Dani. LN
Dani. LN @dani_ln

A DIVINDADE FELINA

Ele olha pela janela, sabe-se lá o que, talvez um animal por instinto de caça, uma nuvem passageira, um inseto qualquer ou simplesmente contemplando sua soberania diante desse mundo inferior.
Ele olha, preguiçoso, para um ou outro mortal, oferendando uma ínfima parcela de sua divindade adorada pelas civilizações antigas e amada pelas modernas.
Humanos escravizados felizes que moram em seu lar, dormem em suas camas e pagam com serviço insatisfatório de servidão, com alimentos irrelevantes, portas fechadas e banhos cheios de fragrâncias infernais, responsáveis por horas de limpeza a língua até que a exaustão o reivindique antes de tirá-las dos pelos, feitos para o afago, imaculados por dias de caprichadas lambidas.
Ele olha, perfeito e arrogante, exigente em seu andar macio, altivo, faz aquilo que quer, quando quer, como quer, não respeita limites, comandos ou chamados, é rei, é rainha, é sublime, é deidade.
Ali está ele, olhando doce, curioso, calculando o ângulo perfeito para pular em frente ao livro, ao caderno, ao computador, ao prato de comida, qualquer coisa que tenha mais atenção do que ele, porque ele tem que ser o centro de todas as atenções. Sabe o poder que tem e o exerce sem culpa.
Tão lindo, no simples ato de existir, distinto até ao beber água. Encantador de humanos ele é, domina a arte de dobrar-nos ao seu dispor com um olhar, leva-nos ao céu com o leve toque de uma pata delicada, desmancha-nos em carícias, abraços extravagantes e humilhantes vozes infantis, obriga-nos a ofendê-los com beijos indesejados e destrói-nos com dias de sumiços no mundo, que é seu por direito.
Gatos, deuses terrenos, nascidos para a liberdade, para a vida mansa, líderes naturais, lideram até mesmo uma matilha se assim desejarem, vivem a brincar, dormir e reinar.
Mas há aquele momento, o momento da mais alta alegria desses meros criados à disposição da soberania de seus mestres felinos, em que eles se regalam com os travesseiros de carne e ossos que somos e descansam sobre nós, colados em nossas peles compensando-nos com seu calor e um beijo ocasional, num sono sereno. O mais diminuto suspiro preenche-nos do mais puro amor em seu ronronar curativo porque, quando eles escolhem amar, amam profundamente como nenhum ser humano é capaz de amar.

*Texto registrado na CBL - Câmera Brasileira do livro em 29/05/2020 - 07:48.