nanderfer
nanderfer @nanderfer

Eu conheci a Geisislaine há quatro meses, numa livraria. Eu estava procurando algo do Dostoiévski e ela tinha nas mãos um Machado (calma gente, era um livro do Machado de Assis).

Não fiz nenhum esforço para me apaixonar por ela. Praticamente saímos dali já namorando.
Semana passada eu estava dormindo no sofá quando, de repente, O Iluminado, do Stephen King, voou no meu rosto.

- Stephen King, porra? Então você lê Stephen King? Você quer me humilhar, é isso? - Geisislaine esbravejava na minha frente.

- Você disse que só lia alta literatura e o que eu encontro na sua gaveta das cuecas? Stephen King! É isso, você mentiu para mim! - Ela dizia, andando de um lado para o outro, movendo os braços com a elegância de um boneco de posto de gasolina.

Mesmo tonto e com o nariz sangrando (acredite, um tijolaço de quinhentas e poucas páginas do Stephen King é como um soco do Mike Tyson), eu tentei me justificar.

Eu proferi todas as mentiras que a minha mente sonolenta conseguiu formular na hora. Eu disse que o livro foi um presente da tia Hermengarda. Depois corrigi e disse que ganhei de amigo secreto.
- Você não tem amigos nenhum, porra! - Ela gritou.

Por fim, afirmei que o livro surgiu no meio das cuecas por abiogênese. Isso só serviu para a Geisislaine proferir todos os palavrões possíveis e imagináveis. Foi estranho ouvir, daqueles doces lábios, um sonoro "vai tomar cu”.

Já sentada na poltrona, com os olhos lacrimejantes, ela perguntava:
- E então, todo aquele papo de alta literatura era mentira? Aquela nossa ida ao congresso literário em São Paulo foi só para me impressionar? Aquelas conversas sobre as múltiplas camadas na poesia do Fernando Pessoa foram só para me comer? Foi isso mesmo?
- Minha mente implorava para eu gritar “sim” e “não”, mas meus lábios só conseguiam pronunciar “desculpa”.
- Imagina se ela encontrar Harry Potter no baú dos moletons. - Eu pensei.

Ofegante, Geisislaine proferiu a sua sentença:
- Tudo está terminado. Pra mim, chega.

Em silêncio, vi a Geisislaine ir embora. Ela bateu a porta do apartamento com tanta força que derrubou Clarice Lispector da estante.

Irritado e com o coração em frangalhos, corri para a sacada.
- Quer saber? Stephen King é foda pra caralho! - Eu gritei observando Geisislaine andando pela rua, desaparecendo em meio ao denso nevoeiro daquela manhã de inverno.

Foi depois disso que eu escrevi esse meu fracass... quero dizer... esse meu livro. Eis aqui o link: https://tinyurl.com/4bhn3zu6

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Numa noite dessas, estava eu no ponto de ônibus. Naquele horário, os únicos seres ao meu lado eram um cachorro revirando uma lata de lixo e mendigo adormecido, quiçá morto, vá saber…

Nas minhas costas uma mochila abrigava o meu Acer. Um notebook idoso que eu só não o aposentava porque teria que vender um rim e alma para comprar outro.
- Passa a mochila prá cá, vagabundo. - Foi a voz que ouvi logo atrás de mim.

O assaltante, sorrateiro e silencioso como um câncer de próstata, encostou algo pontiagudo na minha cintura.

Gaguejando falei que eu não tinha dinheiro.
- Acabou, parça, passa a mochila pra cá. - Ele insistiu.
Eu repeti que eu não tinha dinheiro.
- Eu sou escritor. - Concluí.

Foi aí que o assaltante afastou o canivete de mim.
- Foda cara. Tu é escritor mesmo? - Ele questionou me encarando com um misto de constrangimento e tristeza, como quem olha o time do coração chafurdado na zona do rebaixamento.
Eu confirmei cabisbaixo.

- Porra, maninho, como tu foi fazer uma coisa dessas?
Eu disse que eram as más companhias. Era tudo culpa do Stephen King, do Tolkien, da Anne Rice, dessa turma…

Falei também que eu escrevi um livro e que dava para contar a quantidade de leitores nos dedos da mão direita do presidente.

O assaltante, comovido, me abraçou e ainda me deu algumas moedas para me ajudar.

No ônibus, refleti sobre a minha condição e decidi abandonar a carreira literária.

Infelizmente não consegui. O desejo de contar histórias é mais forte que eu. Cheguei em casa e escrevi essa história aqui: https://tinyurl.com/mrxazeky

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Eu não creio em forças sobrenaturais, poderes transcendentais, mapas astrais e coisas assim. Não acredito que os acontecimentos bons ou ruins na minha vida foram culpa de Saturno, que distraído, entrou em conjunção com Marte.

Por isso fiquei surpreso quando a chefe de redação pediu, justamente para mim, fazer uma matéria sobre astrologia.
A minha vontade de escrever acerca desse tema era zero, mas segui em frente.

No meu quarto, lembrei que a Jacenira, a faxineira que deixa o meu apartamento menos confuso que os feitiços do Doutor Estranho, entende dessas coisas, inclusive ela até visita uma tal cigana Iara.

- Pode acreditar, seu Fernando, a cigana Iara cura câncer, unha encravada e ainda traz a pessoa amada em até três dias. - A Jacenira disse para mim.

Eu perguntei se a cigana entendia de numerologia.
- Mas é claro que entende. Quando adotei dois cãezinhos, a cigana Iara disse que eu deveria batizar os dois de DJ e Som.

Questionei o motivo dos nomes. A dona Jacenira disse que era por causa das influências dos antigos deuses na concepção fonética das palavras.

- Tá… E você já reparou se o nome dos cachorrinhos afetou a vida deles? - Eu indaguei.

A Jacenira respondeu que não notou nada.
- A única coisa que eu reparei é que quando os dois brigam, eu sempre grito: “DJ solta o Som”.

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Eis aqui a minha mais recente avacalhação literária. Conforme o próprio nome indica, Relatos Desastrosos é o mais puro desastre em forma de literatura, chegando para me consolidar como um dos autores menos lidos nesse quadrante galáxia.
De um jovem estudante que inventa um androide assassino a uma atriz que foi possuída em um culto evangélico, os três contos presentes neste livro entregam o que prometem: desastre em todos os sentidos.

Vai lá... Dá uma força. Clica no link para adquirir esse livro. Ele não vai mudar a sua vida, mas vai me ajudar a comprar a ração do meu cachorro.
https://tinyurl.com/4bhn3zu6

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É verdade, nem sempre fui esse escritor avacalhado. Tentei trabalhar em diferentes segmentos profissionais.

Já atuei como fabricante de bandeirinhas de festa junina, adestrador de guaxinins e instrutor de manuseio de raquetes para matar mosquito. Certa feita, também trabalhei como um indivíduo que só servia para ser xingado em um escritório de contabilidade.

Na ocasião, a minha chefe, vendo que até a samambaia da sala tinha mais serventia que eu, me mandou preparar uma palestra sobre empadinhas.
- Fale tudo sobre o tema. - Ela ordenou.

Eu achei o tema deveras estranho. Contudo, como minha função era obedecer, fiz o que me foi solicitado.

Preparei uma série de slides sobre empadinhas. Falei sobre empadinha de frango, de guisado, vegana, empadinha para diabéticos e até empadinha para quem era de libra com ascendente em gêmeos.

No dia da apresentação, estava eu lá, na sala de reuniões, sendo fulminado por vários pares de olhos inquisidores, todos ansiosos para ver o que eu tinha para falar sobre empadinhas.

Logo no primeiro slide, quando abordei a origem das empadas na península Ibérica, minha chefe gritou:
- Que porcaria é essa?
- Fiz o que a senhora mandou. Elaborei uma palestra sobre empadinhas. - Eu expliquei falando baixinho e cagado de medo.
- Empadinha é o caralho, eu falei empatia. Em-pa-ti-a. - Ela pronunciou. Cada sílaba soava como uma chibatada nos meus ouvidos.

Após tão desastroso evento, fui defenestrado da empresa e me tornei escritor. Um escritor lascado, óbvio.

Causos como esse registrei aqui, nesse livrinho, o Relatos Desastrosos, uma coletânea de três histórias que resumem o cotidiano de um desafortunado autor.
O livro, mais barato que uma empadinha, não vai mudar a sua vida, mas vai ajudar a tirar o meu nome do Serasa.