Francesa. Foi a primeira informação que soube dela. Espera; mentira. A primeira informação que eu soube era que ela era mãe. A mãe da Amanda, amiguinha da minha filha na escola.
Camille. No início, eu mal a via. Como tinha que estar às 8h no trabalho, eu sempre era uma das primeiras a deixar a Laura na escola. Mas o Rodrigo a via quase todos os dias. Chegavam para buscar as crianças no mesmo horário. As crianças ainda brincavam um pouco no parquinho antes que cada um seguisse seu rumo.
É claro que eu não enxergava, na época, nada de estranho nisso. Mas de repente o Rodrigo passou a me fornecer informações a respeito da Camille de forma gratuita. Sim, gratuita, porque eu não perguntava nada sobre ela, não havia interesse algum. Inclusive, confesso que minha primeira impressão era de uma moça tímida e sem graça.
Então ele comentava sobre o pai da Amanda. Dizia que eles tinham e não tinham um relacionamento. Que ele só ficava na casa dela aos finais de semana. Que ele era um bruto. Que a Camille não tinha rede de apoio. Que ela não tinha ninguém. Que talvez a mãe dela um dia viesse morar com ela.
E então ele passou a falar que a Camille tinha enviado um vídeo no whatsapp da Amanda fazendo estripulias. E então, percebi, que eles se falavam bastante por whatsapp. E eis que um dia ele comentou que a considerava uma amiga.
Aquele era o primeiro sinal de alerta. Desde sempre o Rodrigo me falava que não acreditava em uma amizade entre homem e mulher. Segundo ele, um homem sempre tinha segundas intenções. Ou, ao menos, caso surgisse uma oportunidade, o homem certamente tentaria beijar a amiga mulher. Homens são assim, ele dizia. “Até mesmo os gays. Não dá para confiar.” E até por esse pensamento dele que eu sei que ele não curtia muito meus amigos homens.
Portanto, quando ele disse que a Camille era sua amiga, eu fiquei com o pé atrás. Não era bem ciúme. Eu não tenho problema algum em reconhecer quando sinto ciúme, diga-se de passagem. Mas era uma desconfiança de que eu estava sendo passada para trás, sabe? Uma sensação de: “É sério que você quer me fazer de trouxa?”
Claro que eu não tinha como provar que tinha algo ali e tampouco barrar uma amizade. Logo eu, que sempre fui contra qualquer sinal de possessividade. O jeito foi “deixar rolar” e ver no que ia dar.
Até que um dia, sem mais nem menos, ele disse que queria sair um pouco, encontrar uns amigos. Em quase 15 anos juntos ele nunca fez isso. É o cara mais “caseiro” que eu já conheci. Mas sei o quanto nossa filha pode nos enlouquecer e fazer a gente querer sair correndo de vez em quando. Ah, sim, apesar de ser filha única, ela está definitivamente na fase do “terrible two”.
Dei a maior força para que ele saísse. Achei super justo ele tirar um tempo para espairecer longe de casa. É terapêutico. Eu adoro sair com minhas amigas também, embora isso aconteça raríssimas vezes, justamente por me sentir culpada em sair e deixá-lo sozinho com a Laurinha. Se ele pegasse o hábito de sair com os amigos, eu também poderia retomar as saídas com as minhas amigas sem peso na consciência e isso seria, sem dúvida, benéfico para ambos.
No entanto, no último minuto os amigos teriam desistido do encontro e, então, ele questionou se poderia ir beber na casa da Camille. Ele me colocou em uma posição em que eu não poderia negar, o que me pareceu extremamente estratégico e até me fez refletir se a história de beber com os amigos seria uma história fadada a não acontecer mesmo (para que ele pudesse tirar esse plano “B” da manga, entende?).
Ele saiu assim que ela o avisou que a Amanda havia dormido. Saiu me dando um beijo e dizendo que ia deixar o celular com som, para que pudesse ver logo qualquer mensagem minha. E quando mandei uma mensagem de madrugada, porque sim, ele ficou horas lá e só voltou de madrugada, e ele demorou mais de dez minutos para responder, fiquei angustiada.
Tentei de todas as formas pegar no sono, porque sabia que o cansaço seria cruel no dia seguinte. A Laurinha dormia profundamente, mas eu estava com o coração acelerado, virando de um lado para o outro e verificando a cada um minuto se havia alguma mensagem no celular.
Quando ele finalmente chegou, ainda tentou vir com graça. Insistiu que eu fosse dormir na cama com ele. Minha intenção era não falar nada, mas diante de tanta cara-de-pau, não me contive. Quando dei por mim, perguntei: “Você tá afim dela?”
Não esperava que ele admitisse. Homens não costumam admitir. E não sei se eu senti alívio, pois provava que não era doida, já que ele realmente estava me sacaneando, ou se fiquei com medo dele ter me contado para justificar qualquer ato que pudesse ter acontecido ou que ainda poderia acontecer.
Fiz de tudo para ele se sentir um lixo. Afinal, sendo casado, se ele nutria algum sentimento por ela, isso era mais do que motivo para ele se afastar dela e não o contrário. Ele estava esperando a oportunidade para me trair? Que merda era essa?
Fiquei uns dois dias mal, bem mal mesmo. Me sentia traída e enganada, ainda que o Rodrigo jurasse não ter feito nada. Fiquei com mais raiva ainda, pois três meses antes nós nos casamos no civil, porque para ele era importante esse registro, mesmo estando juntos há tantos anos.
Ele disse que tentaria se afastar dela, mas que, inevitavelmente, acabariam se encontrando na saída da escola. Eu sabia disso. Não dava simplesmente para ele apagar o contato dela e seguirmos nossas vidas como se nada tivesse acontecido. Ele a veria dia após dia e essa quase “proibição” de não manter contato querendo manter, talvez só fosse mais combustível para aumentar o desejo reprimido.
Afinal, pensa comigo: às vezes, quando a gente finalmente fica com alguém que nos sentimos atraídos, é maravilhoso e supera nossas expectativas e só o que queremos é mais e mais (até que nos enjoamos e partirmos para a próxima ou vira um relacionamento sério). Mas muitas vezes também é decepcionante e, ao deixar de ser novidade, perdemos rapidamente o interesse. Agora, veja: o não ficar, o amor platônico, esse resiste uma eternidade. E a única certeza que eu tinha era que não queria esse fantasma para sempre ao nosso lado.
E foi seguindo esse raciocínio que eu tive a ideia mais maluca de todas: propor um ménage. Porque aí eu participaria e, ao menos, não seria “passada para trás” e, sei lá, por fazermos juntos, o vínculo maior ainda ia ser comigo e não com ela. Talvez abrisse portas para tentarmos entrar nesse mundo de troca de casais, ou qualquer coisa assim, e ela realmente acabasse ficando esquecida, pois estaríamos em busca de novidades. Nossa relação ficaria mais apimentada, nada convencional, e tudo poderia ser bem interessante e prazeroso.
A simples ideia de ir para a cama conosco, fez com que ele ficasse tão entusiasmado que isso o deixou mais tarado do que o normal. A todo o momento ele tentava se esfregar em mim e passamos a fazer muito mais sexo do que o habitual (e olha que a gente costumava ter uma frequência boa).
Claro que para a fantasia virar realidade, não bastava apenas nós dois estarmos dispostos. Teríamos que conseguir cativar a terceira parte. E isso era tão… absurdo. Porque já não é um tipo de sexo que muitas mulheres têm vontade de experimentar. Pensar que ela, que tem uma filha pequena e está meio que comprometida com o pai da menina, toparia algo assim, era loucura demais. Fantasioso em um nível que sei lá se meu inconsciente surgiu com essa ideia justamente por ser complexa demais de ser executada.
De qualquer modo, com ou sem sexo, uma coisa era certa: eu precisava ter o controle da situação. Detesto não ter. Então, no mínimo, eu precisava me aproximar daquela mulher.
O primeiro passo era o mais óbvio: seguir nas redes sociais. Depois conseguir um pretexto para pegar o número do whatsapp. Não demorou muito e estávamos conversando. Confesso que não imaginava que ela seria tão interessante.
Claro que eu sabia que algo nela tinha despertado o interesse nele e, de imediato, eu não saberia dizer o que era. Ela parecia um tanto recatada e não parecia ser fã das coisas que ele gostava para que tivessem algo em comum. Mas talvez eu estivesse errada e ela amasse futebol, como ele. Talvez fosse do mesmo time? Ou quem sabe, fosse fã de heavy metal também. Tudo parecia improvável. O que será que poderiam ter em comum?
Inclusive, vale ressaltar, que na página de perfil dela o que aparecia era alguém que tinha mais a ver comigo do que com ele. Uma pessoa com convicções políticas. Uma mãe que luta, que se importa com o futuro do mundo.
Eu não sabia nem que ela estudava. Achei que ela era uma dona de casa que ganhava pensão e, coitada, aceitava as migalhas da vida. Do jeito que o Rodrigo falava, parecia que ela só estava com o pai da Amanda aos finais de semana, e que aceitava assim, porque não queria ficar sozinha para cuidar da menina, mas que nem havia afeto, nem nada. Imaginava a vida dela sem graça e ela sendo a típica mulher submissa.
Foi um tanto surpreendente saber que ela estudava, trabalhava e tinha uma percepção mais ampla do mundo. Inclusive, seu trabalho consistia em preservar outras culturas, o que era bem nobre e notável.
Genuinamente me senti atraída. Não ainda no sentido sexual, mas em querer conhecer mais daquela pessoa. Era intrigante, justamente por ela não ser quem eu imaginava.
Decidi que no dia que o Rodrigo finalmente resolvesse sair com os amigos, eu a chamaria para tomar um vinho no nosso apê. Assim eu saberia com quem estava lidando e, talvez, como bônus, ainda teria uma conversa agradável.
Demorou muito para isso acontecer. Ou pelo menos mais do que eu gostaria que demorasse. Claro que eu não disse ao Rodrigo que a chamaria. Senão ele ia desistir de sair com os amigos e ia ficar conosco. Ao menos calhou dele programar a saideira com os amigos em uma quarta-feira, sendo que quinta era o meu dia de home office.
Foi aí que a nossa história começou.