Depois de passar um tempo no hospital, compreendi algo que me deixou inquieto: casos como o meu não eram novidade, nem mesmo antes de 2016. Naquela época, as pessoas ainda jogavam em computadores, mas também viviam suas vidas nas ruas. Participavam de comunidades — igrejas, clubes, bares e praças — onde interagiam pessoalmente. Hoje, tudo isso existe apenas na realidade virtual.
No entanto, mesmo com tantas oportunidades de conexão no mundo real, muitas pessoas já se perdiam através das telas. Elas mergulhavam em mundos de jogos e esqueciam completamente as coisas importantes da vida. Parece irônico, não? Antigamente, elas tinham acesso a uma vida social rica e tangível, mas ainda assim escolhiam se isolar.
Eu só tinha treze anos quando tudo isso aconteceu comigo. Como eu poderia saber que, mesmo estando de férias, não podia passar todo o meu tempo jogando? Garotos dessa idade sempre jogaram muito, desde antigamente. Só que, no meu caso, eu estava vivendo em um mundo diferente. Pelo menos minha justificativa para esquecer de viver parecia mais plausível. Eu tinha outra vida — uma vida bem real, mesmo que fosse virtual. Eles também tinham isso, mas de uma forma diferente: tudo era filtrado por uma tela.
Meu pai não ficou nada feliz com o meu "pequeno lapso". Ele me tirou o aplicativo RV2500 — o mais novo e imersivo — justo quando eu havia finalmente convencido Sebatia a sair para uma aventura em um novo reino.
Fiquei meses sem entrar, meses sem dar sinal de vida. Voltei a viver a vida comum, monótona, onde cada dia parecia uma cópia pálida do anterior. Sem amigos, sem uma mãe, apenas Molly como companhia constante. Tudo parecia cinza, opaco, como se a cor tivesse sido sugada do mundo. Desse mundo. E o pior era saber que, enquanto isso, o RV2500 continuava lá, prometendo uma vida cheia de cor, de significado, de felicidade.
Uma manhã, entrei na cozinha. O ambiente estava frio. Meu pai gostava de cômodos minimalistas, e as superfícies metálicas brilhavam sob a luz artificial. Uma tela holográfica flutuava acima da bancada, exibindo notícias sobre os avanços tecnológicos da semana. Molly estava ali, ajustando a temperatura do forno inteligente, que piscava com luzes azuis enquanto preparava algo que eu nem conseguia identificar pelo cheiro. Ela parecia concentrada e sua presença silenciosa preenchia o espaço, eu me sentia quase como um intruso. Mas, mesmo assim, eu me via obrigado a me movimentar, nem que fosse apenas pela casa.
Sentei-me à mesa, olhando para as fotos de Sebatia espalhadas pela tela do meu antigo dispositivo. As imagens dela eram vívidas, quase reais, como se estivessem zombando de mim.
— Você deveria arrumar um namorado — disse para Molly, tentando disfarçar o nó na garganta da lembrança de Sebatia.
Molly, com seu corpo de metal e aparência humana, respondeu:
— Molly não sabe amar. Você deveria arrumar uma namorada. Quem sabe assim encontra uma razão para viver. — A alfinetada não passou desapercebida.
— Meu pai fez download de pensadores e psicólogos em você? — respirei fundo. De que adiantava discutir com um robô?
Enquanto respondia, Molly se movia pela cozinha com gestos precisos e calculados. Seus braços ajustavam os pratos no balcão, enquanto um display em seu peito piscava com informações que eu ainda não conseguia entender.
— Sim, claro que ele fez. Também programou Molly para regular seu horário de sono, a quantidade de água no seu organismo e os horários em que devo forçá-lo a se alimentar.
Ah, então era isso. Os displays fiscalizavam a minha rotina.
— A que ponto chegamos, Molly...
Ela pausou por um momento, seus sensores girando levemente em minha direção antes de responder:
— A que ponto o senhor chegou.
Seus braços voltaram ao trabalho, organizando os utensílios com eficiência impessoal. Observei suas mãos metálicas por um instante, tentando processar o que ela quis dizer. Era como se ela estivesse sugerindo que tudo fosse culpa minha, mas como ela poderia entender? Ela era só um robô, afinal.
Eu não tentei me matar. Meu pai não entende que não foi algo proposital. Eu estava — digo, estou — infeliz com a minha vida. A vida é vazia, sufocante, como um ciclo interminável de expectativas que nunca consigo alcançar. E o RV2500 me levava para uma vida em que eu era feliz. Por que é tão difícil para eles compreenderem? Eu desejava encontrar um lugar onde pudesse existir sem me sentir perdido.
Desisti de tentar explicar. Para eles, sempre serei apenas alguém que precisa ser consertado.
— Seu pai terá convidados essa noite. Vá tomar banho e arrume esse cabelo.
— Não fale como se fosse a minha mãe.
Molly inclinou levemente a cabeça, seus olhos artificiais emitindo um leve brilho azulado enquanto respondia:
— Não sou sua mãe. Sou sua assistente doméstica e supervisora desta residência.
Eu cruzei os braços, tentando parecer desafiador, mas sabia que não havia escapatória.
— Quem vem? Papai nunca foi de convidar ninguém para nossa casa.
— Um colega do trabalho e sua família — disse Molly, já me guiando em direção ao banheiro com suas mãos firmes, embora surpreendentemente suaves.
Não tardou para que os convidados chegassem. Naquela altura, eu já estava limpo e arrumado, exatamente como Molly havia insistido. Meu cabelo ainda estava úmido, grudando desconfortavelmente na testa, e a camisa autorreguladora parecia estranhamente apertada no colo. Ela podia até não saber amar, mas havia sido programada para ser implacável quando se tratava de disciplinar garotos de treze anos que preferiam se trancar no quarto, admirando o teto, a encarar a realidade.
Papai tinha configurado Molly para gerenciar cada detalhe da minha vida. Eu estava tão preso às suas ordens que várias vezes pensei que seria melhor se eu simplesmente... não estivesse ali. Mas não era assim que as coisas funcionavam. Eu não tinha morrido no hospital, então agora precisava enfrentar isso: uma noite interminável fingindo interesse por estranhos.
O som da campainha ecoou pela casa, e papai apareceu no corredor, ajustando o colarinho magnético enquanto sorria para mim.
— Brian, venha conhecer o senhor e a senhora Del Fontes e sua linda filha, Mirela.
Respirei fundo e caminhei pelo corredor, sentindo o piso autolimpante absorver silenciosamente meus passos. A sala de entrada estava iluminada por painéis luminosos embutidos no teto, refletindo nas superfícies polidas e nos móveis flutuantes que compunham o ambiente.
Ali estavam eles: o casal Del Fontes, vestidos com roupas ajustáveis que se moldavam perfeitamente aos seus corpos, e sua filha, Mirela, que parecia tão entediada quanto eu me sentia. Ela usava um vestido fluido, que mudava sutilmente de tom conforme ela se movia, mas seu rosto estava impassível, como se ela também preferisse estar em qualquer outro lugar.
Eu queria voltar para o meu quarto, para o conforto do silêncio e das minhas memórias de Sebatia. Em vez disso, forcei um sorriso fraco e murmurei um cumprimento inaudível. Mais uma noite no mundo real, onde tudo parecia vazio e sem propósito.
Recadinho da Autora:
O que faz uma vida ser real?
Enquanto escrevia esse capítulo, me peguei pensando no que a gente chama de "vida de verdade".
Será que é aquilo que sentimos... ou o que conseguimos tocar?
Me conta: você acha que Brian estava fugindo ou apenas tentando sobreviver?
Quero saber o que ficou com você depois dessa leitura. Se tiver gostado deixa o seu voto pra ajudar o livro no ranking.
Nos vemos no próximo capítulos!