(No casarão de Dom Friedo. A discussão entre ele e Eliza Lins ainda ecoa pela casa. Nélio, disfarçado de padre exorcista, observa tudo da rua com olhos atentos e mente fervendo de ideias. Ele cochicha com três moleques, todos carregando objetos de feira e pólvora seca.)
NÉLIO: Meninos, vamos botar teatro nesse inferno. Subam no telhado, façam barulho de alma penada. Nada de bater em bicho — só miado ensaiado, latido de garganta e muito arrasto no chão! Teatro, entendeu?
MENINO 1: Miado eu sei fazer igual a da minha gata: "Miau miau... me dá sardinha!" (os outros riem)
(Nélio sobe pela varanda e entra como quem vem do além. A empregada corre até Dom Friedo.)
EMPREGADA: Seu Dom Friedo, seu Dom Friedo! Tem um cabra vestido de padre, de olhar virado e cruz no peito, dizendo que sentiu o demônio nessa casa!
FRIEDO: Demônio? Aqui?! Só se for no cartão de crédito da Eliza!
(Nélio entra triunfante, segurando um crucifixo improvisado com colher de pau e terço de contas de madeira.)
NÉLIO Em nome do Pai, do Sertão e da Santa Mistura Nordestina… Tem treva nessa casa, e eu vim limpar com reza e coragem!
EMPREGADA Misericórdia… É o Exorcista do Sertão!
FRIEDO: Oxente, mas... o senhor é padre mesmo?
NÉLIO : Padre, caboclo e exorcista formado nas candeias de Juazeiro!
Passei aqui e senti o bafo quente da tentação subindo pelas telhas!
Meus ossos tremeram e meu crucifixo suou!
(Nesse momento, Eliza Lins aparece na escada, com uma camisola rendada, linda e poderosa. A luz do luar a ilumina como uma visão de tentação divina. Nélio engole seco.)
NÉLIO: Agora eu sei onde o cão botou morada… Em forma de mulher com perfume de pecado e salto de tentação!
(Nélio puxa Friedo para a varanda e fala em tom grave.)
NÉLIO: Meu caro, sua esposa mudou, não mudou?
FRIEDO: Mudou sim... antes era doce que nem rapadura… agora se irrita até com o pão torto na mesa!
NÉLIOÉ possessão, é treva, é espírito do consumismo!
FRIEDO: Será? Mas ela só compra o que precisa…
NÉLIO : iPhone cinquenta?! Isso é coisa de espírito zombeteiro!
Deus me mandou aqui, feito sinal de fumaça dos céus!
Eu sou o enviado... o padre de retalho e pólvora santa!
EMPREGADA: Mas vai ter que ficar aqui?
NÉLIO: Por uns dias sim. Essa casa precisa de sal grosso, oração e tapioca de fé!
(Lá no telhado, os moleques começam o "teatro de assombração": um com miado, outro com assovio assombrado e o último fazendo passos com chinelo arrastando. Um pano branco voa por uma janela com ajuda de uma linha.)
GEMIDO FALSO (MENINO 1): Miaaaaau... sai dessa casa, alma de consumo!
LATIDO FAKE (MENINO 2) Au au auuuuu... !
(Friedo treme, olha pros lados e se agarra à batina de Nélio. Nélio, de olhos arregalados, sente o abraço desajeitado e rapidamente faz o sinal da cruz.)
NÉLIO: Ave Maria! Tira a mão da minha cintura, homem! É só fé que carrego aqui!
(Luzes se apagam. Som de trovão e sanfona sinistra.)
VOZ EM OFF (NÉLIO)
Essa casa vai tremer, Mas não será por maldade. É fé com teatro do povo,
É sertão com santidade!