Antylaco, 24 de novembro de 2345
As terras de Antylaco são frias.
Não congelam apenas o corpo, congelam a alma.
E quando a frieza atinge a sua alma, sua identidade é perdida.
Eu caminho sozinho sobre o solo gélido.
Há séculos, este reino sobrevive como pode, mas agora apodrece
por dentro. Os valores foram corrompidos, virados do avesso, como espelhos trincados.
Até os que buscam a bondade acabam se tornando os monstros dos contos infantis.
— O que é isso? — minha voz saiu sozinha.
Vi um cartaz colado no portão torto de uma cerca. Meu rosto com
uma recompensa.
Não é todo dia que você descobre ser o vilão da sua própria
lenda.
Eu quebraria as costelas de quem pregou isso.
Quanto falta para o
Natal?
Novembro já me envolve com sussurros de dever.
A velhice me trouxe muitos anos de sabedoria, e com ela, dor.
Os tormentos do meu passado não cessam.
Eles escorrem como lágrimas, frias, finas, persistentes.
O tempo é uma maldição que corrói a mente em silêncio.
A dúvida, o fardo, a condenação.
Mas nada disso basta para destruir quem eu sou.
Ainda há crianças esperando por um milagre.
E a lenda...
A lenda não pode
morrer.
*
Estou carregando um enorme saco de presentes no alto de uma
colina, na entrada da Floresta do Fim, um local perigoso e proibido.
Deveria encontrar um soldado dos Knighters, mas no lugar, havia um cartaz com meu nome.
Minha intuição não era boa.
O som do vento, a neve caindo, o frio, tudo isso já fazia parte
desta região. Mas havia algo diferente no ar. Algo além dos flocos. Algo denso.
Então eu ouvi.
PLOF. PLOF.
Passos. Distantes, maliciosos.
A temporada de travessuras havia acabado. Não estou aqui pra
brincadeiras.
Ergui a voz, firme:
— Quem mandou vocês?
Os passos pararam.
— Não esperava uma audição tão boa de um idoso, hehe — disse
uma voz esdrúxula, zombeteira.
— Quantos são? — perguntei, sem mudar o tom.
— O suficiente pra derrubar um velho e ganhar uma boa
recompensa.
Aos poucos, eles surgiram entre os flocos.
Cinco.
Caçadores de recompensa.
Olhares agressivos.
Eu busco o caminho correto, o caminho da paz, mas...
Esta noite não terminará sem derramamento de sangue.
— Vocês têm ideia do que eu sou? — perguntei.
— Você é só uma lenda esquecida.
Eu ri. Baixo, rouco.
— Ho ho ho... Eu
sou o Papai Noel.