levantou seu arco, tensionando-o em seu primeiro disparo contra os perseguidores, o inventor pegou sua baladeira, disparando contra a ameaça. Já o centurião tocou a corneta, dando alerta a todos ao redor da muralha. Flechas começavam a voar, um dos piratas foi alvejado enquanto os outros recuaram para a floresta. O desconhecido se aproximava do portão sutilmente aberto para comportar apenas sua passagem. Os três se encararam em silêncio, vendo a quietude retornar ao tempo. O oficial suspirava. — Depois retornamos ao assunto, foquem na muralha. Se eles estão assim agora, eles vão tentar atacar mais tarde. Bem, lhes vejo depois, bom trabalho, homens. — A despedida foi singela, os dois ficavam em seus postos esperando o entardecer e o sinal dos sinos para saírem. Já se passaram longas horas até o fraco som das torres ser tocado e os dois serem substituídos por outro grupo maior.
A fadiga e o cansaço da exposição ao sol e pela vigilância constante pareciam envelhecer os combatentes que, mesmo jovens em idade, pareciam muito mais maduros do que eram na verdade. Após a descida de Serikitius e Augibliario, encontraram-se com uma espera inesperada de uma musa nas beiras do portão.
— Não vão dar as boas-vindas? Já faz alguns meses que não nos vemos… — Os dois se entreolhavam, desconhecendo a fala da moça em um ar suspeitoso e curioso. O arqueiro ficou curioso, ainda não reconhecendo a pessoa à sua frente. Já o inventor começava a suspeitar, viu as cobras de seus cabelos e o singelo olhar. —Pompia! Quanto tempo! Pensei que tinha sido capturada. O orque abraçava a amiga, rodando-a no ar. — Haha! Eu estava em Entron, as coisas no resto da república estão piores que aqui. Pompia dizia com certo relaxamento enquanto se escorava na muralha. A afirmação fez Serik tomar um ar sério, como se estivesse desgostando da notícia trazida pela antiga colega. — O que? Como isso seria possível? — Perdemos uma guerra contra Polermos e isso resultou em um efeito catastrófico sem precedentes, escravos se tornaram um artigo quase de luxo, não há terras novas e a população cresce absurdamente, a fome aumenta nas cidades mesmo que os estoques de centeio estejam aumentando, a seca tomou uma parte do oeste e todo o comércio entre as polis está comprometido por bandidos e concorrência de lá do mar — Rindo de nervoso, aquele arqueiro começava a suar frio com a complexidade do caso. — Estamos lascados! Como vamos conseguir ajuda para defender esta cidade? — Eu consegui uma ajuda, mas vai demorar alguns dias para ela chegar aqui… Aliás. — Ela jogava uma algibeira para o inventor, que a encarava curiosa. — Aqui está, tem o suficiente para uma demonstração. — Ao abrir, Augi notou os componentes faltantes para sua invenção, aquilo era o suficiente para produzir um teste completo, mas não poderia errar, pois não sabia quando poderia ter outra possibilidade.
— Ficarei em dívida contigo, Pompia, não sei nem como te pagar por isso — Sabe sim, eu vou querer algumas pérolas depois para mim. Então trate de fazer isso funcionar, pois quase fui morta cinco vezes nessa viagem. — Ele arregalou os olhos, surpreso com a direta ação. — E você está bem? — Esqueceu que sou uma musa? Minha beleza não petrifica ainda, mas… — as cobras dançavam em sua cabeça com o leve gesto dos movimentos da moça — ainda consigo paralisar. — O arqueiro sorriu, segurando o riso. — Deixou os 'duros' do mesmo jeito.
Os três riram sutilmente da piada, com um toque no ombro do hobgoblin e da musa, o orque os chamou para sua casa. Seguindo adiante até as proximidades costeiras da cidade, lá estava calmo como todos os dias, apenas com as praças pouco movimentadas e totalmente armadas com as armas de cerco à espera de mais uma invasão. Os poucos que se mantinham por lá eram soldados ou auxiliares em suas repetidas manutenções diárias aos arsenais.
A casa de Augi era próxima àquela praça, eles adentraram a porta de madeira rústica, seu interior era simples, não havia muitas coisas na casa, apenas o essencial para uma vida modesta. Tampouco parecia a casa de um inventor. Tanto Pompia quanto Serik estranhavam a residência, procurando o lugar onde se faziam as invenções. Ele chegava olhando os convidados, confuso com a andança em sua residência. — O que estão procurando? — pararam com a procura, encarando-o. — O lugar onde você deixa seus inventos? — Por um momento, ele esfregou os olhos, negando silenciosamente o ato — É no subterrâneo da casa, me sigam. — O arqueiro estranhava o fato, olhando de um lado ao outro. — Mas por que te fizeram fazer abaixo do solo? — Por conta das explosões, eles pensavam poderem ser ataques dos invasores. Logo solicitaram para fazer no solo, pois abafava o som. — A musa pensou e consentiu seguidamente, seguindo o colega e descendo junto de Augibliario para o porão. Serik, desgostando um pouco, ficou para trás por um tempo até que se viu sozinho e correu para acompanhá-los.
Já nas profundezas, viram uma sala dura e compacta com o teto firmado por diversos pilares e o chão batido com pedras e destroços dos muros, formando um piso áspero junto da parede infestada de prateleiras portando potes de cerâmica e vidro lacrados com cera e cebo. Mesmo com todos tendo uma sutil capacidade de ver em meio àquela escuridão, pouco se enxergava em meio às escuras partes daquele lugar. Augi ascendeu o lampião ao centro, clareando a estrutura de sua oficina de inventor.
— Fascinante, mesmo sendo pequeno, parece espaçoso? — A musa comentava, rodando de um lado ao outro, a contemplar toda aquela estrutura. — Uma coisa boa que herdei de minha amada mãe foi sua capacidade de organizar a maior das bagunças. Bom, vocês dois vão me ajudar? Ou vão querer assistir? — Dizia o inventor, tocando em sua bancada, mexendo sutilmente sua estrutura enquanto ligava cada brasa ao óleo para seus experimentos. — Bom, vou começar a produzir isso, se der certo conseguimos terminar ainda hoje.
Dentre eles, somente o inventor tinha ciência de como aquelas coisas funcionavam. Pompia olhava sem entender enquanto o hobgoblin rodava a bancada, tentando de um lado ao outro entender o que poderia se fazer com aquilo, contudo, nada de ajudar Augi. O orque os encarou por um momento, suspirando frio, negou com a cabeça e começou a trabalhar. Lentamente, deu preparo das substâncias enquanto chamava o auxílio dos colegas que tomavam conta de atividades mais práticas, como moer ingredientes e abastecer ou suprimir as chamas. A intensa substância começava a se misturar, a batida da resina com o petróleo, misturado nafta e enxofre extraído, com uma condensada mistura chegando a criar uma superfície lisa e pegajosa.
O cheiro forte tomava o lugar, forçando-os a amarrar tecidos em seus rostos e cobrir seus olhos para não chorar pelo vapor. — Sério, Gibliario, como você aguenta isso? Que odor insuportável! — A musa, aos poucos, se afastava dos frascos, tossindo pela intensidade. — Você não se incomoda tanto depois que começa a trabalhar com isso, mas demora para se acostumar com tais cheiros. — O inventor se mantinha tranquilo manipulando aquela perigosa essência enquanto destilava a mesma para um frasco. O arqueiro olhava para aquilo com estranheza, tentando entender todo o processo. — O que estamos fazendo exatamente aqui? — Serik perguntava, enquanto via as gotas gradualmente caírem no recipiente que o inventor salpicava levemente com um pó esverdeado. — A munição para a arma, destilando a substância e compondo-a com os últimos minerais e componentes químicos, já misturamos a nafta, filtramos a resina e o nafta já elaboramos, condensamos o enxofre com o salitre e depois destilamos o petróleo, agora falta misturar o resto lentamente e colocar em um frasco de cerâmica ou em um tonel de bronze para por em uma arma. — A feição se mantinha severa, com um suspiro pesado passando a língua no canino, Pompia focava-se na face preocupada do amigo.
— Deixe-me adivinhar, você quem vai atirar nela, correto? — O silêncio se instaurou na sala, com apenas um consentimento pelo olhar. A musa contraiu os lábios, desviando o olhar. — Você sabe que, se isso der errado, pode morrer por ela, correto? — Augi olhou para o frasco que cada vez mais se enchia do líquido, tocando levemente na mesa, sem responder. — Isso é perigoso demais. — Sei… — puxou o ar com força, fechando os olhos enquanto inclinava-se para cima, seus olhos miraram a lamparina que iluminava tudo com uma pequenina chama canescente. — Mas é preferível perecer tentando mostrar ao mundo minha criação… do que viver uma vida longa me lamentando por nunca tentar. — Orque baixou sua cabeça, fechou a válvula da destilação e fechou o frasco e colocou outro, começando a enchê-lo. — Mostrarei ser possível queimar sobre as águas e o mundo saberá que o fogo de Centurion queimará até mesmo os mares… Ele se levantou, estendeu o frasco lacrado em uma cesta. — Teremos que produzir mais algumas, após isso levarei ao cais e solicitarei uma demonstração prática, agora é tudo ou nada, não há mais tempo para se perder, temos que salvar esta cidadela e depois a república. — O hobgoblin riu sutilmente enquanto encarava as gotas enchendo o frasco — E como tu vais conseguir essa solicitação tão facilmente? Já tem um plano para tal? — A jovem e o inventor se entreolhavam com um sorriso, enquanto o arqueiro removia aos poucos o tom cômico, tomando um ar sério — Meu senhor Aramam… ele tem.
Os três continuaram até finalizar o trabalho, já era início da noite quando o finalizaram, os faróis aos poucos começavam a ser acesos, junto do início das patrulhas pelo entorno dos centros urbanos, a cidade era tomada por luzes fracas de velas, tochas e lamparinas. Andar era obrigado a ser iluminado, com uma lamparina, seguiram até o cais que se encontrava fechado, ao longe embarcações sem bandeira rodeavam a estrutura à espera do momento apropriado para atacar uma falha ou um desavisado. Os marinheiros que se mantinham no porta, quietos, prontos para a batalha que não vinha. Um dos Optio organizava seus homens, enquanto se mantinha atento às luzes dos faróis à espera do avanço. Olhou para a entrada do porto, vendo um estranho andar, sacou seu gládio e foi em direção ao trio. — Esta área é restrita, quem os mandou para cá? — dizia o ranzinza marinheiro, olhando os soldados e a civil. — Senhor, estamos aqui para quebrar o cerco naval. A fala do orque trouxe uma careta na face do Optio que se segurava para não rir do absurdo dito. — Prff… E como vai fazer isso? Augibli tomou uma feição séria, tomou a frente de seus amigos e encarou o marinheiro. — Aposto contigo uma casa na praça sudoeste com tudo dentro e incluso mais um saco de sal e alguns lingotes de cobre. — Pompia e Serik assustavam-se com a ousadia do inventor, enquanto o marinheiro mantinha-se cético com a situação. — Certo, e o que está sendo apostado? Vai tentar quebrar o bloqueio como? — Vou precisar apenas de um único navio com um escorpião para um ataque, e afundarei no mínimo 4 navios. — O Optio encarou-o com suspeita, focou nos colegas deles. — Entendi, vou ficar com teus amigos de garantia, não sei se você está trabalhando para os piratas. — Que assim seja, f... — A musa e o hobgoblin puxavam o Orque com força. — Você ficou maluco? Vai deixar esse doido como a gente de garantia? Ele vai passar a faca no nosso pescoço se tu vacilar. — Serik balançava irritado enquanto as serpentes de Pompia ficavam agitadas, olhando fixamente para o insano apostador. — Escuta aqui, Augi eu não quero morrer pelo seu sonho, não! A gente confia em ti, mas isso é demais. — Vai dar certo. Confiem em mim, depois recompensarei ambos por isso, entenderam? — Ambos se encararam com certo peso e soltaram o Orque. — Certo… — o inventor olhou para o Optio, estendendo a mão. — Acordo feito.
— Perfeito. — O oficial pegou seu tubo e assoprou, chamando seus homens que vinham correndo para ouvir o chamado.
— Meus nobres marinheiros, este Orque nos fez uma proposta maluca, disse que conseguiria afundar 4 navios com apenas um! — Os marinheiros começaram a rir do fato — Masssss… ele diz que é garantido! Apostou todas as suas posses e ainda botou a risco o pescoço de seus colegas! Então, nada mais justo… que dar uma chance de provar seu ponto. Não acham? — Os marinheiros que já cercavam o grupo concordavam com seu superior em um tom muito mais relaxado. — Bom, senhores, preparem seus cargos e chamem os remadores, nós vamos fazer um ataque! Os marinheiros, cansados da espera e do tédio, comemoravam a notícia, finalmente iriam guerrear mais uma vez, não demoraram, não tardaram e já começaram a se preparar para o combate. Alguns vestiam suas armaduras enquanto outros chamavam os escravos restantes para rumar contra a linha que impedia a resistência. Augi subia no navio, carregando consigo as granadas preparadas enquanto seus colegas ficavam no porto.
— Vocês confiam mesmo que isso vai dar certo? — dizia o oficial para os amigos enquanto três embarcações saíam sutilmente em direção ao bloqueio. Ambos suspiraram sincronizadamente, a musa coçava-se de nervosa. — Não há garantia nem destino, só confio que pode funcionar… mas certeza… — negava repetidamente com a cabeça — tenho nenhuma.
O navio vinha se afastando da costa, trazendo consigo a tensão; o mar estava calmo e os ventos leves demais para levar o navio para fora das águas rasas, os remos longos tocavam a água segundo o som dos tambores, os guerreiros que acompanhavam se mantinham surpresos com as bolas de cerâmica que colocavam no lugar das pedras daquela escorpião. O artilheiro olhava sem entender.
— Mas o que é isto? — questionava o guerreiro — É a mudança. — A resposta trazia consigo mais dúvida da origem, o artilheiro arqueava a sobrancelha com a fala, vendo seus companheiros também duvidosos. — E o que ela faz? — Augi o encarava em silêncio por um momento, por alguns segundos a única coisa que se escutava era o som das pequenas ondas a se quebrar no aríete. — Muda o rumo dessa guerra. — Os soldados cochicharam e deram de ombros, vendo que não teriam uma boa resposta. Quando mais se aproximavam, piores as coisas ficavam. Ao longe, os navios que patrulhavam ascendiam seus faróis e disparavam flechas incendiadas ao céu, avisando aos outros que um navio se aproximava. O mar, que antes tinha poucos barcos, começava a mostrar sua verdadeira feição. Seis navios apareciam beirando a costa, eram oito contra um à frente. Os marinheiros eram tomados pela friagem do suor e pelo arrepio da espinha, pensando aonde se meteram. Porém, o inventor ainda mantinha sua compostura perante o grande desafio. — Prepare-se para disparar. — O artilheiro consentiu, mirando a arma contra os navios que aos poucos se aproximavam. Em auxílio, Augi acendeu a munição que exalava uma fumaça escura como o carvão, o primeiro navio se aproximava e começava a atirar. — Esperem! — O inventor dizia ao lado, segurando um pequeno escudo enquanto as flechas cravavam na madeira do navio, mas ainda não estava próximo. O navio cada vez mais se aproximava, agora os gritos dos piratas eram audíveis, gritando em comemoração pelo saque que iriam fazer. — Já posso atirar!? — O artilheiro se abaixava, evitando os disparos das setas, enquanto acompanhava com a mira a embarcação inimiga — Espere. — Augi mantinha a compostura, mesmo nervoso, vendo o perigo a se formar — Homens, disparem! — Fundas e arcos começavam a ser preparados, as flechas agora acertavam alguns dos remadores, fazendo os primeiros gritos e sangue serem derramados naquele combate. O birreme se virava, abrindo sua vela negra em direção ao navio. — Eles estão vindo! — gritava um dos guerreiros que se protegia atrás de seus escudos. O artilheiro olhava a situação tenso e se virava para o inventor que apenas batia em seu ombro. — Atire!
A bola de cerâmica voava em direção ao navio, sem fazer grande barulho, caía em meio ao navio em sua parte funda, porém não parecia fazer efeito. Os marinheiros se apavoravam vendo o navio chegar perto de colidir… até que uma forte luz crescia gradualmente no navio, o mastro caía enquanto os remos eram jogados ao mar, os criminosos pulavam ao mar em chamas enquanto o navio deixava as cores pretas, se tornando uma pira. Mesmo jogados ao mar, os remadores acertados ardiam em fogo, mesmo os mergulhados queimavam sem cessar. Os gritos de dor e desespero tomavam o navio, as chamas respingavam, rachando o navio que, aos poucos, perdia seu curso e parava enquanto afundava lentamente pelo dano das chamas. Os marinheiros que antes riram do Orque agora o olhavam com medo, vendo o poder que este portava em suas mãos, porém, este se focava apenas em sua missão. Carregou a balestra e acendeu mais uma munição — Vamos, senhores! Temos que afundar mais três navios! — Mesmo com horror, os guerreiros eram tomados pelo orgulho da vitória incandescente, gritavam pela adrenalina que corria em seus corpos, preparando-se para continuar o ataque. Os navios piratas avançavam, começando a retalhar a perda dos camaradas. Eles já não desejavam mais as riquezas dos navios, eles o queriam afundar. Flechas assoviavam pelo céu, pedras e arpões se chocavam entre os navios, o combate começava a tomar sua verdadeira intensidade, o artilheiro confiante com o fogo, preparava mais um disparo, porém, antecipara muito sua mira acertando na frente do navio. A chama queimava sobre as ondas, grudando no casco da embarcação que avançava em meio ao fogo. Os saqueadores batiam com seus tecidos molhados, tentando apagar a chama que grudava na proa, mas só a espalhavam mais. As ondas pioravam a situação, batendo o fogo contra sua regala, fazendo a tripulação, por medo, fugir, tentando se jogar no mar para serem salvos. — Malditos! Eles estão afundando todos os nossos navios! Feiticeiro! Afunde aquele navio! — gritos vinham de uma das embarcações, o céu limpo da noite, agora era tomado por nuvens escuras e sem chuva. — SE PROTEJAM, ELES TÊM UM CONJURADOR! — Um raio acertava o navio, matando um dos guerreiros, o barco descia sua vela, começando a mover-se em meio aos atacantes. De longe, os dois navios que antes só observavam tomavam coragem na luta. Eram três contra seis, a batalha estava prestes a se intensificar.
O inventor agora se agitava, seu coração não parava de bater, agora estava lutando não contra meros piratas, mas sim contra um dominador da magia. A vantagem que criou agora estava em risco, mas ainda não era o suficiente para o fazer recuar, — Vamos afundar o navio do feiticeiro — O QUE? A GENTE VAI SER DESTRUIDO! — NÃO HÁ OUTRA ESCOLHA, SE NÃO FIZERMOS, ELES VÃO ATACAR A CIDADE! A ira tomou o navio, o combate se intensificou como o tempo manipulado, ao longe as cornetas e sinos badalavam mostrando a visão da cidade, as luzes mesmo fracas, faziam uma corrente tomando todo o topo da muralha e do cais. Todos observavam o conflito do conjurador e do inventor em sua tempestuosa batalha naval. As velas baixaram, os ventos antes fracos tomavam força, a balestra disparava ao tempo que atingiam mais raios o navio. O fogo obliterava as embarcações piratas enquanto a eletricidade ceifava a vida dos guerreiros e canoeiros. No auxílio, os arcos eram trocados pelas espadas que agora rumavam junto do aríete em combates pesados contra os navios atacantes. Do outro lado, as saraivadas de disparos tomavam o céu junto da chuva que aos poucos chegava. O mar via a batalha e aos poucos se juntava a ela, as chamas que antes boiavam pelas águas, agora subiam junto das ondas como monstros marinhos atacando uma embarcação. Os remos, as velas iam juntos ao embate, os ventos traziam o caos e os mares a destruição, o feiticeiro rogava os ritos arcanos enquanto o artilheiro tentava a todo custo afundar sua embarcação. Em meio aos ataques, uma flecha trespassava o ar e as águas, penetrando a ríspida armadura do manipulador da besta, caindo ao chão agonizando com a flecha penetrando suas costelas. O inventor, vendo seu atirador cair, puxou-o para baixo do navio, junto dos remadores. Os soldados aflitos, segurando-se em cordas e nas laterais do navio, gritavam. — O QUE VAMOS FAZER?! PERDEMOS O ATIRADOR! — Augi olhou para o leme e correu para o legionário que o manejava. — Avance contra aquele navio! — Você ficou maluco? — Faça o que te falo, só temos esta chance, se não, afundaremos!
O timoneiro olhou para seus redores, vendo o caos da guerra em sua maior intensidade, e com toda sua força empurrou o leme, se virando para o navio ofensor. Os ventos e a maré tomavam seu lado, o deus mar parecia aos poucos tomar. — PREPAREM-SE PARA O IMPACTO — O birreme cortava a onda, enquanto a tempestade castigava seus remadores. O orque tomava uma das bombas, ascendendo e segurando perto de si; as ondas os jogavam para cima, aproximando-o do navio pirata. O feiticeiro, temendo pelo ataque frontal, rogava uma descarga elétrica intensa, acertando todos do barco em um único golpe. As queimaduras e ferimentos lesavam grande parte dos escravos enquanto os guerreiros tremiam pelo choque. Augi sentia a dor e a dormência em sua perna, mas isso não o impedia. Já próximo de seu alvo, correu mancando para a lateral do navio com a munição levantada por cima de sua cabeça, pronta para acertar o navio. — ELE ESTÁ ALI! — gritava o pirata, apavorado com a cena. Em resposta, o feiticeiro disparou diretamente contra a face do inventor. O choque acertava seu rosto, fazendo seu olho explodir. Ele caía agarrado à munição, a dor era latejante, tampouco conseguia ver direito agora, porém, mesmo debilitado, levantou-se com a bomba, pronto para jogar. Desta vez, o feiticeiro havia gastado muito e não tinha como impedir. — VIDA LONGA A CENTURION — ela era jogada, caindo na traseira do navio e explodindo como uma bola de fogo, arremessando todos os próximos para trás, o timoneiro tentava virar para impedir a chama de acertar o navio, conseguindo escapar do destino, mas perdendo seu mastro no ataque. O navio estava agora desgovernado, incapaz de usar o vento, dependendo apenas de feridos e apavorados para fugir. O inventor ferido caía ao chão, vendo as poucas estrelas atravessarem a tempestade. Seu rosto estava encharcado pelas águas e já não conseguia levantar. Um dos marinheiros o agarrava. — Ei! Ei! Conseguimos! A vitória é nossa… — pouco terminara de falar e o homem apagava pela dor. A batalha continuou com os navios piratas em retirada.
Na cidade, todos contemplavam a evasão como um triunfo. O cerco havia terminado, era o fim do isolamento, a chama de Ruaside havia libertado a cidade, os gritos dos homens e mulheres eram notórios, os marinheiros que ficaram para trás batiam os tambores e tocavam as cornetas em comemoração à vitória. Cinco navios piratas foram afundados, dois navios centurianos avariados, a vitória retornava às mãos da república, e agora era hora de contra-atacar.