Dois dias depois, em uma manhã gelada e ensolarada, Arthur e Nephi se despediam de John, que aguardaria o retorno deles em Lanceston, e tomaram a estrada para o sul.
Nephi seguia feliz em seu cavalo.
Talvez ela pensasse que iam para mais uma das caçadas a criminosos, apesar de que Arthur, na noite anterior, havia tentado explicar para ela que aquela viagem seria diferente das demais.
Ele evitara dizer a palavra Nephilin, mas dissera que iriam atrás de alguém muito mal e perigoso. Não tinha certeza se sua esposa havia entendido.
A expressão dele não era das melhores. Suas feições traiam o que lhe ia pela alma.
Estava receoso, temeroso e uma sensação ruim ardia-lhe no peito. Uma sensação de tragédia.
Após alguns quilômetros, Nephi percebeu o estado de espírito dele e saltou para seu cavalo, ficando de frente para ele. Cingiu-lhe a cintura com as pernas e aproximou o rosto do dele, encarando-o nos olhos com ar de interrogação.
Ele soltou uma das rédeas e acariciou-a no rosto, passou a mão pelos cabelos loiros, os prendendo atrás de uma das orelhas e a puxou para si.
Não havia nenhuma tensão sexual entre eles naquele momento, somente uma afetuosa troca de carinho.
Arthur a apertou contra o peito e sussurrou-lhe no ouvido:
— Saiba que você é muito importante para mim. Eu te...— ele calou-se, sem saber porque. — Quero que saiba que, aconteça o que acontecer, eu sempre a terei no meu coração. Entende isto?
Ele sentiu ela balançar a cabeça afirmativamente e ficou ali, deitá-la em seu ombro e assim seguiram por muito tempo.
Poderiam ter chegado ao vilarejo no dia seguinte, mas Arthur atrasou o quanto pode a viagem, mas, no meio da manhã do terceiro dia, avistaram Porthcaswydh.
O lugar, com meia dúzia de casas e uma igreja, ficava em uma língua de terra espremida entre um promontório e os rochedos que delimitavam o planalto de onde Arthur e Nephi espiavam.
O cabo formava uma pequena baia protegida, onde alguns barcos estavam ancorados em um trapiche.
Tocaram os cavalos pela estrada pedregosa que descia em direção ao mar e logo chegaram na vila.
O local parecia deserto, com todas as casas com portas e janelas fechadas. Os varais de secar peixe estavam vazios e nenhuma fumaça saia das casas.
— Olá! — gritou Arthur.
A porta da igreja abriu-se e um homem saiu de lá.
Observou desconfiado de longe, mas depois veio em direção aos dois cavaleiros. Arthur viu, pela batina, que era um padre.
— O que querem? — perguntou o homem de forma hostil, detendo-se a uma certa distância.
— Sou Arthur Deboise, xerife da Cornualha. Vim a mando do Conde John Duffin, para atender um pedido de Trevilian. Onde ele está?
Primeiramente o padre o encarou, depois olhou por onde Arthur viera, como se procurasse algo.
— E onde estão os soldados do conde?
— Vim apenas eu. E minha esposa.
O padre ficou vermelho e bufou:
— Isto é alguma brincadeira? Precisamos de ajuda e não de um casal a passeio!
— Vim averiguar o que está acontecendo para levar um relatório ao Earl, para que depois seja tomada uma decisão — Arthur achara o padre muito afrontoso, coisa típica entre eles, e fora o mais formal e indiferente possível, querendo colocar o religioso em seu lugar.
— Até lá estaremos todos mortos! — o padre estava quase gritando.
— Pelo seu, monstro? — perguntou o xerife com ironia.
— Monstro, demônio, Lúcifer! Chame do que quiser, seu maldito, mas não zombe de nosso sofrimento!
Arthur se reclinou na sela e mirou o padre friamente nos olhos:
— Escute aqui, padre...?
— Longbord.
— ...Longbord, não vim para falar com você e sim com Trevilian. Vá chamá-lo.
— Ele não poderá atendê-lo, Sir — foi a vez do padre ser debochado.
Arthur estava perdendo a paciência com aquele homem:
— E por qual razão?
— Ele está sendo julgado, neste momento.
— Julgado?
— Por Deus!
⁕⁕⁕
Um cheiro de mofo, maresia, fumaça e suor os atingiu assim que adentraram a igreja escura.
O padre fechou a porta atrás deles e aos poucos a visão de Arthur se acostumou a obscuridade e pode discernir que havia várias pessoas ali, sentadas nos bancos orando, algumas deitadas pelos cantos.
— Eles preferem ficar aqui, na casa do Senhor, sob a proteção Dele, do que em suas casas — informou Longbord, que só neste momento percebeu os olhos de Nephi.
Arthur se adiantou:
— Minha esposa tem uma doença nos olhos, mas não se preocupe, não é contagiosa.
O padre resmungou algo e se benzeu:
— Venham — disse em seguida e seguiu pela nave da pequena igreja.
Contornaram o altar simples e, em espaço atrás dele, havia uma mesa com um corpo em cima. Duas mulheres estavam sentadas em um banco próximo, chorando baixo e rezando:
— A mulher e a filha de Trevilian — disse o padre. — Eu estava finalizando os ritos para sepultá-lo.
Arthur se aproximou e franziu a testa:
— Quando ele morreu?
— Ele desapareceu ontem, no início da noite. O encontramos logo cedo, espetado no promontório.
O xerife abriu a boca para contestar o padre, mas calou-se.
Apesar de não cheirar a podridão, o corpo estava murcho, ressecado, como se estivesse morto há vários dias.
Ele se aproximou para observar melhor. Puxou a gola da túnica e viu a ferida, com as bordas já cinzentas, por onde a ponta da estaca havia saído no ombro.
Nephi se aproximou e cheirou o corpo. Arreganhou os dentes e rosnou, assustando o padre e as mulheres.
Arthur ia afastá-la, quando algo no pescoço do morto lhe chamou a atenção. Eram duas perfurações paralelas e perfeitamente redondas, bem diferente do corte rasgado do empalamento.
— Leve-me até onde o encontraram — ordenou ao padre.
— Não posso — rebateu o homem. — Preciso terminar as exéquias. Mas não terá dificuldades em encontrar, xerife. É só seguir pelo promontório e encontrará a estaca de onde o tiramos.
— Só me diga antes, onde aconteceram os demais casos? Foram no mesmo lugar?
— Não. Começaram nos campos acima dos penhascos e foram se aproximando cada vez mais do povoado. O próximo, temo, será...— o padre se calou, não querendo ser ouvido e espalhar o pânico.
Arthur e Nephi saíram da igreja e ele agradeceu pelo ar fresco. Olhou para a esquerda e viu o trecho de terra e pedras que adentrava o mar e seguiu para lá.
O promontório não tinha mais que trezentos metros de comprimento e cinquenta em seu ponto mais largo.
Eles caminharam entre seixos e conchas e logo encontraram o que procuravam.
Uma estaca de madeira, perfeitamente lisa, estava jogada e um toco se projetava do chão pedregoso.
Os homens provavelmente a cortaram para poder retirar o corpo.
O toco estava profundamente enterrado. Quem colocara a estaca ali não usará ferramentas para cavar o solo, pois o local não estava revirado. Alguém, ou algo, com uma força titânica a havia cravado ali.
Analisou a peça de meeira. Havia sangue seco ao longo dela, mas pouco dele ao redor do toco, o que significava, no entender de Arthur, que o sangue da vítima não escoara todo no momento do empalamento, sendo retirado depois.
Pensou nas duas perfurações que vira.
Olhou para o comprimento da estaca e imaginou qual o comprimento da parte que ficara no solo. A peça deveria ter ficado com mais de três metros de altura, quando ereta. Como, ele se perguntava, o quer que fosse aquela coisa que o matara, conseguira tomar o sangue da vítima naquela altura?
A ideia de algo que voava surgiu em sua mente, mas ele a rechaçou. Não queria se deixar tomar pela histeria que vira nos olhos do padre. Precisava manter a cabeça fria.
Nephi, parecia alheia a tudo aquilo, mas virava a cabeça de um lado para o outro, como se procurasse algo. Havia em seu rosto uma expressão que Arthur não conseguia identificar: precaução, raiva? Medo?
Ele a chamou e voltaram ao povoado para pegar os cavalos.
— Já vai, xerife? — perguntou o padre Longbord, quando os viu passar. Ele estava no pequeno cemitério ao lado da igreja, junto a família de Trevilian, que assistiam seu corpo ser enterrado por dois homens.
— Vou dar uma voltas por aí, vasculhar a região. Responda-me uma coisa: há cavernas por aqui?
— Nos rochedos há algumas— respondeu Longbord. — Mas suas inacessíveis, a menos que tenha asas, como um demônio. Ou talvez os franceses tenham, quem sabe?
Arthur ignorou a provocação. Montaram seus cavalos e seguraram pelo caminho por onde tinham chegado.
A região tinha campos ondulados, pontuados por touceiras de plantas que na primavera deveriam se encher de flores, mas que diante dos ventos frios que sopravam do mar, estavam secas.
Mas na época do calor deveria ser uma região bonita, pensou Arthur. O lugar era alto, em dias claros talvez fosse possível ver bem longe sobre o mar.
Em alguns lugares a terra se dobrava para baixo, criando pequenos vales com matas.
Eles inspecionaram todos esses lugares, onde seria possível algo se esconder, mas sem sucesso.
Encontraram algumas estacas, iguais à do promontório, mostrando onde outras vítimas foram encontradas e todas traziam os mesmos indícios já vistos por Arthur.
Quase no final da tarde, avistaram uma construção em pedra, na borda de um dos penhascos que delimitavam os campos.
Era uma antiga igreja abandonada.
Somente três paredes estavam em pé. A do fundo ficava bem no limite do penhasco, se equilibrando a centenas de metros acima do mar que arrebentava nas rochas. As outras duas estavam caídas pela metade, o que não deixava o lugar muito profundo. Uma faia havia crescido junto a parte externa e se debruçado sobre as paredes, formando uma espécie de telhado avermelhado.
Arthur olhava para as pedras caídas onde antes fora a nave da igreja, vendo que também ali não havia como o ser que procurava se esconder.
Deu pela falta de Nephi e foi procurá-la. A encontrou em pé, na borda do penhasco, olhando fixamente para um ponto além.
Arthur achou que olhava para o mar, mas quando se aproximou, viu que ela mirava fixamente um ponto escuro, há mais ou menos uns duzentos metros, no penhasco que fazia uma curva acompanhando a linha do mar.
Era uma caverna, a meio caminho entre a borda e as ondas.
A garota estava ofegante e rosnava baixo, com os dentes arreganhados.
— Nephi? Está vendo algo?
Arthur colocou a mão sobre os olhos e apertou a vista e conseguiu distinguir que algo se moveu perto da entrada da caverna, uma sombra se movendo dentro da outra.
Eles haviam encontrado o monstro!
Arthur se virou para a garota, tampando sua visão da caverna:
— Nephi, olhe para mim. Se acalme, por favor.
Ela o encarou, sua respiração voltou ao normal.
— Muito bem. Escute, em breve vai escurecer. Vamos voltar para o vilarejo. Amanhã vemos como fazemos para descer até lá.
Em Portcaswdh o padre estava recolhendo as pessoas para a igreja. Ofereceu abrigo para Arthur e Nephi, mas o xerife perguntou se alguém cederia uma das cabanas para passarem a noite. Um pescador permitiu que pernoitassem na dele, já que ficaria na igreja.
O lugar era simples, com um fogareiro, uma mesa baixa e uma cama que era só um amontoado de palha, coberto por um pano.
Depois de uma pequena refeição, Arthur se recostou na parede de madeira, sentado na cama e aconchegando Nephi no seu peito.
Olhava pensativo para o fogareiro que ardia, tentando colocar em ordem tudo que havia visto durante o dia e pensava como resolveria aquilo.
Não percebeu quando adormeceu.
Acordou com um sobressalto. Nephi não estava com ele. Procurou em volta e, com a luz mortiça do fogareiro quase apagado, a viu de cócoras em frente a porta, encarando esta fixamente.
— Nephi, o que foi? — perguntou ele num sussurro.
Então, Arthur ouviu algo se mexer do lado de fora, circundando a cabana.
Ele sacou sua grande espada de bom e afiado aço espanhol e ficou de guarda.
Houve um som de deslocamento de ar e algo pousou no telhado de palha, fazendo as vigas de madeira que o seguravam se vergarem.
Se aquilo entrasse ali, o espaço era muito pequeno para uma luta.
Arthur olhou para o lado e viu um arpão de pesca, com a ponta de ferro. Num átimo o agarrou e o lançou com toda a força que seu braço permitia.
O dardo atravessou a palha, mas, com certeza, não acertara seu alvo, pois não houve nenhum sinal disto. Mas o quer que fosse, saiu de lá e houve silêncio.
Algum tempo se passou e, subitamente, ouviram um estrondo, seguido de gritos ao longe.
“A igreja!”, pensou Arthur.
Ele e Nephi correram para fora.
Estava escuro, mas era possível ver ao longe a silhueta da igreja, iluminada por alguns braseiros colocados do lado de fora.
Arthur viu que havia um grande buraco no frontispício da construção e pessoas correndo desordenadamente de lá de dentro.
Um homem tropeçou em um dos braseiros, que tombou e incendiou um amontoado de redes de pesca. Logo o fogo passou para a parede da igreja e começou a queimá-la.
Arthur agarrou pelo braço uma mulher que passava correndo:
— O que houve?
— O demônio invadiu a igreja e levou o padre Longbord! — gritou a mulher apavorada.
O fogo saltou da igreja para as cabanas próximas. O som de asas batendo passou sobre a cabeça deles e ouviram gritos.
A princípio o xerife achou que eram guinchos, mas depois reconheceu a voz do padre.
Ele e Nephi olhavam para o céu em todas as direções, mas só conseguiu ver uma sombra negra aparecendo e sumindo entre os clarões do incêndio.
Um grito alto e engasgado retumbou e algo líquido caiu do céu no rosto de Arthur.
Ele passou a mão no rosto e quando olhou, viu que era sangue.
Ouvi-se um zunido e Nephi atirou-se contra Arthur, caindo junto com ele a certa distância.
Ouviu-se um baque e quando o francês olhou, bem no lugar onde estivera, uma estaca de madeira estava cravada e, presa nela, estava o padre Longbord.
O empalador não tivera o mesmo cuidado que com as vítimas anteriores. A madeira rompera violentamente o esfíncter do padre e seus intestinos estavam para fora. A ponta de madeira arrebentara os ossos da clavícula que se projetavam ensanguentados para o auto.
O padre ainda se debatia, mas o impacto contra o solo fizera seu corpo deslizar quase até a base da estaca, impossibilitando uma retirada rápida.
Arthur se aproximou. Longbord, com a boca aberta pingando sangue e olhos baços o mirou com um pedido mudo neles.
O xerife deu um golpe de misericórdia no coração, finalizando o sofrimento do homem.
Agora todas as cabanas do povoado estavam em chamas, então, segurando Nephi pela mão, Arthur correu para o mais longe que pôde.
⁕⁕⁕
Na manhã seguinte, Portcaswdh não existia mais.
Era só um amontoado de cinzas fumegantes, com o corpo do padre carbonizado em uma estaca no meio da rua principal.
Alguns moradores, os que sobreviveram e que não haviam fugido a pé para Hellys, retornaram e embarcaram nos barcos ancorados no trapiche que, por milagre, não havia queimado, e se foram por mar para outros vilarejos.
Arthur sepultou os restos do padre, observado por Nephi.
Os cavalos haviam morrido no incêndio, mas ele não pretendia voltar para Lanceston.
A fala de John ardia em sua mente “E quando ele terminar com aquela vila pesqueira, ele irá para a próxima e para a próxima e, um dia, chegará aqui.”
Arthur não permitiria aquilo.
Olhou para o rosto sujo de fuligem de Nephi e viu a mesma determinação na luz azul de seus olhos.
— Venha — chamou ele.
Eles caminharam até as ruínas da velha igreja no penhasco. Para Arthur era o melhor lugar para um confronto contra algo que voava. Ele não poderia atacar por cima, por causa dos galhos da faia e nem pelas laterais ou por trás, devido as grossas paredes. Ele teria que vir pela frente.
Juntaram muitos galhos secos e palha e fizeram uma grande fogueira. Sentaram atrás dela, de costas para a parede do lado do penhasco e aguardaram.
As horas da noite passaram.
Arthur trazia a espada desembainhada e Nephi estava de cócoras a seu lado, atentos a entrada.
A certa altura ele olhou para a esposa e passou a mão nos cabelos dela. Ela o mirou.
—Nephi — começou ele, a sensação de tragédia na alma. — Esse...ser...ele, provavelmente, é um Nephilin, como você. Perdoe-me por não ter sido sincero, mas tive medo de que...
— Ela sabe disto.
Os dois se colocaram em pé em um pulo.
No arco formado pelas duas paredes, no limiar da luz do fogo, estava um homem.
Tinha quase dois metros de altura. Era magro e tinha o rosto muito pálido, ressaltado pela túnica escura que usava.
Por um momento Arthur achou que fosse algum viajante, mas no momento seguinte soube que estava diante do monstro que caçavam, pois o homem, calmamente, encostou uma grande estaca de madeira, bem mais alta que ele, na parede ao lado.
Colocou as mãos para trás e olhou para Nephi:
— Eu também a pressenti, irmã. Por um momento achei que era uma Ozgardi, uma transformada. Mas agora vejo que é uma legítima filha dos Elohim.
— Quem é você? — gritou Arthur.
O homem olhou para ele com desdém e Arthur viu que os olhos dele, ao contrário dos de Nephi, eram inteiramente negros, como dois poços profundos e frios:
— Cale-se, verme — e voltou-se para a garota. — Vejo que sua mente e sua alma estão perturbados. Daremos um jeito nisto. Por hora, vou nos livrar deste humano pestilento para podermos nos conhecer em paz.
Dito isto, sem nenhum outro sinal, o ser avançou. Foi tão rápido que Arthur nem o viu se mexer.
Mas Nephi foi ainda mais e se chocou contra o estranho, afastando-o de Arthur. Ato sequente, em um movimento veloz, retalhou o rosto dele com suas unhas.
Ele recuou perplexo, vendo seu sangue empapar-lhe a roupa. Mas em breve as feridas começaram a se fechar.
— O que está fazendo, irmã? Por acaso se afeiçoou a este animal? Saiba que eles são apenas carne, para fornicar e devorar, nada mais.
Com um urro, Nephi avançou contra ele.
Arthur com a espada em riste, só conseguia mal e mal acompanhar os rápidos movimentos dos dois. O monstro parecia ser mais forte que ela, mas Nephi era bem mais rápida.
Ela desviou de um murro de cima para baixo, que acertou uma das pedras do chão, espatifando-a. Na abertura que surgiu, Nephi o chutou nas costelas, atirando-o longe, próximo a entrada.
Ele ergueu-se ofegante, os ferimentos se fechando, assim como os de Nephi.
— Está me obrigando a tomar uma atitude drástica, irmã — rosnou ele.
Nephi avançou mais uma vez.
Ele agarrou a estaca de madeira que estava perto, girou e acravou no abdome da garota, fazendo a ponta sair nas costas. Empurrou-a e a cravou na parede.
Ela urrou de dor.
— Nephi! — berrou Arthur.
— Isto não vai matá-la, irmã — disse o homem. — Mas vai segurá-la tempo suficiente para que eu dê um jeito neste…Aaahh!
Arthur havia investido contra o ser e desceu com toda sua força a espada no ombro direito dele. A lâmina partiu a clavícula e desceu seccionando as costelas, deixando todo o lado direito do torso do monstro pendendo preso só por uma lasca de carne e pele.
Mas o ser se virou rapidamente e com o braço esquerdo acertou Arthur que, instintivamente, tentou aparar com a lâmina, mas não foi rápido o suficiente.
A pancada acertou seu braço direito, quebrando-o em várias partes e ele foi jogado longe, do outro lado da fogueira.
Antes que pudesse superar a dor, o ser já estava sobre ele e Arthur sentiu quando as garras da mão intacta do mostro rasgaram e penetraram seu abdome.
A dor excruciante quase o fizera perder os sentidos, mas ele se apegou a consciência e viu quando o monstro se reclinou sobre ele, as feições distorcidas, a boca grotescamente escancarada, com duas enormes presas afiadas, prontas para dilacerá-lo.
“Pai!”, foi só o que conseguiu pensar.
Um poderoso impacto na lateral da cabeça do monstro o tirou de cima de Arthur.
Nephi havia se soltado e estraçalhara a estaca no golpe.
O ser pareceu sentir, pois ergueu-se grogue.
A garota, sem perder tempo, jogou-se de ombro contra ele, arremessando-o na parede do fundo, que desabou, fazendo o mostro cair no penhasco, de encontro as rochas lá embaixo.
Ela correu para onde Arthur se esvaia em sangue. Em desespero, o envolveu em seus braços:
— Art! Art!
Ele a mirou com olhos baços, um meio sorriso:
— Vou ter que…te deixar, querida. Vou ter que prestar contas…ao Criador. Volte...volte para John. Ele vai cuidar de você.
—Nã! Nã! — gritou ela aos prantos.
Arthur levantou a mão esquerda e acariciou o rosto molhado de lágrimas:
— Eu te…amo — sussurrou.
Sua mão tombou, pois já não a sentia. Não sentia seu corpo todo. Sua visão foi-se tornando um túnel escuro. Lá no fundo ele viu Nephi erguer a cabeça, talvez em um grito que não lhe chegou aos ouvidos. Pensou tê-la visto levar o próprio pulso a boca.
A escuridão já era quase total quando sentiu algo escorrer-lhe pela garganta. Algo que o queimou como fogo de mil brasas, trazendo uma agonia incomensurável, como se sua alma estivesse sendo revirada. Implorou para que aquilo acabasse logo e foi ouvido.
Ele mergulhou no nada absoluto.