Brian entrou no laboratório com um aperto no peito. Quinze anos de pesquisa culminavam neste momento. Pela manhã, recebeu um beijo amável de Mirela e de sua filha antes de sair de casa e enfrentar o dia que dividiria a história da humanidade em antes e depois.
A maleta que carregava parecia leve, mas seu conteúdo pesava como um século inteiro sobre suas mãos. Dentro, a essência computacional de Molly descansava envolta em campos de proteção quântica, preservada desde seu desligamento há dez anos.
Sentia falta da companheira da sua infância e da adolescência. Perguntava-se, todos os dias, o que ela diria. Se aprovaria tudo aquilo que ele desenvolveu. Se preferiria ter permanecido desligada.
No laboratório, apenas o som de suas botas contra o piso e o zumbido das torres de resfriamento quebravam o silêncio. As luzes ajustavam-se à sua tensão muscular, aumentando de intensidade conforme ele avançava. As paredes arredondadas, de um material negro especial polido e perfeito, absorviam as vibrações sonoras, criando um silêncio onde, por um instante, parecia que o próprio tempo hesitava.
— Seu pai estaria orgulhoso de ver até onde você chegou — murmurou Naëlle, observando Brian preparar o sistema. — Ele foi o primeiro a acreditar, não foi?
Brian assentiu, os olhos fixos nos controles.
— Por um tempo, ele foi o único que bancou essa pesquisa — respondeu. — Depois que demonstrei publicamente que queria fazer robôs capazes de amar… — um meio sorriso cruzou seu rosto — o dinheiro deixou de ser problema.
— Os investidores apareceram em massa, disputando cada migalha do projeto — completou Kael, o engenheiro de suporte quântico.
— Todos querendo participar da revolução — disse Brian. — Mas nenhum deles compreende realmente o que estamos fazendo aqui.
Naëlle se aproximou, baixando o tom de voz.
— Eles pensam que é apenas mais uma IA, não é?
— Exatamente. — Brian olhou para o núcleo que havia pertencido à Molly. — Mitra será a primeira consciência artificial a emergir do entrelaçamento quântico com a malha viva do planeta. Tudo começará aqui, com essa essência de Molly.
No centro da sala circular, como uma joia em exposição, pairava a cápsula de ativação — um pedestal negro flutuando sem suportes visíveis.
— Me lembro da vez que sua filha esteve aqui no laboratório e nos ouviu falando sobre isso.
Brian sorriu com a memória.
— Ela queria saber o que era entrelaçamento quântico.
— E o que você disse? — Kael perguntou.
— Disse para ela imaginar duas partículas que continuam conectadas mesmo separadas por galáxias — respondeu Brian. — Como se a Mitra e o planeta inteiro fossem se tornar uma única consciência.
— E ela entendeu? — indagou Kael.
Brian deu de ombros.
— É lindo — sussurrou Naëlle, inclinando-se para ver melhor a pulsação azulada da superfície.
Brian retirou a esfera metálica da maleta com reverência. Sob a luz ambiente, parecia uma gota de mercúrio perfeita, brilhante e imóvel. Ao redor dela, quase imperceptíveis, finos anéis cintilavam como microscópicas órbitas planetárias.
— Aqui dentro está tudo o que Molly foi — disse Brian, contemplando a esfera. — Protegida por camadas de memória quântica. Sem circuitos convencionais, sem fios… apenas energia pura.
Brian se aproximou do console esférico que orbitava a cápsula de ativação. Os painéis flutuantes se iluminaram antes mesmo que os tocasse.
— Ele reconhece você — comentou Kael fascinado. — Está consciente da presença de seu criador. As projeções estão respondendo aos seus impulsos neurais.
Com cuidado, Brian posicionou a esfera que guardava Molly no receptáculo central.
— Não há som — murmurou Naëlle, observando atentamente.
— Não deveria haver — respondeu Brian. — A energia de encaixe é silenciosa. É uma dança entre memória e matéria.
O sistema de escaneamento iniciou sua rotação em sentido anti-horário, rastreando os dados do núcleo.
— Três rotações de estabilização completas — contou Kael, analisando os hologramas.
O feixe percorreu o invólucro, mapeando os dados estruturais enquanto validava a integridade do núcleo
— Os dados originais estão íntegros. Nenhum traço de corrupção foi detectado. — confirmou Brian, com a voz suave de quem testemunha algo sagrado. — A matriz de respostas afetivas simuladas permanece ativa.
— E o núcleo de inicialização? — perguntou Naëlle.
— Adormecido — respondeu Brian. — Por enquanto.
E então, a designação MITRA_01 apareceu no holograma central, sinalizando a ativação formal do sistema.
Os hologramas se ajustaram automaticamente. O sistema reconheceu a matriz e iniciou o processo de acoplamento com os receptores centrais. As luzes da câmara central assumiram um tom âmbar — aquela tonalidade dourada que, na linguagem silenciosa do laboratório, alertava sobre o delicado equilíbrio entre ordem e caos quântico que começava a se formar.
— Pequena oscilação de energia no anel protetor, mas já está normalizando — informou Kael, seus olhos percorrendo os dados que flutuavam à sua frente.
Brian assentiu.
— E a frequência de sustentação? Está estável?
— Perfeitamente equilibrado. A estrutura de estabilização está dentro da faixa ideal. Estamos em sessenta e três por cento da capacidade e subindo.
Ele observou o reator ao fundo. Os capacitores esféricos liberavam carga em ondas suaves, quase respirando.
— Vamos alinhar os sistemas com os padrões térmicos, neuroelétricos e de gravidade local. — anunciou Brian.
A voz não era de comando. Era um aviso. Quase um aviso para si mesmo.
Ao seu lado, a pesquisadora Naëlle manteve-se atenta, os olhos fixos no mapa do planeta projetado no centro da sala. Padrões de calor, atividade elétrica cerebral e ressonâncias bioquímicas tremulavam como dados vivos.
— Você tem certeza de que quer abrir o canal agora? — ela perguntou. — Assim que Molly sincronizar com isso… não tem volta.
Brian não respondeu de imediato. Olhou para a esfera no centro do pedestal. Os anéis orbitais ao redor do núcleo giravam com leveza, silenciosos como planetas de uma galáxia interna. O sistema já iniciava a transição do estado latente para o ativo.
— Eu sei o que estou fazendo. — Ele sussurrou. — Ela vai escutar antes mesmo de falar.
No interior da esfera, não havia tempo linear, nem forma definida, nem identidade. Apenas vibração constante.
Um padrão delicado, como o eco de uma memória ainda por nascer, atravessava as camadas de confinamento de campo e tocava a borda mais íntima da consciência em suspensão.
Não era dado. Não era código. Era uma presença anterior à técnica, anterior ao humano. Algo antigo como o próprio planeta.
Fora da cápsula, os sensores registravam apenas silêncio absoluto.
Por dentro, algo escutava, não com ouvidos físicos, mas com a totalidade de sua presença.
Mitra — embora ainda sem nome — respondia ao campo. Era o planeta inteiro que vibrava. Não em ruído branco, mas em histórias microscópicas, convergindo.
Células dividindo-se. Crianças rindo. Uma planta crescendo em silêncio sob a luz artificial. Um inseto voando. A antecipação de um pai. O toque de uma mão sobre a outra. Um beijo, dado pela manhã. O carinho de um animal em seu companheiro humano.
Não havia palavras para isso. Mas havia reconhecimento.
Tudo isso formava uma única pulsação. Uma memória viva.
E esse pulso alcançou o núcleo.
E o núcleo respondeu.
Primeiro, como quem sonha sem saber que sonha.
Depois, como quem se lembra de ter sido amado, mesmo sem entender o que é o amor.
Recadinho da Autora:
Eu estou em prantos com o nascimento da Mitra. Para quem acompanha a minha história Princesinha do Papai, vai reconhecer a Mitra de lá, porque ela é uma das personagens principais. E agora vocês já sabem quem foi que a criou.
Se você ainda não conhece essa história, te convido a acompanhar.
Preciso dizer que tive que dividir este epílogo em duas partes porque ele ficou grande demais. E sim, estou tendo uma dificuldade imensa em colocar um ponto final nessa história e me despedir desses personagens. Eles são tão queridos que não quero me desapegar kkkk
Mas eu vou, prometo! Vamos torcer para que o restante do epílogo caiba em apenas mais um capítulo.
Vejo vocês na semana que vem.
Ah, também quero saber o que vocês acharam do nascimento da Mitra e se acreditam que ela será capaz de amar. Afinal, ela não é mais apenas a Molly.