Guarda-chuva (miniconto)

— Rápido, conte algum problema pra mim!
Fiquei pasmo com aquela vista. A figura tremeluzente à minha frente se agitava, quase desaparecendo, desesperada por uma resposta minha. Tentou me alcançar, mas sua mão passou reto por mim, dando-me calafrios.
Aquele espectro, vendo meu espanto, começou a agir com mais cautela. Respirou fundo e, com isso, até conseguiu o efeito de ficar menos translúcido. Sua voz também ficou mais audível.
— Preciso de algum problema… qualquer preocupação… senão, desaparecerei. Você… tem algum para me contar?
Vi-o atingir seu auge de opacidade e, depois, voltar a vacilar.
— Um… um problema? Que tipo de problema?
— Qualquer um! Qualquer um… algo que te incomode?
Tentei pensar rápido para evitar que ele sumisse de vez, sem entender bem como aquilo lhe ajudaria.
— O clima… o clima! Vai chover!
— Que mais?
— Que mais? Estamos no meio da rua.
— Que mais?!
— Não temos guarda-chuva! — ele começou a ficar mais sólido, assim como um sorriso no seu rosto. Senti o pedido para continuar - Vamos nos molhar, ficar resfriados… vamos ficar de cama, vamos… vamos sofrer! Não queremos sofrer! Queremos?!
— Não, não queremos!
Saiu saltitante, mais opaco que eu mesmo, em busca de um guarda-chuva.

Não quero dedicar livro
às pessoas normais,
estas só me permitem conhecer as
regras...
regras das quais me farto.
Devo dizer: amo as transtornadas,
estas que revelam não só as regras,
mas o que delas escapa,
o que é real demais e não se guarda,
que insiste e eclode, ainda que em ferida e dor.

Amadas transtornadas,
que não são normais
antes de serem reais,
ensinem algo da calada realidade
para que o mundo se transforme...
ou se transtorne...
até que sejamos todas pessoas normais.

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"O último viajante do tempo", meu primeiro romance finalizado, escrito entre meados de 2020 e 31 de dezembro de 2023.

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