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Ativo

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rodrigosantos @rodrigosantos

Joaquim nunca foi um homem bom. Desde jovem, aprendeu que o poder está nas mãos daqueles que o tomam à força. Vivia de trapaças, extorquia os pequenos agricultores da vila e caçava sem se preocupar com as regras da floresta.

Não havia bicho, homem ou espírito que o impedisse de fazer o que quisesse. Ria dos velhos que murmuravam sobre luzes traiçoeiras e assombrações na mata. Para ele, tudo não passava de histórias para assustar crianças.

Naquela noite, com a espingarda pendurada no ombro e um cigarro pendendo dos lábios, ele invadiu a mata em busca de uma presa valiosa. Os colonos falavam sobre uma onça que rondava a região e a pele dela valeria um bom dinheiro no mercado negro. Ele já podia imaginar as moedas pesadas em suas mãos, o olhar invejoso dos outros homens da vila e o quanto ele poderia aumentar suas terras e explorar ainda mais o lugarejo.

O silêncio da mata à noite era interrompido apenas pelos passos pesados do jovem caçador. Joaquim caminhava atento, segurando firme sua espingarda e vasculhando cada canto da mata com seu olhar como um verdadeiro predador e nada tomaria dele sua presa.

Foi então que a viu.

No meio da clareira, banhada pela luz prateada da lua, estava uma mulher. Seus cabelos eram longos e negros como a noite, e sua pele brilhava com um tom dourado, como se fosse feita de brasas que ainda não se apagaram. Seus olhos ardiam como pequenas fogueiras, e quando ela sorriu, Joaquim sentiu o corpo inteiro formigar.

— Perdido, forasteiro? — ela disse imponente.

Ela estava coberta por uma túnica quase translúcida, que deixava entrever suas formas, um cheiro de madeira queimada e jasmim exalava dela.

Ele umedeceu os lábios, os olhos percorrendo cada curva exposta sob a luz da lua. O calor do desejo preencheu seu peito com luxúria. Joaquim era um predador e ela, uma presa caída do céu.

Para Joaquim, o olhar da mulher era um convite. Ele sorriu de lado, a mente já arquitetando o que faria com ela ali mesmo, no meio da mata escura. Ninguém para ouvi-la gritar, ninguém para se intrometer. Podia tomar o que quisesse, como sempre fez.

— Quem é você? — ele perguntou com brutalidade.

— Uma guardiã — ela respondeu, aproximando-se ainda mais. — Cuido da floresta... e daqueles que ousam desrespeitá-la.

Ela levou a mão ao rosto de Joaquim com suavidade. Ele segurou o pulso dela, firme, sentindo a pele quente sob seus dedos, pronto para puxá-la contra si.

Ela sorriu e então o calor aumentou e o caçador sentiu a visão embaçar, ao mesmo tempo em que a pele da mulher começou a brilhar mais intensamente, tornando-se incandescente. Ele tentou soltar o braço, mas não conseguiu.

— O que é isso? — rosnou, tentando recuar.

Os olhos dela brilharam em brasas incandescentes. Ela moveu o pescoço e seu tronco começou a se alongar enquanto seus membros iam se fundindo em algo escamoso e brilhante. Até se tornar uma cobra de fogo.

Joaquim tentou lutar, mas a criatura enroscou-se ao redor de seu corpo, apertando-o como uma presa indefesa.

Ele podia sentir o calor o consumindo por dentro. Sua carne queimava, mas não havia chamas visíveis. Apenas a dor avassaladora de ser consumido vivo pelo fogo de dentro para fora.

Ele abriu a boca para gritar, mas só conseguiu soltar um último suspiro antes de tudo se tornar cinzas.

Na manhã seguinte, quando outros caçadores da vila foram procurá-lo, encontraram apenas um círculo de terra queimada no meio da mata. E, à noite, uma nova luz dançava entre as árvores, como uma chama viva, esperando o próximo desavisado.

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rodrigosantos @rodrigosantos

O movimento rápido dos meus dedos extrai sons ritmados

O toque e a pressão produzem palavras

Já não sei o que é meu e o que é êxtase

Ao fim da digitação, vejo na tela uma versão incompleta e não lapidada da minha alma

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rodrigosantos @rodrigosantos

Eu odeio cortar cebolas

Elas parecem inofensivas à primeira vista. Apenas camadas lisas e pálidas. Mas basta o primeiro corte para que algo invisível suba aos olhos. Ardem. Queimam. Ainda assim, não se pode parar. Há sempre um prato esperando, uma obrigação para ser cumprida.

Ninguém pergunta se dói, ninguém se importa se os olhos marejam. Apenas esperam que continue, que siga firme, que corte cada pedaço sem hesitar. Dizem que há técnicas para evitar as lágrimas: mastigar pão, resfriar a lâmina, prender a respiração. Mas, no fim, nada impede a ardência. Apenas se aprende a piscar menos, a disfarçar melhor.

"Não seja fresco. É só uma cebola." Claro. Sempre é "só" alguma coisa. Só um problema. Só um peso. Só um homem.

Camada após camada, segue o corte. Raiva, frustração, medo. A cebola não liga. O mundo não liga. Só esperam que eu continue cortando, que eu termine o que comecei.

E no fim, mesmo depois de picada, o cheiro fica nos dedos...
Ah, eu odeio cortar cebolas.