It was.
It was raining.
It was raining when we first met.
Raining like crazy.
I was curious about him. I was curious about that man in front of me. His strange socks and shoes. I was intrigued by his look too. It was raining. It was raining when we first met. A chuva começava devagar, preguiçosa. Then it was like the world could end. Eu não tinha um guarda-chuva, tudo o que eu tinha eram algumas memórias, nas quais me afoguei.
Um vento forte dobrava os galhos dos coqueiros, derrubava outros galhos, arrasando casas, carros e bicicletas. As buzinas do trânsito soavam exigentes, ríspidas. Transeuntes agitados procuravam abrigo, nesse cenário externo, mas próximo. Presa ali, no saguão do prédio, eu avaliava a situação caótica que me esperava do lado de fora. Muita gente já se acumulava ao meu redor, todos analisando as mesmas possibilidades, esperando uma brecha para escapar.
Foi assim que, chocados, todos nós acompanhamos a entrada violenta de um motoqueiro irresponsável. Ele cruzou o trânsito num piscar de olhos, cometendo infrações diversas. Quase atropelou duas pessoas que tentavam desesperadamente controlar seus guarda-chuvas, subiu a calçada e parou bem em frente à porta que encarávamos hesitantes. E quando percebemos, já desligava sua motocicleta gigante na entrada, obstruindo a passagem que ainda não havíamos decidido se utilizaríamos. Grosseiro, alguns ao meu lado acusam. Outros, levantando o tom de acusação e reprovação, lançam palavrões em sua direção. Mas ele não pôde ouvir nada disso do lado de fora.
A mente humana é realmente interessante, antes da chegada do motoqueiro mal-educado, nenhum de nós estava realmente disposto a arriscar-se pelo temporal, mas foi só a porta ser obstruída que uma vontade inexplicável de sair impeliu parte do grupo a exigir passagem. O motoqueiro ignorou a exigência inicialmente, mas então desceu daquele trambolho enorme, deu a volta e ficou ao seu lado, encarando-nos pelo vidro. O grupo do lado de dentro deteve-se por um momento. O homem de preto do lado de fora parecia enorme, assim como sua motocicleta. Embora seus gestos parecessem calmos, algo me dizia que nada de bom sairia daquele pequeno confronto.
Tive ainda mais certeza disso quando ele retirou o capacete, segurando-o firmemente na mão direita. Enquanto parte do grupo recuava um passo, outra parte retomava os xingamentos e demonstrações de indignação. E eu ali, analisando o rosto agora descoberto, o cabelo molhado grudado ao pescoço e à testa dele, e um sorriso estranho que me deixou com medo. Do lado de fora, ele recuou um passo. Eu recuei outro do lado de dentro.
Como se antecipasse, por um milésimo de segundo, o que aconteceria, eu protegi meu rosto. Foi bem no momento em que ele ergueu a mão com o capacete e atirou-o violentamente contra a parede de vidro. Ouvi gritos e correria, alguns esbarraram em mim, cujo corpo atrapalhava sua fuga, ouvi outros xingamentos, a cólera exalando pela linguagem. Abri os olhos, no susto. Um grupo de homens empurrava a porta, numa tentativa de derrubar a motocicleta que atrapalhava o caminho. Algumas mães protegiam suas crianças, meros visitantes, lugar errado, hora errada. Pessoas iradas encaravam o estranho, que apanhava seu capacete danificado no chão. Ele estudava calmamente os danos causados ao objeto. Em seguida, ignorando as pessoas furiosas dentro do prédio, percorreu sua mão esquerda pelo ponto da parede atingida por seu capacete, avaliava o estrago. Tinha uma expressão intrigada. Então, quando pareceu satisfeito com o que havia feito, ergueu o indicador direito para o grupo que tentava abrir a porta, como se pedisse um instante, colocou novamente seu capacete, agora arruinado, viseira quebrada, arranhões por toda parte, subiu em sua motocicleta, acelerou com fúria e partiu. A chuva ainda caía violentamente do lado de fora.
Quando a confusão passou, eu fui para casa. Consegui escapar do pandemônio todo: depoimentos, boletim de ocorrência policial, interrogatório dos meus superiores no ministério. Fazia poucos meses que eu havia sido transferida para aquela unidade, eu não queria me envolver em nada daquilo, eu não queria perder outra noite de sono, a troco de nada. Talvez no dia seguinte fosse questionada pelos meus colegas, talvez fosse criticada por não ter ficado com eles para dar apoio durante todo o processo, sei que alguns deles me viram no saguão momentos antes do motoqueiro louco aparecer, mas a opinião deles não me importava muito. Se eu pudesse ter mais algumas horas de sono, nada importava.
Tive um pesadelo naquela noite: o capacete quebrava o vidro e me alcançava diretamente no rosto. Então um homem muito maior e mais forte que eu caminhava na minha direção, estilhaçando os cacos de vidro no chão com suas botinas enormes. Ele caminhava lentamente em minha direção, caída ali, o que eu podia ver claramente era apenas botinas pretas aproximarem. Então as cenas mudavam, eu ouvia o som dos meus próprios sapatos num corredor deserto, usava scarpins vermelhos. Mas os saltos se partiam em algum momento, e outra vez eu me encontrava no chão.
A cena mudava de novo, eu ainda estava no chão, porém, era uma versão de mim quando criança, esperava meus pais terminarem mais uma briga, tentava tampar os ouvidos com minhas mãos pequenas. Ainda assim, podia ouvir os trovões estrondosos e meus olhos fechados não faziam desaparecer os relâmpagos assustadores que iluminavam o cômodo após a queda de energia. Luzes piscavam, vozes feriam. O mundo parecia prestes a acabar. Eu torcia para que acabasse.
Geralmente, as brigas dos meus pais eram verbais, mas tão enfurecidas que eu ficava esperando o momento em que partiriam para a agressão física. Então, mãos rígidas se fecham em torno dos meus braços. É o meu pai, falando que vou passar uma semana na casa dele, com a família dele, porque a minha mãe tem um novo namorado e não me quer. Ela corre em nossa direção, acusando meu pai de um monte de coisas que não entendo muito bem. Suas figuras são monstruosas, assim como as sombras que projetavam na parede. Já estou acostumada com isso, mas ainda sinto muito medo.
Eu fui um erro na vida deles, uma gravidez não desejada, assustou a todos, meu pai e sua esposa traída, seus dois filhos, minha mãe e o marido que a deixou, minha irmã mais velha cujo pai eu espantei com minha existência, meus avós, tios e tias, paternos e maternos. Enfim, fui um problema imenso na vida deles, um problema que precisavam resolver constantemente, um problema para as duas famílias. Um problema aparentemente sem solução.
Acordei assustada, tomei um pouco de água e tentei dormir novamente, mas o sono evaporou, como fazia constantemente agora. Caminhei até a sacada do meu pequeno apartamento e fiquei admirando a cidade noturna. Essas luzes sempre me encantaram, eu preferia a noite. Durante o dia há sempre muita gente para lidar, com quem sou obrigada a conversar e até mesmo sorrir, mas as noites geralmente são calmas. Uma chuva fina começa a cair, meu relógio de cabeceira mostra que tenho menos de três horas para dormir, se eu puder encontrar meu sono de novo.
Apesar de uma vida muito triste, eu estava feliz agora. Tinha um bom emprego, tinha meu próprio espaço para viver, ganhava o suficiente para me permitir alguns pequenos luxos. Podia comprar roupas e sapatos bonitos, podia viajar de vez em quando, podia comer num restaurante bom, podia pagar bons vinhos. Acima de tudo, não preciso ver nenhum deles mais, ganhei minha liberdade. Essa vida é muito mais do que imaginei que pudesse ter um dia, é boa. Esses pequenos privilégios me deixavam feliz, são quase um milagre quando examino minha vida em retrospectiva.