"os justos procuram formas de ascender, mas nos, não precisamos ser justos para termos oque queremos."
Magnus, o tordilho - Capitão Prata do mar Entropy
A derrota pirata na costa de Ruaside gerou grande confusão. Finalmente, após meses de isolamento com o resto da república, os pontos poderiam se ligar. Ao mesmo tempo, a queda da maior frota pirata gerou temor entre os outros grupos e ligas que antes viam a república como um lugar para enriquecer pelo saque e contrabando e agora como um dos principais problemas à sua hegemonia no mar. Grupos começavam a evitar o contato com os barcos do norte, temendo o mesmo destino daqueles que cercaram a cidadela fortificada. O medo se instaurou, e agora poucos eram os ousados a tentarem atacar as rotas de cobre e prata. Grupos diversos, temendo a caçada de seus membros e a morte brutal das penas republicanas, uniram-se às cidades, servindo como corsários à procura de proteção. Mas ainda havia aqueles que contestavam o poder da marinha crescente e dos covardes corsários, mantendo-se em sua busca de riqueza e poder.
Entre estes criminosos havia alguns que se destacavam, atentando contra diversas nações que cercavam todo o império. Entre eles estava Magnus, tordilho, um bugbear de pele escura e pelagem clara, destacando uma cor cinzenta única e difícil de encontrar. O mar estava cada vez mais agitado e os conflitos com este também começavam a se intensificar, em meio a contrabandos com as cidades ao sul de Centurion, uma estranha proposta a se mostrar, com o grandes goblinoides a se interessar. Em meio às trocas, seu comprador foi lhe informar. Ele era um goblin baixo, mas que tinha dinheiro para movimentar.
— Então, meu caro, tenho um trabalho bom para você. Acho que vai gostar. — O gigante tordilho olhou para baixo com as pernas abertas e os olhos cerrados, o esperando continuar a falar. — Tenho uns companheiros em Camor que precisam chegar ao continente, eles vão pagar caro para quem os transportar, mas eles são bem exigentes, pois não vão aceitar nenhum tipo de falha. O gigante ficou sério, se levantou, andando em direção ao mercador — Me conte as exigências deles e quanto estão dispostos a pagar. — Seus tripulantes olhavam de longe, não ousando se aproximar para contestar, porém o interesse chamava mais alto, fazendo o silêncio a bordo reinar. — Eles querem discrição, sem perguntas, não querem ser vistos, se forem, eles vão querer que vocês afundem quem viu a carga, em troca, oferecem 25 Sigmar Suidenas. — Magnus travou, incrédulo com o valor proposto, aquilo era absurdo, os homens imitavam seu capitão, sem ter ideia de como proceder. O mercador somente sorriu, levantando-se da cadeira e encarando o gigante. — Se quiser aceitar, tem até hoje à noite para me dizer. Tenho que fazer muitas coisas ainda hoje. — Nós aceitamos. — O pequeno sorriu com a resposta rápida do tordilho, acenou com seu curto chapéu e rumou em direção à porta. — Perfeito, eu vou dar o aviso a eles. Você é um ótimo negociador, meu caro bugbear.
O baixo goblin saiu fazendo todos que antes espiavam se afastarem da porta por receio, da proa à popa o silêncio reinou até a saída do mercador do navio. Quando este saiu da embarcação, a comemoração reinou, os homens festejavam com a conquista que acabaram de ter, porém o capitão ainda se mantinha sério, irritando-se com a cantoria e dança de seus tripulantes. — Calados. Não é hora de comemoração. — Os marinheiros se entreolhavam sérios com a postura do grande. Um deles se aproximou com um ar ainda sério, ele era grande, um bestial galo marcado por cicatrizes das batalhas pelo mar. — Meu capitão... por que sério? Uma missão dessa vai nos render 25.000 Centus. Isso é suficiente para comprarmos uma vila nobre. — O capitão era temido, mas sensato, olhou para seu combatente, consentindo silenciosamente. — Mesmo assim, ninguém pagaria isso por algo simples. Preparem-se, que isso pode ser uma emboscada ou coisa pior — ele foi a linea olhando a todos — Aceitaremos a missão, mas todos aqui terão que ter o dobro de cuidado, os pedidos foram severos, logo esta missão será perigosa e brutal. Teremos que ir por mares agitados e nos preparar para afundar quem se puser em nosso caminho, Saibam que dessa vez não será um simples ataque a um navio ou um transporte de contrabando, pelo valor vamos enfrentar o pior. O clima empolgado da tripulação cedeu ao de preocupação, alguns tomavam pelo receio enquanto outros cobiçavam a riqueza que vinha pelo perigo. — Então digo a vocês, aqueles que forem maricas, covardes, e que temem a morte. Saiam deste navio agora, pois só terá a riqueza quem aqui ficar. — Magnus apontou para a saída no cais, esperando os mais fracos saírem, porém, o orgulho e a ganância eram os motivadores de todos naquele lugar, mesmo os que tinham receio não estavam dispostos a sair, alguns eram empurrados para irem embora, porém voltavam se agarrando em seus algozes, provando que nem mesmo o medo os faria recuar.
— Gosto de ver que não ando com frouxos, bons senhores. Bebam o máximo que puderem! Comam tudo que conseguirem nas tabernas desta cidade, até o fim desta ação vocês não verão nenhuma gota de vinho ou jovem de pernas grossas.
A risada tomou o barco enquanto a comemoração voltou junto da vontade de ganhar. Vários homens desciam do barco pegando os barris de vinho e os pães amanhecidos atrás. Outros iam às tabernas e bordéis para a viagem que iriam travar, porém, somente o capitão ficava sério, sentado próximo à popa, a observar seus homens a esbanjar. Seu timoneiro se aproximou, indo o encarar. Ele era outro bugbear porém mais esguio e com menos cicatrizes na cara. — Meu capitão, não vai beber? — Perguntava seu piloto, sentando-se próximo às escadas. — Dessa vez não. — Deixe-me adivinhar, é por conta do acordo? — comentava sutilmente, mesmo com o sotaque rouco e bruto vindo da raça junto do costume de fumar cachimbo. O capitão suspirou, ainda insatisfeito com o falado. — Eles viram ainda hoje, minha preocupação é o que vem depois.
No entardecer daquele dia, grande parte dos homens já estavam bêbados, a outra estava cansada da folia e à espera do encomendado, porém, a chegada foi inesperada, um grupo de mais de 30 indivíduos se aproximava, todos com túnicas que cobriam da cabeça aos pés, em formas volumosas e robustas. Os que ainda estavam cientes os encaravam com estranheza, enquanto os outros, tomados pelo álcool, não conseguiam entender mais a situação.
Eles se aproximaram do barco, olhando para o ponto como se esperassem um convite de entrada. Magnus olhava com sobriedade, se levantou e desceu a rampa do navio, indo de frente ao suposto líder daquele grupo. Ele estendeu a mão e um saco de moedas caiu em sua palma. Ele a abriu, vendo que havia somente 10 das preciosidades, os encarou mesmo não vendo seus rostos por completo e apenas parte de sua boca. — O resto vão pagar na chegada. — Vamos pagá-los quando vocês retornarem, temos um nos esperando lá com outra parte e mais dois com o resto aqui. — A calmaria do mar vinha com a quietude que se seguia, o grande tordilho somente abriu caminho, sendo o suficiente para os ocultos adentrarem a embarcação, os piratas os focavam enquanto eles tomavam o centro do navio, todos se entreolhavam enquanto o capitão subia levantando a ponte.
— Iremos partir hoje, temos muito mar para cruzar, aproveitem que o Oceanus está a nosso favor e desçam as velas. Vamos dar início à viagem. A trovejante voz dava início à ação, mal embarcaram e já tiveram a sua preparação. As velas desceram, o vento levou, do cais se despediam com os remos enquanto o barco avançava ao médio mar.
A embarcação continuava a velejar pelas águas mansas, a tripulação ainda descansava, mesmo pronta para as instabilidades do mar. A escuridão chegava e o único guia era a lua azul que iluminava tudo ao redor. Mostrando as rochas e os barrancos que se escondiam em meio às pequenas altas, um dos encaminhados se aproximava do capitão, olhando para a escuridão do céu e a direção da proa. — Quanto tempo até chegarmos do outro lado do istmo? — O timoneiro olhou suspeito, porém o capitão manteve a serenidade. — Quer adentrar o continente? Sabe que é perigoso ir por trás de Polermos. — O contratante consentiu sutilmente com a resposta dada, mas ainda focando-se no céu. — Sei bem dos desafios, mas estamos indo para lá. Por terra é impossível. A única opção foi por mar. — O Magnus fintou-o, cerrando os olhos, ainda receoso com aquela pessoa. — Entendo... entendo. Você e seu grupo são algum tipo de seita ou criminosos? — O estranho focou o bugbear negando sutilmente. — Não, estamos somente indo para resolver alguns negócios, não somos criminosos. — Um sutil sorriso fechado apareceu na face do capitão. —Certo, certo. Então... porque vieram por piratas, sei que centurianos mais abastecidos como vocês nos desprezam. Dizem que somos traidores da república e de suas leis. — O encapuzado tirou o capuz, mostrando um rosto marcado de cicatrizes e um olhar tão sombrio quanto o de um assassino. Era um hobgoblin com uma idade madura, não era um nobre, parecia um guerreiro ou gladiador.
— E não são? Não preferiram roubar e contrabandear do que trabalhar honestamente? Preferiram o ganho rápido, tomando o que era dos outros e sabotando os pequenos para terem o que queriam? — É verdade, mas só fizemos isso porque não havia mais o que comer, você já passou fome, hobgoblin? — O guerreiro o encarava fixamente, respirando pesado enquanto inclinava-se para vê-lo. — Vi e senti várias formas de dor, mas não, nunca a fome. Magnus consentia, com os braços cruzados atrás de suas costas. — Eu já senti e já vi pessoas morrerem dela nas épocas das secas, é uma morte dolorosa. As pessoas fazem de tudo para sair daquele estado, inclusive abandonar qualquer amarra boa que o prendia a fazer algo bom. Ali percebi não haver erro, o erro é morrer por nada, porque vou passar fome, sofrer sem necessidade se posso ter o que preciso e usar aquilo? — O capitão analisava o rosto procurando feições ou trejeitos que revelassem o estado daquele goblinoide, mas nada fora do comum, ele se mantinha sério, seu rosto rígido como uma rocha a cortar as ondas. — E tu não sentes culpa de ter feito isso? Tirado de outros que tinham fome para se alimentar mais? Tirar do fraco e dar a outro que já tem mais? Sem lutar por aquilo, sem conquistar de forma legítima. — Me diga então, hobgoblin... — ele se abaixava, fixando diretamente os olhos com um ar severo enquanto a lua azul baixava seu brilho, deixando a escuridão tomar um pouco do mar e as estrelas a cintilar — o que é conquista?
— Conquista é algo que só conseguimos mediante a batalha, quando nossos esforços, sejam solos ou mediante a nossos fiéis aliados, são intercalados e somados em uma essência pura onde a técnica, a brutalidade e a consciência se unificam em um único ato que se conclui em um resultado grandioso não só no tocável, mas também na alma, alegrando os deuses.
O bugbear, escutando aquilo, se manteve calado, espiou os outros que estavam espalhados pelo navio, alguns conversando com seus tripulantes e outros entre si, voltou seus olhos ao "líder" — Me diga uma coisa... — O tordilho sacou sua adaga, que era tão grande quanto uma espada curta. — Porquê um Centurião com metade de uma centuria está em um navio pirata indo para o outro lado de Polermos? — a bainha do guerreiro fazia o leve barulho da espada a ser sacada por baixo do robe.
—Foi tão fácil assim saber o que eu sou? —Somente aqueles que amam a guerra estão dispostos a faze-la pela glória de Aramam. Eu já encontrei vários de vocês. — O encarar era nítido, os piratas percebiam o estranhar de seu capitão, os legionários encobertos por seus mantos se entreolhavam fazendo apenas sutis sinais com as cabeças.
A tensão se instaurou, o som das lâminas saindo de suas guardas era como uma orquestra a se iniciar, cada som saía em seu ritmo, a embarcação antes tranquila e alegre virava um silêncio de tensão como se a batalha estivesse por vir. Os dois líderes, mantendo a guarda alta, viam seus lados prontos para mutilar o outro, porém estavam em alto mar, as terras mais próximas eram barrancos e destroços de navios antigos e nenhuma terra a atracar. — Acho melhor você baixar sua espada. Meus homens estão muito mais preparados para a batalha que os teus. — Sim, concordo. Mas mesmo assim, meus homens não se rendem com facilidade, e mesmo que mate a todos, como vai chegar a seu objetivo sem saber as rotas? — Os gumes reluzentes mantinham-se apontados para seus opositores, o único que não brandia sua lâmina era o tomoeiro que parecia saber o que estava acontecendo, mantendo seu ar tranquilo enquanto se aproveitava do vento guiando o navio. — Você está certo... mas isso não tira o fato da verdadeira intenção de vocês. — Nossa intenção é somente enriquecer em cima de vocês, nada além disso, vocês estão pagando e logo estamos ganhando. Mas agora que nossas espadas estão expostas, me diga seu nome, centurião, e por que está indo para Polermos. — Um segundo se passou em quietação, o ar pesado se mantinha a intensificar na embarcação, todos se mantinham preparados para o outro, mesmo os bêbados pareciam à espera do menor dos movimentos. — Xarlesxis I, e estamos indo para a cidadela impenetrável. — Magnus continuou a focá-lo com seriedade, porém, sua boca começou a tremer e a gargalhada puxada veio com uma corneta em todo o navio, todos olhavam em direção ao capitão que ria intensamente. — Eu não sabia que militares podiam ser comediantes, que raios vais a fazer naquele inferno? É uma nova forma de cometer suicídio? HAHAHAHA — Xarles fintou o tordilho com uma face de incômodo, mas, ríspido em seu comando, mantinha sua compostura mesmo perante a gozação.
— Não há piada, vocês vão nos levar para o oeste polermiano. — E vocês vão fazer oquê? Morrer? Acha que já não tentamos atacar ou outros tentaram fazer isso? A cidadela, as fortalezas de Polermos são impenetráveis, não existe forma de vencer aquilo, barcos quando atracam nas costas, armas de cerco são incineradas, nada tomba os muros daquelas cidades. O que vocês, centurianos, produziram em anos, eles fazem em meses, ninguém venceu aquela nação desde o dia de sua criação, e como acham que vão derrotá-la? Com metade de um grupo? Vocês não têm poder, todos que estão contigo em sua maioria são soldados, nenhum mago ou feiticeiro capaz de no mínimo comparar à força. — O guerreiro baixou a ponta de sua arma, tomando uma postura mais defensiva. — Mostrarei a ti e ao mundo que este pensamento é falho. Aquilo não é invencível. — O tordilho cerrou os olhos para o Centurião, ainda com sua arma em postura para o embate — Gostaria de ver isso, mas ainda desacredito de ti. O que me prova que você não está tramando contra nós? E isso não passa de uma emboscada?
O guerreiro soltou sua arma ao chão, o bugbear arqueou as sobrancelhas, mantendo sua arma em pé. — Deve achar que sou tolo? Pensa que não sei como vocês pensam? Você tem no mínimo duas a três armas. — O guerreiro, ainda em sua postura de guarda, mantendo-se em prontidão, sorriu, fechando sutilmente os olhos. — Um pouco, não vou mentir. — O tordilho mostrava uma face irritada, rosnando lentamente para o goblinoide à sua frente. Seus passos avançavam junto de seu olhar, a figura cinzenta tomava tamanho como se fosse uma sombra a cercar uma pequena vela. Xarles não se intimidou com a figura, mantendo-se a postos para o embate, contudo, somente bater era feito.
— Você conquistou meu respeito, poucos ficariam para ver o resultado. Eu já sei que não lhe verei mais, guerreiro, vai ser bom assisti... — um grande estralo era feito, como o puxar de um longo arco, o rasgar dos ventos trazia consigo a confusão, ao lado do navio um grande virote acertava a lateral derrubando um dos piratas e lascando o parapeito estibordo. — Um dos seus amigos? — Ninguém sabe que estamos indo para lá. — O capitão, ainda com sua lâmina em mão, apontava para a direção da embarcação. — Preparem-se para a batalha, temos um navio para afundar. — Pulavam-se aos remos, outros iam para as armas, a noite de ventos fortes trazia consigo as pequenas ondas, a noite escondia o tamanho, mas as luzes das lamparinas revelavam o ponto aonde estavam, as trêmulas águas salinas dificultavam a aproximação enquanto os barrancos, antes vistos pela luz lunar, se escondiam em meio à turbulência. Os primeiros ataques de retaliação vinham com saraivadas de flechas e lanças, as balastras não se firmavam e pouco se disparavam. Os guerreiros, antes parados ao centro, tomavam pontos e postos auxiliando no ataque, o birreme tomava intensidade investindo aos poucos contra o navio. — BARRANCO, SE SEGUREM! — O barco perdia alguns de seus remos enquanto o impacto jogava alguns ao mar, o navio saltava por cima das areias avançando contra o navio que respondia com mais disparos. — Seus homens são bons mesmo? — O centurião consentiu, se segurando nas escadas — Então prepare-se, vamos atacar!
O navio era acertado por mais um grande, perfurando sutilmente um lado do casco superior, porém, agora era tarde. O aríete batia na lateral do navio, cravando como a pinça de um caranguejo agarrando uma pequena tartaruga. Os arpões prendiam-se no casco do navio e a invasão dava início com um bárbaro ataque dos piratas. Os marujos pulavam para o interior da embarcação sob cobertura dos ataques de seus colegas, o pulo dava início a um combate frontal.
A embarcação inimiga estava cheia, todos marcados por uma mistura de raças, todos trajados com as vestes do sul, armados com armas roubadas e armaduras sucateadas. Os remos se levantavam como machados longos descendo sobre as cabeças, e em meio ao ataque, a entrada sutil dos legionários ao embate, o que resultaria em uma batalha longa pela intensidade, tornou-se uma ágil capitulação. Mesmo com a balestra em apoio aos atacantes, os esforços conjuntos e a maestria de ataque levaram à repentina capitulação da embarcação. Agora rendidos e com seu capitão capturado, os saqueadores ficavam amarrados com seu barco avariado e preso ao navio do Tordilho. — Miercules! — O grito do bugbear chamava seu observador da Gávea que descia com grande agilidade até o bordo do navio tomado. Ele era um mestiço de orque com uma feição muito mais ordarea do que o resto daquela tripulação. — Sim, meu capitão? O que quer? — Aponte para 10 destes homens que prestam para a batalha, o resto sabe o que fazer. — O consentimento vinha dos olhos afiados que tomavam a frente para ver todos os capturados enquanto o resto da tripulação tomava as partes do navio e dos escravos usados como remadores para suprir os danos causados. Xarles, marcado com sangue do conflito e banhado com um pouco daquele espesso líquido, olhava atento para a situação à sua frente.
— Nosso contrato dizia ser para você eliminá-los, o que vai fazer com isso? — Perdi homens nessa batalha, estou recrutando os que estão dispostos a vir ao meu lado, reparando os danos e tomando o saque. — Ele jogava na boca uma borra arroxeada enquanto a mascava — mas isso faz parte, não estamos violando o contrato... Quer um pouco de Papoula? — a negação se via pelo silêncio, enquanto o centurião franzia a feição ainda em desconforto ao ocorrido. — Espero não ter que lidar com mais desses atritos — soltar um riso pelo capitão vinha com força. — Estes mares estão infestados por pessoas como eu, aqui você não verá ovelhas, só há lobos... É provável que tenhamos mais umas duas batalhas dessas antes de chegar ao destino, isso se não houver alguns de seus amigos da marinha centuriana se preparando para nos atacar ou corsários. — Magnus guardava o resto das flores mascáveis em sua algibeira e voltava a seu navio calmamente. — Você acha que estão atrás de nós? Esse navio afundou? — O tordilho parava por um momento, pensativo como se focasse em algo exótico. —Não, eles estavam achando que vocês eram nobres ou alguma coisa do tipo. Sabe quanto custaria um resgate de um nobre? Quando se está no mar, as oportunidades são inúmeras para aqueles que desejam tê-las. Bom, esperar arrumar os danos ao navio e vamos continuar nossa viagem, aproveite para ver se algum desses fracassados te interessa e o toma para ti.
O centurião, surpreso, viu o capitão voltar ao lado do timão, focou nos prisioneiros, ainda com dúvida do que fazer. Notou que poucos pareciam habilidosos por causa da batalha, mas sabia que naquela missão teria que sempre ter uma mão extra, tomando para si dois daqueles capturados antes do navio inimigo perder suas velas e ser afundado. A viagem se manteve pela noite escura, a turbulência dos mares vinha somente com os fortes ventos. O birreme se mantinha em uma troca de velas e remadas enquanto seguia a seu destino turbulento, o revezamento era notável, e o cansaço também, alguns remos se mantinham inoperantes trocando de uso enquanto iam para sua missão. A Deusa-Lua abandonava o lugar, dando espaço à luz de Solaris, anunciando o amanhecer posterior, a tripulação dava o sinal, era hora de parar. A embarcação estava em local aberto, e suas cores escuras não o protegeriam das patrulhas navais da marinha que começavam gradualmente a sair dos portos. Eles atracaram próximo a florestas densas à espera do momento em que voltariam à sua rota. Alguns dos piratas desciam para o interior da mata enquanto o resto se mantinha a comer no navio. O hobgoblin olhou com estranheza a cena e suspirou, somente se sentando ao lado, ansioso por seu objeto.
Magnus se mantinha ao lado de seu timoneiro, que se escorava nas laterais, descansando enquanto estava atracado. — Eles são bons de briga. — O capitão observava o esguio bugbear que mordia uma maçã passada do ponto enquanto estava deitado no chão — Sim — respondia de forma séria, ainda focado na figura distante de Xarlesxius — Acha que eles vão cumprir o acordo? — Eles não vão querer que isso saia como informação, imagino que eles vão cumprir, mas vão ficar à nossa espreita para caso abrirmos a boca, eles nos matem. — O tordilho se sentava com um ar sóbrio, ainda focado, jogando no peito do piloto sua algibeira — Certo, eu sei que isso é exótico de dizer. Mas, você acha que vai ficar pior para a gente se eles vencerem a cidadela? — Ambos se encararam por um instante com um ar pensativo, mantendo-se focados como se algo fosse ocorrer, o velho bugbear passava a mão em sua pelagem clara pensativo. — Não... não. Eles vão ter descaso novamente com o mar. — Estranhando o dito, o timoneiro mexeu na algibeira, pegando um pouco das flores de papoula. — Por que pensa isso? — Há muitos reinos no oeste, muitos deles sem acesso ao mar e mesmo que ganhem muitas vitórias contra essas nações, eles vão ter cada vez mais fronteiras a proteger e, por fim, mais problemas para lidar em terra. Logo, se eles ganharem... Eles vão enfrentar mais problemas em terra do que em mar, e logo a marinha deles vai ficar mais costeira se não ficar defasada. Mas... — cruzando os braços com um ar severo — se deixarmos eles manterem essa ideia do mar como algo vantajoso... eles vão avançar mais como estão fazendo e em breve... não restará nada para nós.
O pirata se calou, vendo a seriedade de seu capitão a analisar tudo aquilo com tamanha profundidade. Tossiu, tirando aquela pouca comida que estava em sua boca, que quase o engasgara. Ele encarava o centurião — Então a ideia seria…? — Fazê-los chegar no lugar, pegar o dinheiro e se afastar desta república caso as coisas continuem dando errado. — O tordilho andou lentamente até o outro ponto da embarcação, se afastando de seu companheiro. Porém, um sino tocava em cima da gávea, os tripulantes, antes folgados e espalhados por todo o navio, se levantavam olhando para o mar à procura do que era o motivo do alerta. Magnus encarava o topo do mastro tentando entender o motivo do sinal, uma pedra roxa caía no convés com força e todos ficavam em silêncio, os legionários se aproximavam tentando entender o que estava ocorrendo, mas sem resposta. — O que significa isso? — Monstro marinho. Temos que sair daqui logo. — O Capitão batia no peito, puxando um de seus homens. — Tragam eles de volta para cá, temos que sair daqui agora. — A fala foi curta, baixa e fria, ressoando o comando direto. Os homens pularam do navio, correndo em direção à costa à procura dos exploradores. Não demorou para os puxões e gritos chamarem a atenção dos que haviam adentrado a mata, que chegavam correndo enquanto o barco se preparava para partir mais uma vez. Ao longe, a figura exótica que se fiava como fios ao longe começava a avançar em direção à costa, entrando e saindo da água como uma serpente a nadar.
O navio estendeu suas velas e deu partida, freando com os remos para os atrasados adentrarem às pressas. A corrida dava início com grande pressão, mesmo com ajuda da vela, os remadores iam em grande ferocidade tentando fugir da criatura, que cada vez mais se aproximava da embarcação. Os guerreiros tomavam lado da tripulação no esforço para fugir da besta, enquanto alguns mais habilidosos se preparavam com arpões e lanças para ferir a criatura. Do mar, ela emergiu como um golfinho a brincar, mostrando seu pescoço longo e grosso. Sua boca lembrava um bico pontudo e curvado, pronto para dilacerar, e seu tronco, que pouco saía da água, tinha espessas nadadeiras que lembravam grandes lonas de tecido com hastes grossas. A criatura rumava em direção ao birreme, fazendo um denso som de chacoalhar das ondas que quebrava. — Ele está se aproximando! — Magnus viu a besta cada vez mais próxima de seu navio, porém, em um lapso, o capitão pegou seu navio e o fez parar. — O que está fazendo!
— Parem o navio! Parem o navio! — Todos olharam para trás sem entender o comando, ainda ignorando pelo instinto de preservar a vida. Sua fala foi de intensidade de sanidade, e aos poucos se entreolharam ainda assustados — Mandei parar! Os remos pararam junto da força para subir a vela forçada pelos ventos, a besta marinha somente se aproximava, chegando perto do navio com grande agitação. Todos pegavam em armas à espera do pior, contudo, o monstro se levantou encarando a estrutura de madeira flutuante de um lado ao outro, a população esperava o ataque, o bater da criatura, porém, esta apenas contemplou e afundou no mar sem sequer se despedir. — Isso, o que você fez? — Xarlexius perguntava com grande seriedade, ainda com o coração na boca de tanto bater. — Ele achou que o barco era uma outra besta. Temos sorte de que não era uma serpente marinha.
A besta se afastou, e aos poucos o perigo também, a embarcação já estava longe da costa e agora teriam que ir antes de serem encontrados. O caminho foi ágil, as velas faziam grande parte do trabalho, enquanto os remos estavam recuados, a bordo, a cantoria começava com vigor enquanto os homens velejavam mar a fundo. As embarcações republicanas mostravam suas bandeiras, porém evitavam a aproximação pela distância da costa. A viagem se manteve estável e continua sem nenhuma intromissão de outros navios. Pela primeira vez, a viagem se mostrava calma, sendo o maior perigo as pequenas ondas que batiam contra a proa.
A movimentação se mantinha mesmo que aos poucos saíssem das protegidas águas sob jugo centuriano, entrando em terras desnudas de leis, locais onde a intriga reinava junto da pirataria e dos perigos ocultos do mar entropy. Os piratas, antes alegres e cantantes, agora se mostravam sérios. A música alta deu lugar à baixa, enquanto os remos deslizavam suavemente pelo mar em um ritmo lento como as ondas. A agitação vinha apenas dos contratantes que notavam a transformação dos disciplinados, que, como uma criança com receio de um erro, se calava na tentativa de evitar a punição. Os Legionários ficavam dispersos pelo navio, tentando ver o mar na tentativa de entender o porquê daquela ação, de longe apenas as fileiras de rochas, os barrancos e pequenas ilhas, do outro uma fina marca do que era o continente, pela distância, demoraria dias para chegar ao lugar desejado. Mas também havia embarcações, muitas destas pintadas de cores foscas, sem bandeiras, com mastros castigados pela chuva e pela batalha. Alguns ardiam em fogo enquanto outros se afastavam e aproximavam como corvos indo em busca de carniça.
— Este lugar fede a morte. — Bem-vindo ao mar Entropy, lugar dos fortes e traiçoeiros, nenhuma marinha anda sozinha neste lugar, nenhum pirata é manso e poucos corsários têm coragem de aqui navegar. Aqui é o lugar mais perigoso que há neste mar, vamos tentar passar, mas é certeza que alguém nos verá e tentará a sorte de arranjar escravos ou suprimentos. — Aqui então é o ponto que dizem ser sem regras? — Sem regras, cultura ou qualquer coisa que você chame de civilizado. Há todos os tipos de seres velejando aqui, Ordareos, elfos, povos do mar. Todos vêm aqui em busca de riqueza, os monstros aqui são pequenos, mas numerosos. Então avisa seus homens para manterem-se no barco, cair no mar é morte. — O centurião, mantendo-se com uma face séria, consentiu com o falado, olhou para seus homens fazendo um grande sinal. — Vocês o ouviram, afastem-se das bordas e se preparem para o pior. Em breve estaremos no lugar que desejamos.
O mar finalmente ocupava sua posição de direito, a ordem estabelecida pela terra havia desaparecido; agora, o mar se regia por suas águas e ventos. A única exigência em troca era um sacrifício: o sangue que seria derramado para nutrir seus súditos marinhos. As águas deixaram de ter um senhor, e a navegação por aquelas paragens era uma condenação antecipada. O navio abandonou o conforto e a segurança, lançando-se em busca de um destino incerto. À medida que penetrava naquele ambiente, os primeiros sinais começaram a se manifestar: grandes cardumes nadavam próximos às embarcações, desprovidos de temor diante das lanças e redes. Abaixo deles, corais vibrantes em exuberantes tonalidades e algas verdejantes apropriavam-se dos náufragos, transformando-os em sua imensa moradia. Cargas boiavam pelo mar em direção à costa, outras afundavam junto de seus transportadores, ali era o lugar da riqueza, o ouro brilhava em meio às vividas cores acompanhando as ossadas de seus antigos donos.
As lufadas de vento rufavam, jogando o navio para o meio, enquanto os outros espreitavam como lobos. — Pensei que em um mar onde não havia estado fosse mais barulhento — As pessoas daqui são cautelosas, não há espaço para erro. Se você vacilar, o que está atrás de ti vai lhe comer da pior forma possível. Nunca espere bondade, da mesma forma, fique de olho.
A embarcação passava, enquanto um navio começava a se aproximar. Xarles, vendo a ameaça iminente, puxava seus homens para próximo em direção do choque, todos sacando suas armas prontos para o embate. A guarda estava alta enquanto os piratas, vendo o que vinha, gritaram pelos remos que iniciavam com toda força braçal. Os ventos oscilantes desaceleravam ambos os birremes em um curto sinal. O capitão sentia os ventos pararem e, gritando para a sua tripulação, deu as ordens. — Vamos fugir, homens, essa batalha não é nossa! Remem! Remem! — O bater dos remos agitava e chamava mais a atenção, a fuga trazia a curiosidade e dessas mais embarcações começavam a se aproximar, um dos navios já próximo era recebido pelas fundas e flechas dos legionários. Isso não afastou o primeiro ofensor, mas sim o chamou, dando início a uma troca de setas e saraivadas entre ambos os barcos. — Usem nossa arma! Vamos afugentar esses maníacos antes que eles nos parem! — As ordens do centurião eram claras, um dos seus soldados levantou uma grande bomba, acendeu seu pavio e a arremessou contra outro navio, no choque a bomba explodia levantando uma densa fumaça amarelada junto da chama, que tomava a lateral do birreme, os atacantes desviaram o curso ainda em disparo tentando se afastar enquanto as chamas queimavam o casco sem penar. O capitão arregalou os olhos vendo a destruição do outro barco pirata, encarando o centurião — Desde quando carregas este demônio contigo? — Desde quando entrei no seu navio. Acho que eu seria tolo de não me precaver? — Eles se encararam por um momento, — Mantenham o ritmo, homens, vamos aproveitar a distração para partir daqui.
Não tardou para que o barco, em chamas, fosse atacado por todos os lados. Um navio se aproximava tentando a sorte, enquanto criaturas marinhas se alimentavam dos desesperados que se lançavam ao mar. Alguns eram lançados para cima como sacos vazios pelas criaturas antes de serem dilacerados, e alguns, fugindo, se dirigiam até perto da costa. Xarlexius se aproximava do timoneiro e do capitão que se mantinham focados na popa.
— Demora quanto para chegarmos até o destino? — Magnus o encarou sutilmente — Vamos demorar um dia, isso se não formos atacados no meio do caminho… — Ele encarou o horizonte enquanto a luz forte crescia, voltou seu olhar ao centurião. — Se tivermos sorte, você estará em seu destino hoje. — O centurião consentiu, voltando para a parte baixa do navio, enquanto ambos ficavam a sós mais uma vez. O timoneiro olhava de canto para seu líder, suspirando. — Vamos mesmo para a borda do continente? — Vamos. Por que a pergunta? — Acho que não voltaremos — o tordilho encarou-o por um instante, negando silenciosamente — Você pensa demais, vamos terminar isso e pegar a riqueza, está na hora de sairmos deste mar antes que ele nos engula… bom, continue, temos muito ainda a fazer. — O piloto concordou, continuando a velejar…
O mar continuou, a tripulação manteve-se atenta à peregrinação por aquelas águas que escondiam os mistérios enquanto a costa parecia cada vez mais próxima e distante ao mesmo tempo. Seguir aquele caminho foi uma dúvida difícil de se entender, a embarcação havia ido às bordas do continente, porém, ela jamais havia retornado às costas republicanas. Pouco se sabia do que ocorreu, se os piratas se uniram aos guerreiros, foram traídos ou os emboscaram em uma traição final, nada se tinha certeza, nem mesmo o destino de Xarlexius ou de Magnus… A única coisa que se sabia é que os mares anunciavam algo, uma mudança repentina que estava prestes a modificar tudo que antes se mantinha na estagnação. A guerra pairava novamente, e dessa vez era tudo ou nada.