Minha mente me arrastava para longe, remando para trás no tempo, na esperança vã de acalmar a dor. Preocupo-me; não seria o presente um fardo impossível de carregar? Fico presa—enredada—em lembranças que me envolvem, como se, ao fechar os olhos, o passado pudesse ser real outra vez. Já se passaram horas desde aquela ligação que partiu minha rotina ao meio; apenas chorava, olhos microscópicos e inchados, cabeça pesada com o fardo da ausência. Nem sono, nem fome. Apenas o desejo de habitar o tempo de antes—como se ali, de algum modo, minha avó ainda respirasse entre nós.
Quando chegou ao celular a foto do velório—inesperada, definitiva—, a realidade me atravessou sem piedade: aquilo realmente estava acontecendo. Vi na imagem sorrisos alheios, no canto esquerdo da foto uma mesa com chá e biscoitos de coco. E então, como quem abre uma janela adormecida, minha memória saltou, silenciosa, invadindo a sala vazia do presente, me levando de novo aquela manhã da infância: o cheiro adocicado do café de vovó, o sofá antigo rangendo sob nossos corpos miúdos, o calor das conversas misturado ao sabor do biscoito de coco—cada detalhe cintilando, vívido, enquanto a voz dela costurava tempo e memória em mim, laço invisível, persistente.
Entre goles de café e conversa animada:
— O trator consertou a estrada! — avisava Estevinho, empolgado. — Eu vi! A estrada tá lisinha! — A gente vai explorar, né? — Sim, vamos!
— Vocês já vão aprontar, né? — ralhou vovó, aquele olhar de quem enxerga por dentro. — Não vão muito longe nessas estradas, não. Sabem que podem encontrar de tudo por aí!
Fingimos silêncio, mas os planos já germinavam. Vovó se perdia nos afazeres da casa pequena, e nós escapamos cheios de urgência. Maria subiu numa bicicleta grande de painho, Estevinho ficou com a dele. Subimos a ladeira—os cinco, livres, embalados pela estrada renovada e pelo cheiro da terra fresca, prontos para desafiar qualquer distância da infância.
Já caí algumas vezes, trouxe uma cicatriz na pele e outra no orgulho, mas nada tirava de nós o prazer de pedalar no barro vermelho. Entre a gente, havia uma regra simples e indiscutível: se um conseguia, todos tinham que conseguir também. Maria pedalava de um lado, Estevinho de outro, os caminhos se cruzavam rápido na baixada. Num impulso, gritei: — Bateu!
As bicicletas se encontraram de frente, em pleno voo, e o tombo foi inevitável. — Morreu! — gritou Patrícia em susto e drama infalível. As bicicletas foram parar longe, Maria e Estevinho tombaram, poeira e susto no ar. Corremos a ver, o barulho ainda ecoando nos ouvidos.
Maria se ergueu do mato, olhos arregalados e braços trêmulos de dor e susto. — Me ajuda, — pediu com a voz miúda, lutando contra o choro, tentando resgatar a bicicleta de painho que agora era só amassado e desalinho.
Estevinho, retorcendo-se de dor, sumiu ladeira abaixo. Ficamos com Maria, que forçava o guidão sem jeito, o medo e a vergonha colados na pele. Chegamos em casa em silêncio. Trouxemos não só as bicicletas tortas, mas as perguntas sem respostas.
— E agora? Não conta pra painho, meninas! O que a gente faz? O silêncio reinou, interrompido apenas pelos dedos ansiosos de Maria no guidão torto e pelo gesto nervoso de Estevinho coçando a cabeça.
Não demorou para rirmos, eu, Patrícia e Deise, sufocando o nervosismo na gargalhada da infância. Logo Estevinho voltou, decidido: — Resolvi o problema. Amassei um toco. Vou dizer para painho que caí da bicicleta dele, já que uma parte da base estava empenada.
Aliviados com a engenhosidade da nossa desculpa, rimos mais forte, as vozes ecoando pela casa, até que por um instante, tudo parecia novamente leve—como só pode ser na infância.