Não é fácil escrever
um romance de terror psicológico, sobretudo quando ele se trata de uma obra
baseada em inúmeros casos reais.
Ao narrar esta
história, minha tentativa foi abrir uma fresta para que o leitor pudesse
atravessar e, por um instante, habitar a mente e o coração de Luara. Quis que
cada sensação, cada fragmento de pensamento e cada silêncio seu fossem sentidos
de dentro, como se o leitor respirasse junto dela o peso das incertezas, a
fragilidade das lembranças e a estranheza de um mundo que parece sempre à beira
de ruir. Não busquei apenas contar o que aconteceu, mas criar um espaço em que
fosse possÃvel seguir os caminhos sutis de sua alma de criança que abandona a
infância e entra na puberdade, bem como tocar, ainda que de leve, nas sombras
que a acompanhavam.
Luara é uma
personagem fictÃcia, mas sua história, infelizmente, é a realidade de muitas
meninas e meninos que crescem em lares marcados pela violência, pelo abuso de
poder e pela negligência de uma sociedade que ainda engatinha quando se trata
de proteger suas infâncias.
No entanto, Luara
não está completamente sozinha. Há, em sua vida, uma figura essencial: sua tia
Zahara. Também marcada pela dor, Zahara é a primeira a agir, a se preocupar, a
levar Luara aos médicos, a suspeitar que algo não está certo. É por meio dessa
relação genuinamente cuidadosa que Luara encontra, pela primeira vez, uma
possibilidade de ser ouvida.
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Ouvir uma criança ou
um(a) adolescente vÃtima de violência é um ato profundamente difÃcil. É mais do
que dar atenção às palavras; é acolher, escutar o corpo, os silêncios, as
mudanças de comportamento, as pausas desconfortáveis e os sinais que o adulto,
muitas vezes, prefere ignorar ou minimizar. Crianças não costumam revelar
abusos com clareza. Não porque queiram esconder, mas porque não têm, muitas
vezes, o repertório para compreender ou até mesmo a linguagem necessária para
nomear o que está acontecendo. E quando encontram forças para tentar dizer,
enfrentam o peso da dúvida, do medo, da vergonha e da descrença.
Escrevo este livro como
uma homenagem a todas as crianças que tentaram, de alguma forma, dizer o
indizÃvel. E também à s tias, vizinhas, professores, profissionais da saúde,
amigos e tantos outros adultos que, ao menor sinal, escolheram ouvir,
verdadeiramente, a dor do outro. Estendo a homenagem a todos os profissionais
da Rede de Proteção a Crianças e Adolescentes. O serviço de vocês é
valiosÃssimo.
Que a história de
Luara sirva de alerta, de reflexão e, acima de tudo, de convocação. Que
estejamos dispostos a escutar com o coração aberto, com atenção real, com o
compromisso de acolher e proteger.
Â
 Richardson Lima