Era uma vez uma floresta próxima às fazendas dos agricultores, onde existia um reino habitado por animais de todas as espécies. Esse reino era governado pelo rato.
Naquele lugar, os bichos levavam suas vidas em uma harmonia rara, difícil de se encontrar em qualquer habitat. Como em todos os reinos, existiam limites. Um deles era claro: nenhum animal podia cruzar as fronteiras do reino em direção às plantações humanas, nem por curiosidade, nem por brincadeira. Isso porque o risco de cair nas armadilhas deixadas pelos fazendeiros era alto demais.
Certo dia, enquanto se preparava para colher bananas, o macaco se lembrou do amigo tatu, sumido há alguns dias. Já tinha perguntado ao rei várias vezes sobre o paradeiro do companheiro, mas só recebeu como resposta que o tatu havia partido, talvez para viver em outro lugar.
Mesmo sem acreditar que o melhor amigo havia partido sem avisar, preferiu confiar na palavra do monarca. Afinal, por que ele mentiria? Também não queria fazer um escândalo, como a família do papagaio cantor. Esse havia voado para longe e deixado todos preocupados.
Essa ausência do amigo o deixou muito triste. Quando ficava assim, comia mais bananas do que aguentava, e sua despensa vivia quase sempre vazia. Apesar da regra do rei, que alertava os animais sobre os perigos de se aproximar das plantações dos fazendeiros, ele adorava as bananas do seu Zé. Esse era o pior dos fazendeiros, odiava os bichos, especialmente os macacos.
No entanto, isso não o impediria de ir buscar bananas naquele lugar. Embora não fosse frequente, às vezes o macaco voltava daquelas terras com algumas. Sem medo, pegou sua bolsinha e partiu em direção à fazenda.
No caminho, encontrou a lebre, que corria de um lado para o outro, como de costume.
— Oi, lebre! — pulou o macaco, todo animado.
Ela mal teve tempo de responder, pois o macaco, com sua impulsividade, a convidou para brincar de pique-cola. A lebre topou na mesma hora, já que correr era com ela mesma.
Os dois amigos passaram horas rindo e brincando entre as árvores. A diversão era tanta que o macaco até se esqueceu de buscar as bananas.
Até que, de repente, ele arregalou os olhos e soltou um alto “Uh-uh-uh!”.
— Caramba, as bananas!
— Bananas? — a lebre perguntou, inclinando a cabeça, intrigada.
— Esqueci completamente! Tinha que ir pegar bananas lá na fazenda do seu Zé, as minhas estão acabando — comentou inocentemente, coçando a cabeça.
Só foi ouvir falar no seu Zé, a lebre logo arregalou os olhos.
— Você está doido! Aquele velho odeia que mexam nas frutas dele, ainda mais… macacos!
— Fica tranquila. Eu também sou rápido, só vou pegar algumas bananas e sair correndo. Nem vai dar tempo dele me ver. — falou, rindo.
A lebre ainda tentou alertar o amigo, mas foi em vão. sem outra escolha, seguiu em frente, pulando entre os arbustos. Já perto de casa, foi surpreendida pela raposa, que surgiu do nada bem diante dela.
— Raposa! Quase me fez sair correndo de susto! — disse a lebre, em um tom de espanto.
Na floresta, a regra era clara: bicho não come bicho. Ordem do rei.
— Perdão pelo susto. Estava em busca de algumas ervas, para preparar uma sopa… de cogumelos — a raposa respondeu, com um sorriso.
As duas começaram a conversar, colocando o papo em dia. Falaram da última reunião do rei, da partida de alguns amigos animais que foram embora sem avisar, e muitos outros assuntos. Até que a lebre, como quem não quer nada, acabou comentando sobre o macaco ter ido colher bananas nas terras do seu Zé.
A raposa arregalou os olhos e soltou um som seco e agudo, meio entre um estalo e um rosnado abafado, o que fez a lebre se encolher, intrigada com a reação.
— Será que o macaco enlouqueceu? — perguntou a raposa, voltando a sua voz calma.
— Avisei… — disse a lebre, olhando para a amiga — só que ele é todo brincalhão e não escuta ninguém.
Nesse momento, a raposa franziu o focinho, como se tivesse acabado de ter uma ideia (e não é que teve!). Queria ajudar o macaco em nome da amizade e convidou a lebre para acompanhá-la. Embora hesitante no início, ela aceitou prontamente ao ouvir que era a mais rápida da floresta, e as duas partiram juntas.
Enquanto caminhavam, a raposa explicou detalhadamente o plano para pegar as bananas maduras sem que o fazendeiro percebesse.
O céu, lentamente, foi sendo tomado pela escuridão da noite. O ambiente, agora afastado da floresta, parecia apertar o peito da lebre.
A raposa, pelo contrário, sorria, farejando a brisa fresca da noite. Até que ela parou e sussurrou:
— É aqui que vamos entrar… quietinhos.
— Esse lugar me dá medo — murmurou a lebre, segurando seu corpo como se protegesse do vento.
Não demorou até que ambas chegaram à divisa do reino com o bananal do fazendeiro.
Perto da cerca havia um enorme pé de tamarindo e, para surpresa de ambas, lá estava o macaco. Mesmo ingênuo, colhia somente as bananas mais próximas, tentando não ser visto por ninguém da fazenda. Quando a raposa e a lebre se aproximaram, ele se assustou e largou as bananas-verdes, que caíram no chão.
— Poxa! Vocês me assustaram! Ainda bem que não era o seu Zé — comentou o macaco, aliviado.
— Relaxa, viemos apenas dar uma força. Não é mesmo, lebre? — disse a raposa, lançando um olhar que parecia amigável.
Em seguida, continuou: — Chamei a lebre para entrar no bananal comigo. Lá tem umas bananas bem mais maduras que essas. Já está escuro mesmo… ninguém vai notar. Quer vir?
O macaco hesitou. Disse que, devido à escuridão, poderiam acabar caindo em alguma armadilha. Mas a raposa logo tratou de tranquilizá-lo, afirmando conhecer todos os pontos perigosos, que havia luz suficiente para enxergar.
Diante disso, o macaco não pensou duas vezes e decidiu ir com elas.
A lebre, por sua vez, pensou em desistir. Estava escuro, algo podia dar errado. Mas bastou ouvir da raposa que era a mais rápida da floresta para topar de novo, toda animada.
Então, os três atravessaram a cerca. A raposa liderava, ziguezagueando com leveza e desviando das armadilhas escondidas entre as folhas secas, enquanto o macaco e a lebre a seguiam sem questionar. De repente, todos escutaram um “ronc, ronc” baixinho.
— Desculpa! Já passou da minha hora de comer. — disse a raposa.
— Tudo bem! Depois que pegarmos as bananas, vai rolar até uma sopinha boa! — falou o macaco, animado.
O que pareceu agradar a todos, especialmente a líder, que retomou a liderança com mais vigor.
O silêncio da noite era cortado somente pelo som dos passos leves e do farfalhar das folhas. Contudo, a raposa deu um salto mais longo, deixando a lebre sem entender o porquê. Foi então que… CRAC!
Uma armadilha se fechou, prendendo a pata da lebre. O macaco deu um pulo para trás com o susto e caiu direto sobre outra armadilha, que se fechou sobre seus pés.
A lebre soltou um guincho agudo, instintivo. Olhou para baixo: suas patas estavam presas e começavam a sangrar.
O macaco soltou um “uh-uh-uh!” desesperado, até que uma terceira armadilha se fechou com força sobre sua cauda.
Ambos se debatiam, chorando, clamando por ajuda:
— Raposa! Socorro! Socorro!
A astuta criatura permanecia parada, de costas, diante dos companheiros, que continuavam a gritar por sua ajuda. Era impossível saber o que se passava por trás daquele silêncio aterrorizante.
Foi quando ela se virou, devagar… e os olhou.
Seu olhar, em questão de segundos, já não era mais o de antes. Havia algo escuro ali.
O sorriso sumiu. Em seu lugar, um vazio malicioso, como se surgisse a mais perigosa das predadoras.
Em passos lentos, a raposa se aproximava da lebre. Sem ter como escapar da armadilha, a ágil criatura se encolheu toda.
Enquanto isso, o macaco se debatia, puxava a perna com toda a força, mas a armadilha só apertava mais. Seus esforços eram inúteis diante do perigo iminente, e o desespero aumentou ao perceber que a raposa já não seguia em direção à lebre, e sim a ele.
Vinha de cabeça baixa, salivando, os dentes à mostra num rosnado quase silencioso, pronta para o bote. Quando o macaco percebeu, era tarde demais: os dentes daquela predadora nata já rasgavam seu pescoço.
Ao ver a cena, a lebre se desesperou. — Não! Não! Por favor, não!
No entanto, a raposa, em um único salto, a silenciou. Suas súplicas se perderam na escuridão e entre as bananeiras. Depois disso, ouvia-se somente o balançar das folhas e o som áspero de algo sendo arrastado pelo chão, em um zigue-zague lento.
Dois dias se passaram e a raposa estava em sua toca quando ouviu batidas na porta. Era a garça, mensageira do rei, convocando-a para comparecer a uma audiência real. A reunião, restrita a membros da corte, havia sido marcada após denúncias feitas pela família de dois animais da comunidade que estavam desaparecidos há dois dias.
A raposa sorriu levemente e agradeceu à garça com a mesma elegância de sempre.
Assim que ficou sozinha, ela fechou a porta com delicadeza.
Caminhou até um tronco redondo no centro da cozinha, que usava como mesa, e se acomodou diante de uma tigela de sopa ainda fumegante.
No canto esquerdo, à sua frente, encostado no armário de bambu, havia um cacho de bananas quase maduras.
Em uma delas, uma pequena mancha de sangue seca.
A raposa se levantou, pegou o pano sobre a mesa, caminhou até o cacho, e com um gesto tranquilo, limpou a mancha.
Em seguida, olhou fixamente para o prato por alguns segundos, pegou uma colherada cheia e a levou à boca. Mastigou lentamente, como se saboreasse algo que há tempos não comia. Então, fechou os olhos.
— Quase doce — sussurrou, sorrindo.