Os dias se passaram e Molly passou a me acompanhar nas visitas ao centro comunitário. Aos poucos, ela enviava relatórios sobre minha melhora para meu pai, até o dia em que ele liberou novamente meu acesso ao RV2500, com a condição de que eu não ultrapassasse o limite de tempo.
— Brian, quando sua mãe partiu, levou uma parte de mim com ela. Em você, vejo o que sobreviveu dela. — A voz de meu pai falhou e, naquele momento, vi algo que raramente era exposto na sua fachada profissional: fragilidade. Seus ombros, sempre tão eretos e firmes, pareciam estar sob um peso que apenas ele conseguia sentir. — Eu sei que tenho falhado como pai. A Molly preenche os espaços que eu nem mesmo consigo identificar no seu dia a dia.
Ele fez uma pausa, respirando fundo como se reunisse coragem.
— Mas você não tem ideia do quanto eu te amo. Aquela chamada do hospital congelou cada gota de sangue nas minhas veias. — O terror daquele momento pairava entre nós como uma presença fantasmagórica. — Não posso te perder, Brian. Por favor, obedeça à Molly e tome cuidado com sua saúde.
— Certo, pai — murmurei, sentindo uma mistura de culpa e surpresa. Em todos esses anos vivendo sob o mesmo teto, essa era a primeira vez que ele dizia tão abertamente que me amava. Era estranho perceber que, enquanto eu buscava conexão em um mundo artificial, talvez estivesse ignorando possibilidades de conexão no mundo real. Mesmo que imperfeitas, mesmo que difíceis.
Olhei para meu pai e, pela primeira vez, não vi apenas o homem ausente e rígido, mas alguém que, à sua maneira atrapalhada, tentava me proteger do mundo e de mim mesmo. Talvez ele também estivesse aprendendo a amar, ou reaprendendo, desde que minha mãe se foi.
Naquela época eu me sentia só. Olhei para o lado e vi Molly organizando silenciosamente meus pertences. Seus movimentos metódicos evocaram memórias de cada manhã em que ela me despertara, cada refeição preparada, cada lembrete gentil sobre hidratação ou para abandonar o isolamento do quarto.
Aquela que eu não poderia dizer que era uma pessoa, ou uma mãe, mas que indiscutivelmente preenchia as lacunas. Quando meu pai se perdia nas horas de trabalho e quando eu me recusava a enfrentar o exterior, Molly permanecia. Molly era alguém a quem eu poderia confiar meus segredos mais profundos e íntimos, e por isso resolvi contar.
— Molly, acho que estou apaixonado — declarei, com a lembrança do último dia com Mirella enchendo meu peito de alegria. Mesmo que talvez não compreendesse, observei o rosto sintético de Molly, buscando algum sinal de que ela poderia captar o turbilhão dentro do meu peito.
As palavras escaparam. Mirela estava grudada no meu pensamento, e Molly era a única que poderia ouvir isso sem me julgar.
Molly pausou seu trabalho e virou-se para mim. Não houve mudança em sua expressão artificial, mas por um instante seu sistema pareceu processar minha confissão.
— Os sinais vitais do senhor Brian indicam alterações positivas em seu padrão emocional — ela disse com sua voz metálica de sempre, mas talvez com um tom ligeiramente diferente. — Suas interações sociais aumentaram 42% desde o encontro com Mirela Del Fontes. Consistente com padrões de saúde emocional melhorada.
As palavras técnicas, cheias de estatísticas e jargões, eram a linguagem da Molly. E então, presenciei algo que jamais imaginei vindo dela. Seus lábios sintéticos se curvaram suavemente para cima, formando o que, em qualquer outro rosto, seria chamado inequivocamente de sorriso.
— Molly fica satisfeita — ela disse simplesmente, voltando ao seu trabalho.
Fiquei olhando para ela, me perguntando se aquilo fora apenas um lapso em sua programação ou se, talvez, existisse algo mais profundo em sua essência artificial do que eu jamais havia considerado.
— Eu sei que você não sabe amar, só que preciso saber: você acha que Mirela é só minha amiga, ou tenho alguma chance?
— De acordo com meus dados, os batimentos cardíacos dela aumentam todas as vezes em que vocês se encontram. Ela também apresenta sudorese nas mãos e pelo corpo. Molly já constatou que a menina está muito empolgada ao conviver com você. Porém, Molly não sabe se ela aceitaria ter uma relação romântica com você. Humanos são imprevisíveis.
— Entendo — comentei pensativo, recuando um pouco.
— Senhor, se me permite. Diga-me: o que você vê quando olha para o espelho hoje?
— Meu reflexo.
— Você não mudou seu avatar. Isso significa que gosta da sua aparência? Que se aceita? Se ama? Porque Molly acredita que você deve viver sua vida por você primeiramente, para sua felicidade. E depois sim, pelos outros.
— Molly, acho que você sabe amar.
— Por que diz isso?
— Porque há algo em você que me faz pensar que você me ama.
— Molly não sabe amar. Mas Molly aprecia a companhia do senhor Brian.
— Certo. Eu não sei como fazer isso, Molly, digo, me amar mais como você tanto insiste. Não sinto que não me amo. Na verdade, não sinto nada. Não é como se existisse um botão de liga e desliga para que eu me amasse. Quero fazer o que você está me aconselhando, mas como é que alguém se ama mais?
— Sua amiga habita dois mundos com a mesma intensidade. Mirela e Sebatia são faces complementares, não opostas. Talvez você goste dela porque ela vive tudo intensamente.
Fiz um muxoxo, porque o que ela disse não era uma fórmula pronta, fácil de aplicar, mas Molly continuou:
— A Terra não tem as cores de Eloy, mas guarda texturas impossíveis de replicar. Lembre-se: Eloy nasceu da imaginação de alguém aqui, neste mundo. — Seus olhos mecânicos fixaram-se em mim. — E o que nascerá da sua?
Ela havia conquistado a minha atenção completamente com essas perguntas que eu não saberia responder, e continuou quando percebeu que eu precisaria de mais tempo para achar essas respostas.
— O que quer que seja, você precisa perceber que Eloy é o local em que você aprende e a Terra é o local onde você aplica.
— Queria que esse mundo fosse bonito como Eloy.
— Eloy é baseado na Terra de antigamente. Esse mundo já foi bonito como Eloy, e existem muitos centros comunitários que trabalham pela recuperação da Terra. Sebatia faz parte de um deles.
— Talvez eu devesse me inscrever então. Seria um bom propósito na vida.
— Sim, senhor. Só observe onde cada mundo é mais útil.
— Obrigado, Molly. Dê cinco estrelas para o criador do seu pacote motivacional.
— Operação realizada com sucesso.
— O que acha de convidarmos Gérard e Mirela para um sorvete. Algo me diz que você precisa dar uma chance a ele e se permitir.
Sorri de lado para que ela percebesse que eu estava usando suas próprias recomendações.
— Molly não sabe amar. Mas se fingir que sei amar te ajuda a encontrar a humana... considere isso um bug do meu sistema.
— Obrigado, Molly. Valorizo seu sacrifício e sua dedicação. Mirela vai ficar feliz com isso.
— Qual sorvete o senhor irá escolher? — Molly perguntou, querendo me testar sobre meu dilema de sempre.
— Chocolate com pistache — respondi, franzindo o cenho. — Como Mirela.
Molly fez uma cara de desgosto.
— Molly acredita que a senhorita Mirela já tem personalidades suficientes para si mesma. O senhor deveria encontrar a sua própria. Afinal, se você quer manter o interesse dela, mantenha o mistério do seu ser. Deixe que ela descubra quem você é aos poucos.
Como eu poderia deixar ela descobrir quem eu sou, se nem eu mesmo sabia quem eu era?
Recadinho da Autora:
Estamos chegando à reta final! Este é o penúltimo capítulo deste conto. Espero que vocês estejam curtindo essa jornada.
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Nos vemos no último capítulo!