O Último PrÃncipe na Terra de Gigantes/O RuÃdo da RuÃna
A noite caÃa sobre a cidade de uma forma incomum. O silêncio não era o mesmo de sempre. Não era apenas o silêncio das ruas vazias, dos telhados encharcados pelo orvalho da madrugada ou do vento passando entre os corredores de pedra. Era um silêncio que parecia vivo, como se algo estivesse esperando, suspenso entre o real e o desconhecido.
Harauto sentia esse peso no ar. O frio da noite o incomodava mas, havia algo mais, algo invisÃvel que pressionava sua pele, uma corrente de energia latente que fazia os pelos de sua nuca se arrepiarem. Ele caminhava lentamente pelos corredores do palácio, seus passos ressoando sobre o chão de madeira escura. O quimono, normalmente confortável, parecia apertado contra seu corpo, como se o próprio tecido retorcesse a tensão do momento.
Ao respirar, o cheiro no ar parecia diferente. Havia um traço metálico nele, um odor sutil de ferrugem, como se algo estivesse corroendo a própria atmosfera.
O conselheiro inclinou a cabeça respeitosamente quando Harauto se aproximou.
— Mais mensageiros chegaram, Alteza.
Harauto não respondeu de imediato. Seu olhar se voltou para os pergaminhos empilhados sobre a mesa. O selo vermelho nos rolos de papel era um presságio. Urgência. Algo grave o suficiente para que a tinta mal tivesse secado antes de ser lacrado.
Com um movimento preciso, ele pegou o primeiro pergaminho e quebrou o lacre de cera. Os caracteres eram firmes, escritos apressadamente, mas sem tremores — um sinal de que quem os escrevera sabia da gravidade da situação, mas não estava em pânico. Ainda não.
O prÃncipe passou os olhos sobre as palavras mais uma vez. O vento não obedecia mais à s direções. Os astros se movem por conta própria. O que isso significava?
Harauto ergueu os olhos para o conselheiro. A luz da vela dançava em seu rosto, fazendo parecer que suas rugas estavam ainda mais profundas, como rachaduras em pedra antiga.
As palavras de Takamori não eram exageradas. Elas eram uma constatação.
Harauto virou-se e caminhou em direção à sacada do palácio. A madeira do chão parecia ranger de maneira diferente, como se estivesse cedendo sob uma força invisÃvel.
Quando chegou ao parapeito de pedra, respirou fundo. O vento que vinha da cidade estava carregado com algo diferente, algo indefinÃvel. E então… ele viu.
As estrelas estavam se movendo.
Não como nos antigos mapas astronômicos, não como um alinhamento planetário ou uma mudança sazonal. Elas tremulavam, piscavam, e então… desapareciam.
Algumas sumiam por um instante e voltavam. Outras… simplesmente apagavam.
Porque algo dentro dele dizia que aquilo era só o começo.
Algumas horas se passaram mas aurora nascente não trouxe calmaria.
Harauto já estava desperto antes do sol surgir, sentado no dojo, observando os guerreiros imperiais praticarem seus katas com precisão calculada. Os movimentos eram controlados, ritmados como o pulso da própria tradição. O ar cheirava o incenso suave que queimava em um altar discreto no canto do dojo.
O silêncio era profundo, quebrado apenas pelo deslizar das armas de treino cortando o ar.
O palácio inteiro balançou. Lanternas de óleo explodiram contra o chão, espalhando chamas que galopavam pelos corredores. O som de madeira se torcendo e rachando ecoou por toda a estrutura.
Um arrepio subiu por sua espinha. Ele sentiu, mesmo sem entender, que aquilo não era um fenômeno natural.
E então, Takamori apareceu.
O velho conselheiro correu pelo pátio como se tivesse visto algo que não poderia ser descrito em palavras. Ele segurava um pergaminho, mas seus olhos arregalados diziam mais do que qualquer mensagem lacrada.
— Os monges dizem que os templos estão desmoronando! — sua voz falhou por um instante. — As montanhas ao norte… estão se partindo!
Harauto abriu a boca para responder, mas não teve tempo.
As nuvens estavam desaparecendo, como se fossem sugadas. Estrondo!
Não era um trovão. Não era um som natural. Pelo menos não da natureza que conhecia.
Era algo profundo, denso, como o próprio coração do planeta sendo arrancado do peito.
Takamori se aproximou novamente, após ter levantado algumas crianças e as entregue para a mãe, mais desesperada que os pequenos. Apontou para o oeste, os lábios trêmulos.
— Meu senhor… aquilo…
Harauto seguiu o olhar do conselheiro.
E o que viu destruiu qualquer certeza que ele ainda pudesse ter sobre o mundo.
O mar estava se erguendo.
Mas não como uma onda.
O oceano inteiro estava sendo puxado para cima, como se um lençol lÃquido estivesse sendo erguido por mãos invisÃveis.
E debaixo dele, o chão se partia em fendas enormes, abrindo-se como o ventre de uma besta dissecada.
Os rios refluÃram em direções impossÃveis e misturadas.
O par parecia ficar cada vez mais rarefeito, causando dificuldade par respirar.
Algo estava puxando a Terra para longe de si mesma, partindo-a em pedaços.
O tempo parecia prender-se em um instante.
Harauto compreendeu, tarde demais, que já não havia retorno.
Ele virou-se para Takamori.
— Temos que fazer algo por eles! — Apontando para o caos que se fazia entre seu povo.
Mas foi tarde demais.
O quarto tremor veio como uma explosão nuclear, cegando o mundo.