Já era a quarta vez que Luara era levada para a unidade de pronto atendimento. Ela vinha, há algumas semanas, apresentando corrimento e mau cheiro em seus órgãos genitais, algo não muito comum em crianças de oito anos de idade.
- Essa menina brinca na terra? – perguntou o médico na primeira consulta.
- Brinca sim, doutor – respondeu a mãe, dona Helena – Ela tá sempre lá no quintal brincando, sozinha ou com a irmã menor.
- Pode ser isso. A senhora vai passar esse remédio aqui e tudo vai ficar bem. A senhora viu se a irmã também teve esse corrimento?
- Não vi não senhor...
- Pois veja. Se ela começar a apresentar mau cheiro ou secreção, traga aqui também.
Mas a irmã de Luara não apresentava esses problemas. Nunca apresentou. Luara não entendia o que acontecia com seu corpo. O cheiro acre e a sensação de que algo dentro dela apodrecia a atormentavam, e ela nem mesmo sabia expressar exatamente o que sentia. Além disso, havia aquelas marcas roxas que apareciam em seu corpo sem explicação. “Isso é das brincadeiras de criança”, disse o médico, mas Luara não conseguia lembrar de qualquer queda ou pancada que pudesse ter causado nela os hematomas.
O uso do medicamento receitado pelo médico sanava o corrimento e o odor, mas assim que Luara parava de usá-lo os sintomas retornavam. Ela tentava esconder os sintomas, temendo que a repreendessem ou batessem nela por estar brincando na terra. À noite, debaixo das cobertas, encolhia-se, apertando as pernas numa tentativa inútil de abafar a ardência constante.
Os hematomas surgiam sem aviso, como pequenas ilhas desenhadas em sua pele frágil. Perguntavam-lhe onde tinha se machucado, mas Luara não sabia responder. Às vezes, acordava com as marcas roxas nos braços, na barriga ou nas coxas, sentindo uma dor difusa que se misturava ao desconforto de não saber como haviam surgido. Havia momentos também em que sentia um peso sobre o peito ao dormir, como se algo invisível a mantivesse imóvel. Às vezes, durante a madrugada, acordava assustada, com a sensação de que ouvia sussurros que não sabia dizer se vinham de dentro ou de fora de sua cabeça.
Nesta quarta consulta, não havia mais inflamações em sua genitália, porém ao menor sinal de corrimento sua tia materna, dona Zahara, já levava a menina para o pronto socorro. Zahara era membro de uma igreja protestante local e tinha uma fé muito grande no poder da oração, tanto que acreditava que parte da cura da sobrinha se devia às preces diárias que realizava por ela.
- É muito estranho que ela ainda esteja apresentando esse corrimento, dona Zahara. – Disse a médica plantonista daquele dia – O remédio que o doutor Carlos receitou é próprio para este tipo de situação. Vocês não estão esquecendo de aplicá-lo?
- Não senhora. Todo santo dia eu vou lá e pergunto eu mesma pra mãe dela se já passou o remédio na menina.
- E ela continua brincando no quintal?
- Nós até já mandou elas parar de brincar pra lá. Mas vira e mexe nós encontra ela vindo de lá. A menor é mais obediente, mas essa aí, dotôra, só Deus na causa.
A verdade é que nem mesmo Luara sabia porque ia tanto ao quintal. Ela sentia uma atração irresistível em adentrar uma pequena choupana de madeira que havia no centro do quintal de sua casa, montada pelo pai, seu Damião, para a pratica de seus rituais de magia negra.
Luara sentia um arrepio percorrer sua espinha toda vez que cruzava a soleira do lugar, contudo, ao mesmo tempo, algo a puxava para dentro, como se um chamado silencioso sussurrasse dentro de sua mente.