Na manhã nublada de um dia qualquer de 1550, Christian e Caleb encontravam-se mais uma vez em uma nova cidade, cujas muralhas de pedra e telhados de palha pareciam tão desolados quanto os sentimentos que carregavam dentro de si. Christian olhava para o horizonte, onde as nuvens pesadas se acumulavam, refletindo a tempestade que ele sentia em seu interior. Era uma nova parada em sua jornada interminável, mas o peso do passado se tornava mais difÃcil de carregar a cada dia. A dor e a perda não se tornaram mais fáceis com o tempo; ao contrário, tornaram-se companheiras constantes. Caleb, embora ainda jovem em aparência, continuava a ser uma sombra do que poderia ter sido. Seus olhos negros, outrora cheios de vida e curiosidade, agora estavam opacos, uma superfÃcie calma que escondia um mar de inseguranças e medos. A expressão dele era como uma máscara de seriedade, uma armadura construÃda para resistir ao mundo que parecia sempre prestes a desmoronar ao seu redor.
Christian era forçado a encarar essa realidade: por mais que tentasse ser forte, era Caleb quem o mantinha de pé. Era o amor que sentia pelo filho, a necessidade de protegê-lo e a esperança de que um dia eles pudessem encontrar a paz que tanto almejavam. Mas esse amor também era uma corrente que o mantinha preso à dor, a lembrança incessante de suas perdas. Ele se esforçava para não transmitir sua ansiedade para Caleb, mas sabia que o garoto era um espelho de suas emoções, refletindo a tensão e a desconfiança que permeavam suas vidas. A rotina que haviam adotado tornara-se um ciclo vicioso. Eles vagavam de cidade em cidade, evitando qualquer conexão real com os habitantes locais. Christian, sempre em estado de alerta, reagia instintivamente ao menor gesto de simpatia, uma desconfiança que havia se tornado tão natural quanto respirar. Ele percebia que, ao longo dos anos, Caleb adquirira os mesmos hábitos defensivos, um reflexo do medo e da dor que compartilhavam. O garoto se esquivava de qualquer interação, sua postura retraÃda denunciando a crença de que ninguém poderia ser de confiança. Mesmo as palavras gentis ou um toque casual de um estranho eram suficientes para fazê-lo recuar, e Christian se sentia culpado por essa realidade.
Enquanto observavam o movimento nas ruas da cidade, Christian notou um grupo de crianças brincando e riu levemente, um som quase perdido em seu peito. Caleb, porém, não se juntou a eles, mantendo-se à margem, a expressão impassÃvel, como se um muro invisÃvel o separasse dos outros. A infância que deveria ser uma época de descoberta e alegria se transformara em um campo de batalha silencioso para ele, e isso partia o coração de Christian. O pai sabia que o tempo parecia passar de maneira diferente para eles. Ele próprio carregava a aparência de um homem maduro, com marcas de preocupação e tristeza que o tornavam mais velho do que era. Mas Caleb, com sua essência sobrenatural, parecia ainda ser a criança que era há um século. Essa diferença apenas acentuava a angústia de Christian, que temia o dia em que Caleb perceberia sua própria solidão e a inevitabilidade de seu destino. A cada novo lugar que exploravam, a vigilância de Christian se intensificava. Ele observava os rostos ao redor, buscando qualquer sinal de que poderiam ser ameaças. A cidade era um labirinto de estranhos, cada um carregando suas próprias histórias, muitas vezes entrelaçadas com dor e violência. Christian, ao mesmo tempo em que desprezava essa natureza destrutiva dos humanos, não podia ignorar que era necessário entender suas convenções para sobreviver.
Durante uma das transações em um mercado local, Christian notou um objeto que chamou sua atenção: um broche antigo, que parecia ter pertencido a uma era há muito esquecida. Ele sentiu um impulso irresistÃvel de comprá-lo, não apenas por seu valor monetário, mas pela conexão que sentiu com o passado. Era como se aquele pequeno artefato contivesse as memórias de um tempo em que ele ainda acreditava que poderia ser feliz, antes que a tragédia o consumisse. Enquanto examinava o broche, Caleb o observava com curiosidade, mas a expressão no rosto do garoto era de apreensão. “Você não acha que devemos nos afastar daqui, pai?†ele perguntou, seu tom grave. Christian olhou para o filho e viu a preocupação em seus olhos, um lembrete do quanto suas vidas eram frágeis e quão rapidamente poderiam mudar. “Sim, precisamos ser cuidadosos,†Christian respondeu, guardando o broche em sua bolsa. “Mas também precisamos sobreviver, Caleb. Esses objetos são nossa única forma de garantir nossa segurança.†Ele se sentiu culpado ao pronunciar essas palavras, ciente de que estavam cada vez mais distantes do que era considerado normal.
Após a transação, pai e filho deixaram o mercado, e Christian sentiu a pressão no peito aumentar. Ele estava preso em um ciclo sem fim, e a ideia de um futuro melhor parecia tão distante quanto os dias em que viviam em paz. O mundo estava mudando ao seu redor, e eles continuavam a se manter à sombra, afastados da vida e do amor que os outros compartilhavam. “Precisamos encontrar um lugar seguro para ficar,†Christian disse, determinado a continuar sua busca por um lar, mesmo que a ideia parecesse uma ilusão. “Um lugar onde possamos ficar por mais tempo.†Caleb assentiu, embora a dúvida ainda estivesse evidente em seu olhar. “E se não encontrarmos?†“Encontraremos,†Christian prometeu, mas, por dentro, ele sabia que essa resposta era tão frágil quanto o próprio tempo que os sustentava. Eles eram como folhas ao vento, sempre em movimento, sempre fugindo. E enquanto a vida continuava a se desdobrar ao seu redor, Christian se perguntava se algum dia encontrariam um porto seguro, um lugar onde pudessem deixar a dor para trás e começar de novo. Naquela noite, enquanto as estrelas começavam a aparecer no céu escuro, Christian segurou a mão de Caleb com firmeza. Mesmo em meio à incerteza, a conexão entre eles era o que ainda lhes dava esperança. Com a cabeça erguida, ele olhou para as constelações, como se buscasse respostas nas estrelas. Eles continuariam lutando, juntos, por um futuro que ainda não conheciam, mas que esperavam que fosse diferente do passado.
No ano de 1650, Christian e Caleb continuavam suas vidas errantes, cada dia se tornando uma repetição da luta anterior. As cidades por onde passavam se tornaram uma coleção de rostos, vozes e mercadorias, todas elas temporárias e efêmeras. O tempo, para Christian, era uma corrente que fluÃa silenciosamente, levando consigo as memórias e os sonhos que uma vez haviam nutrido. Ele não mais contava os anos; para ele, a vida era uma série de ciclos intermináveis. O mundo ao seu redor mudava com uma rapidez que muitas vezes deixava Christian perplexo. As inovações e os avanços da sociedade humana continuavam a desdobrar-se, enquanto ele e Caleb permaneciam à margem, incapazes de se conectar com a realidade que mudava rapidamente. Christian observava a transição das feiras medievais para mercados mais organizados, a ascensão do comércio e a invenção de novas tecnologias. Apesar disso, ele via que, no fundo, as fraquezas da humanidade permaneciam inalteradas. Naquela época, o caminho que escolheram se tornara mais sombrio. As cidades, antes vibrantes, agora eram repletas de desconfiança e medo. As histórias de bruxaria e perseguições pairavam no ar como um miasma, e qualquer um que fosse considerado diferente era rapidamente apontado como um alvo. Christian, com sua aparência intemporal e seus olhos que pareciam carregar séculos de dor, sabia que seria um dos primeiros a ser atacado. Ele se tornara um mestre em permanecer nas sombras, uma sombra que se movia entre os humanos como um espectro.
Caleb, por outro lado, estava se aproximando da pré-adolescência, embora sua aparência ainda fosse a de uma criança. A inocência que uma vez tinha agora era constantemente desafiada pelas realidades cruéis do mundo. Ele se tornara mais introspectivo e cauteloso, sempre à procura de sinais de perigo. O peso da desconfiança que seu pai carregava agora também se refletia nele. O garoto observava os outros com um olhar crÃtico, como se tentasse decifrar a natureza humana que o cercava. A cada nova cidade que visitavam, Christian tentava proporcionar a Caleb alguma forma de normalidade. Levava-o a mercados e festivais, onde as risadas e os gritos se misturavam ao cheiro de comida e à música vibrante. Mas mesmo nesses momentos, Caleb mantinha-se à distância, como se uma barreira invisÃvel o separasse do restante da humanidade. O pai se sentia impotente diante da dor que seu filho carregava, uma dor que ele mesmo havia contribuÃdo para criar.
Durante uma dessas visitas a uma feira, Christian encontrou um comerciante que vendia um amuleto peculiar. Era um colar adornado com uma pedra azul profunda, que parecia brilhar sob a luz do sol. AtraÃdo pelo objeto, Christian o adquiriu com um misto de nostalgia e esperança. Ele desejava que aquele amuleto trouxesse alguma proteção a Caleb, como um sÃmbolo de que ainda havia algo a ser defendido em suas vidas. “Pai, para que serve isso?†Caleb perguntou, olhando para o colar com um misto de curiosidade e desconfiança. “É um amuleto de proteção,†Christian respondeu, tentando transmitir segurança em sua voz. “Um sÃmbolo de que sempre estarei aqui para proteger você.†Caleb não disse nada, mas aceitou o presente com relutância, como se soubesse que o significado por trás dele era muito mais complexo do que uma simples proteção. Ele não queria ser uma carga para seu pai, mas também não sabia como se libertar da sombra que a tragédia havia lançado sobre suas vidas.
A medida que os dias se transformavam em semanas, e as semanas em meses, a natureza itinerante de suas vidas começou a pesar mais sobre Christian. Ele notou que as pessoas estavam cada vez mais em conflito, divididas por crenças e rivalidades. As guerras religiosas tornavam-se mais comuns, e os ecos da violência ressoavam nas ruas. Christian se sentia cada vez mais isolado, e o desprezo que tinha pelos humanos crescia como um veneno em seu coração. Enquanto isso, a conexão entre ele e Caleb se aprofundava. Ambos compreendiam que eram as únicas constantes na vida um do outro, e essa compreensão lhes dava um senso de propósito em meio ao caos. Nos momentos em que a vida parecia insuportável, eles encontravam consolo na presença um do outro. Christian ensinava a Caleb tudo o que sabia sobre sobrevivência, astúcia e, acima de tudo, sobre o valor da empatia em um mundo que parecia estar perdendo a capacidade de amar. Porém, mesmo com essa relação fortalecida, Christian estava consciente de que o mundo ao redor deles continuava a se transformar em algo mais sombrio. A cada cidade, ele percebia que o tempo não era apenas uma medida de passagem, mas também um indÃcio de que seus segredos poderiam, em algum momento, ser revelados. Ele precisava proteger Caleb a qualquer custo, e esse impulso o tornava ainda mais vigilante.
As noites eram momentos de reflexão, onde Christian se permitia sonhar com um futuro diferente. Em sua mente, ele imaginava um lugar onde poderiam finalmente se estabelecer, longe da desconfiança e do medo. Um lar onde Caleb pudesse crescer livre de traumas, em um mundo que aceitasse suas peculiaridades. Mas, à medida que essas esperanças se desenrolavam, uma sombra de incerteza sempre o seguia. Era uma crença quase desesperada de que, se mantivessem seus corações abertos, talvez pudessem encontrar o que buscavam. Assim, Christian e Caleb continuaram suas vidas, navegando pelas incertezas de um mundo que se tornava cada vez mais hostil. E enquanto o tempo avançava, eles se agarravam um ao outro, determinados a sobreviver, não apenas como fugitivos, mas como uma famÃlia, por mais que essa definição parecesse distante de suas realidades.
No ano de 1750, Eros e Demétrio encontravam-se em um mundo que mudara de maneiras que nem mesmo seus séculos de existência poderiam prever. A Europa estava mergulhada nas tensões da Revolução Industrial, enquanto o sangue quente dos humanos pulsava nas veias das cidades que cresciam rapidamente. Entre fábricas fumacentas e o clamor da mudança social, Eros, o vampiro de pele pálida e olhos brilhantes, e Demétrio, o lobisomem de força avassaladora e pelo negro como a noite, continuavam sua dança tumultuada de amor e ódio. A relação entre os dois era uma tempestade incontrolável, um ciclo interminável de paixões exaltadas e desentendimentos cruéis. O amor que compartilhavam era tão intenso quanto devastador, um fogo que queimava com uma ferocidade que os tornava inseparáveis e, ao mesmo tempo, os arrastava para a destruição. Eros era a personificação do desejo: sedutor, ágil e sempre pronto para se aproveitar da vulnerabilidade de Demétrio. Já Demétrio, por outro lado, era a força bruta, a tempestade que se formava nos olhos de Eros, capaz de amá-lo com uma devoção cega, mas também de confrontá-lo com a ferocidade de um animal selvagem quando sentia que estava sendo desafiado.
Ambos compartilhavam um profundo desprezo pelos humanos, uma aversão que se tornara a única constante em suas vidas. Para eles, os humanos eram criaturas insignificantes, repletas de fraquezas e irracionalidades que faziam seu sangue ferver. As guerras e os conflitos que permeavam a sociedade os divertiam de certa forma, pois mostravam como a destruição era inerente à natureza humana. Eros e Demétrio costumavam observar as atrocidades cometidas por aqueles que se consideravam superiores, rindo de seu próprio poder, que os tornava imunes à futilidade dos mortais. A relação deles, embora cheia de amor e luxúria, frequentemente os conduzia a extremos de raiva e ciúmes. Em noites silenciosas, sob a luz da lua, eles se encontravam em sua propriedade isolada, um castelo que resistira ao tempo e à s tempestades da história. Ali, cercados por árvores antigas e uma densa neblina, o ambiente refletia a turbulência de seu amor. Eros, com seu charme inegável, tentava acalmar Demétrio quando a raiva se avolumava, mas essa mesma raiva frequentemente se tornava um combustÃvel para a paixão desenfreada que os unia.
“Você sempre se aproveita do meu lado mais vulnerável, Eros,†Demétrio resmungou em uma noite de primavera, enquanto as flores começavam a florescer ao redor do castelo. Ele estava em pé, em sua forma humana, o olhar penetrante e carregado de emoção. “E você sempre se deixa levar por suas emoções descontroladas,†Eros respondeu, seus olhos cintilando com a luz da lua. Ele se aproximou, envolvendo os braços em torno do pescoço de Demétrio, seus lábios a poucos centÃmetros dos dele. “Mas você sabe que não consigo resistir a isso. É a sua fúria que me atrai.†A tensão entre eles era palpável, uma linha tênue entre a raiva e a paixão. Demétrio puxou Eros para mais perto, suas vozes baixas e carregadas de intensidade, criando uma bolha que os isolava do mundo exterior. O desejo e o desprezo dançavam em um equilÃbrio delicado, cada toque um desafio, cada sussurro uma provocação. “Você não pode me ter apenas quando quer,†Demétrio sussurrou, a frustração ressoando em sua voz. “Eu não sou uma mera peça em seu jogo.†“E você não consegue resistir a mim,†Eros respondeu, um sorriso de satisfação cruzando seus lábios. “Essa é a nossa maldição. Somos feitos um para o outro, mesmo quando tentamos nos destruir.†E assim, a noite se desenrolou entre eles, uma mistura de palavras afiadas e beijos ardentes. Era um ciclo que se repetia, uma dança contÃnua de amor e ódio, e eles sabiam que, mesmo que a luta fosse constante, o que os unia era mais forte do que qualquer desentendimento. Eles eram uma força da natureza, indomáveis e eternos, ligados por um vÃnculo que resistia à passagem do tempo. Com o passar dos anos, as cidades se tornaram cada vez mais apinhadas, e a humanidade, em sua busca por progresso, parecia ignorar os gritos dos que estavam à margem. Eros e Demétrio, à medida que vagavam por essas paisagens em transformação, tornaram-se cada vez mais conscientes de seu papel no mundo. Eram criaturas de uma era passada, mas sua existência continuava a ser uma luta entre o amor e o desprezo.
Por mais de 1700 anos, eles construÃram uma história de devotamento e conflito, marcada por cicatrizes que nunca cicatrizariam completamente. No entanto, era essa intensidade que lhes permitia enfrentar a eternidade juntos. O ódio que sentiam pelos humanos, embora uma constante em suas vidas, também se tornava uma fonte de união, uma razão para se manterem próximos em um mundo que não os aceitava. E assim, enquanto o mundo mudava ao seu redor, Eros e Demétrio continuavam a dançar entre a luxúria e a fúria, entre o amor e o ódio, eternamente entrelaçados em uma jornada que transcendeu o tempo.
Em 1850, Caspian havia encontrado um lar nas vastas e selvagens paisagens da Escócia. Era um lugar onde as colinas se erguiam em ondulações majestosas e os vales eram adornados com lagos cristalinos. A bruma que pairava sobre a terra era uma extensão de sua própria essência, envolvendo-o em um manto de tranquilidade. Ele se tornara a própria compreensão da natureza, um espÃrito errante que caminhava entre o humano e o animal. Caspian havia se adaptado ao ambiente, encontrando conforto na solidão das montanhas e nos sussurros das árvores. Sua alma se entrelaçava com a dos lobos brancos que habitavam a região, criaturas majestosas que simbolizavam sua conexão com o mundo natural. Em noites claras, ele costumava sentar-se nas rochas, observando o céu estrelado, enquanto os uivos dos lobos ecoavam ao longe, como se estivessem chamando-o para se juntar a eles. Ele entendia suas dores, seus anseios, e, de certa forma, eles se tornaram seus aliados espirituais.
Com o passar dos anos, Caspian desenvolveu uma compreensão profunda da vida selvagem. Ele se tornou um guardião das florestas e montanhas, um defensor dos que não podiam se defender. Suas habilidades de comunicação com os lobos eram quase telepáticas; ele poderia sentir suas emoções e se conectar com seu instinto primal. Os lobos, por sua vez, o aceitavam como um deles, reconhecendo sua alma inquieta e sua busca por pertencimento. Enquanto isso, o mundo ao seu redor estava mudando rapidamente. As cidades estavam se expandindo, e a Revolução Industrial estava começando a deixar sua marca na Escócia. Caspian frequentemente se afastava das áreas urbanas, sentindo-se sufocado pela fumaça e pelo ruÃdo. Ele percebia a destruição que a humanidade trazia à natureza, um ciclo de exploração que o feria profundamente. Os lobos também estavam em perigo, suas terras sendo invadidas por humanos em busca de recursos e espaço. Caspian se tornara um viajante solitário, mas suas jornadas eram mais do que simples caminhadas. Ele carregava a responsabilidade de proteger aqueles que não podiam se proteger. Em um mundo em que a ganância e a ambição dominavam, ele se tornava um eco da sabedoria ancestral, buscando harmonia entre a humanidade e a natureza. Em suas noites solitárias, Caspian se permitia sonhar. Ele sonhava com um mundo onde humanos e criaturas coexistissem em paz, onde a natureza não fosse vista como um recurso, mas como um lar sagrado. E, mesmo que esses sonhos parecessem distantes, ele os mantinha vivos em seu coração, pois sabia que a esperança era uma chama que nunca deveria se apagar.
No entanto, sua conexão com os lobos não era apenas espiritual. Ele também sentia o peso da solidão. A presença dos lobos era um conforto, mas a ausência de companheirismo humano o fazia se sentir ainda mais isolado. Caspian desejava alguém que entendesse sua luta, alguém com quem pudesse compartilhar suas esperanças e medos. Ele sentia falta de um elo, uma conexão que transcende o entendimento comum. Assim, enquanto o mundo em torno dele avançava para uma nova era, Caspian permanecia firme em sua missão. Ele era um guardião da natureza, um espÃrito errante que dançava entre os lobos brancos e a beleza crua da Escócia. E mesmo em meio à solidão, ele continuava a acreditar que, em algum lugar, sua verdadeira conexão aguardava, talvez tão perdida quanto ele, mas ainda assim à sua espera.
Em 1950, a sombra da Primeira e Segunda Guerra Mundial ainda pairava sobre o mundo, e Christian se viu enfrentando a realidade como uma tempestade, trazendo consigo a mesma onda de destruição e desespero. As feridas da guerra anterior mal haviam cicatrizado, e ele, como sempre, observava com um olhar cético e desgostoso, sentindo o peso da amargura aumentar em seu peito. Christian passara pelos horrores do conflito humano com uma dureza adquirida ao longo de séculos. Ele havia visto impérios se erguerem e caÃrem, e a incessante brutalidade da humanidade o deixara em estado de alerta constante. A vida entre os humanos, mesmo que nas sombras, tornara-se uma maldição que ele suportava apenas para garantir a segurança de Caleb. O garoto, agora na pré-adolescência, crescia ao seu lado, mantendo a aparência de um jovem, mas com a sabedoria de alguém que viveu muito mais do que seus anos permitiriam. A guerra não era apenas uma luta pela sobrevivência; era um monstro que devorava tudo em seu caminho. Christian, em sua busca por abrigo, viu-se obrigado a estabelecer contatos e alianças, mas esses laços eram tão frágeis quanto as esperanças dos homens que os formavam. Ele conhecia bem o preço da confiança, e a experiência lhe ensinara que os humanos podiam ser tanto aliados quanto inimigos, muitas vezes em um mesmo instante. Os poucos que ele permitia entrar em seu cÃrculo eram arrancados de sua vida com a mesma facilidade com que folhas eram levadas pelo vento, perdidos para o horror da guerra.
Nos raros momentos em que se permitia uma aparição, Christian se escondia em ambientes onde podia observar sem ser notado, movendo-se com a agilidade de um predador. Ele utilizava seus poderes, a visão aguçada e o olfato de lobo, para evitar riscos, como um espectro nas sombras. Quando necessário, não hesitava em usar a brutalidade calculada para arrancar informações ou proteção, mas essas ocasiões eram raras. A guerra, tão colossal e absurda, quase ofuscava a presença de qualquer lenda, e Christian e Caleb se adaptavam, mantendo-se à margem dos campos de batalha. Para sobreviver a esse pesadelo, Christian contou com sua vasta experiência, envolvendo-se o mÃnimo necessário para obter abrigo, alimento e informações. Eles vagavam por pequenas vilas e regiões rurais da Europa, onde os ecos da guerra eram abafados pelo silêncio da natureza. A tranquilidade dessas áreas temporárias era um consolo, mas mesmo ali, a guerra os seguia, uma sombra ameaçadora que não se afastava.
Caleb, agora mais consciente do mundo ao seu redor, sentia a pressão do tempo e a urgência de entender seu próprio destino. O garoto, que até então estivera protegido pelo pai, começou a questionar o propósito de suas vidas, a natureza do seu ser, e a incessante dor que acompanhava cada passo que davam. Em conversas sussurradas à luz da lua, ele compartilhava suas inquietações com Christian, que, embora tentasse acalmá-lo, também lutava contra seus próprios demônios. A presença da guerra tornava a situação ainda mais complicada. A cada novo dia, Christian observava o ciclo de destruição se repetir, sabendo que a humanidade continuaria se destruindo, mesmo após o fim do conflito atual. A brutalidade que se desenrolava diante de seus olhos era uma lembrança constante do que eles eram: criaturas que haviam sido forjadas na dor e na luta, tentando encontrar um lugar no mundo. Assim, pai e filho continuaram sua jornada, como fantasmas vagando por um mundo em chamas, a conexão entre eles mais forte do que nunca, enquanto as cicatrizes do passado se tornavam parte de sua identidade. O amor que compartilhavam era um porto seguro em meio ao caos, e, mesmo que a guerra continuasse a rugir ao seu redor, eles se mantinham juntos, determinados a enfrentar o futuro incerto que os aguardava.
Com o passar dos séculos e o avanço inexorável da humanidade, criaturas sobrenaturais como os lobisomens tornaram-se lendas quase esquecidas, figuras raras que se desvaneciam na história. Sob o domÃnio humano, a tecnologia progrediu, as cidades se expandiram, e a natureza selvagem foi domada. Christian, acostumado a viver nas sombras, começou a perceber um silêncio crescente em seu entorno. Encontrar outro lobisomem ou qualquer criatura sobrenatural tornou-se uma tarefa quase impossÃvel. Ele e Caleb pareciam vagar sozinhos, como os últimos vestÃgios de uma era esquecida, enquanto o mundo ao seu redor se transformava incessantemente. À medida que o tempo avançava e as criaturas da noite pareciam desaparecer, Christian alimentava o temor de que ele e Caleb fossem os últimos de sua espécie, condenados a uma solidão irreversÃvel.
No entanto, enquanto Christian acreditava estar isolado, do outro lado do mundo, Demétrio Rodrigues lutava por sua sobrevivência, movido por uma força brutal e resiliente. Demétrio, implacável e adaptável, atravessou o caos da Primeira Guerra Mundial com uma astúcia e uma frieza extraordinárias. Ele observava o conflito com olhos afiados, atraÃdo pela força destrutiva e pela precisão das armas que moldavam o cenário bélico. Sem hesitar em se envolver, aprendeu a utilizar as ferramentas dos humanos, absorvendo como as armas modernas se tornavam extensões do poder de um ser sobrenatural. O gosto de Demétrio pelas armas se transformou em uma paixão visceral, uma extensão de sua natureza letal e estratégica. Ele se viu cercado pelo caos dos campos de batalha, e a brutalidade daquele perÃodo alimentou seu amor pela artilharia, pela meticulosidade de cada tiro. Estudou rifles, pistolas e até metralhadoras, compreendendo o funcionamento de cada mecanismo, aprimorando-se na arte de causar morte com eficiência. Em meio ao estrondo ensurdecedor dos canhões e ao odor acre da pólvora, Demétrio forjou um novo propósito em sua vida: sobreviver a qualquer custo, adaptando-se e evoluindo, mesmo em um mundo onde sua espécie estava à beira da extinção.
Demétrio sobreviveu à Primeira Guerra Mundial como uma força implacável, um predador disfarçado de soldado, temido e respeitado por aqueles que o conheciam. Enquanto Christian se escondia nas sombras, Demétrio abraçava a guerra, utilizando-a como um campo de treinamento. Se Christian acreditava ser um dos últimos de sua espécie, Demétrio era a prova viva de que a linhagem dos lobisomens não estava totalmente extinta; em vez disso, havia se adaptado e se tornado resiliente, preparado para persistir em um mundo cada vez mais hostil. Após perder sua alcateia e os poucos laços que lhe proporcionavam um senso de famÃlia, Demétrio renunciou a qualquer vÃnculo duradouro ou sentimento de pertencimento. Ele se afastou dos lobos e das ideias de liderança ou unidade, convencido de que a solidão lhe garantiria poder e liberdade. Para ele, humanos tornaram-se meros instrumentos de satisfação, procurados apenas para satisfazer seus desejos, especialmente com mulheres, mas sempre de forma temporária. Depois de uma noite de prazer, ele as deixava, sem olhar para trás, desprovido de qualquer remorso ou apego.
Com o passar dos anos, essa frieza apenas se intensificou. Em sua essência sombria, Demétrio abraçou a brutalidade e a eficiência, sem hesitar em despedaçar qualquer humano que ousasse atravessar seu caminho. Ele os destruÃa com uma facilidade letal, tratando-os como se fossem tão descartáveis quanto folhas ao vento. Quando a fome de sua fera despertava, ele os devorava, mas sempre com plena consciência. Demétrio dominava sua natureza bestial com uma precisão impecável. Ele não era consumido pela escuridão — ele era a própria escuridão, controlando-a com uma frieza calculista que o distinguia de qualquer outro ser. A pelagem de seu lobo, de um negro absoluto, refletia o abismo de sua alma, mas ele nunca perdia o controle. Embora sua aparência transmitisse a ideia de um monstro desgovernado, Demétrio era uma máquina de destruição perfeitamente disciplinada. Seus instintos ferozes nunca o superavam; ele permitia que sua bestialidade aflorasse apenas quando e como desejava, com uma precisão quase militar. Mesmo imerso em sua escuridão, ele nunca sucumbiu a ela. Demétrio utilizava sua força brutal com total domÃnio, tornando-se uma força implacável, eternamente ciente de seu poder e da frieza que o mantinha invencÃvel. A brisa fria da noite balançava as árvores ao redor enquanto Demétrio se sentava em uma pedra, limpando calmamente sua arma. Os anos o haviam transformado, e sua fascinação por armas humanas era apenas um dos muitos sinais de como sua alma havia se endurecido. Ele deslizava o pano pela arma, como quem limpa uma joia, quase hipnotizado pelo aço e seu brilho letal, quando uma sombra elegante e indomável surgiu ao seu lado: Eros.
“Você encontrou Christian ou Caspian?†Demétrio não desviou o olhar da arma, mas sua voz ressoou carregada de uma indiferença perigosa. “Não. Christian desapareceu. Já fazem seiscentos anos desde que o vi pela última vez. Ele deve estar morto.†“Oh, ele não está morto. Se estivesse, meus lacaios saberiam. Ele ainda está vivo, escondido em algum lugar por aÃ,†insistiu Eros, com uma ponta de saudade em sua voz. “Bom para ele,†respondeu Demétrio, com frieza. Eros observou o amigo de longa data com um olhar cheio de preocupação, um sentimento raro em sua expressão. "Oh, Demi, o que aconteceu com você? Você está quase tão frio quanto eu." Sem hesitar, Demétrio virou sua arma para Eros, apontando-a diretamente para ele. Os olhos de Eros brilharam, e, embora o projétil jamais tivesse o poder de feri-lo, o ato foi um golpe inesperado e doloroso para o vampiro. Ele manteve-se impassÃvel, mas sua voz se aprofundou em um tom sombrio. “Não aponte essa coisa repugnante e humana para mim.†“Armas são… hipnotizantes.†A voz de Demétrio tinha um tom distante, como se a ideia de destruição contida naquele objeto de metal fosse a única coisa que o interessasse. “Você nunca mais foi o mesmo depois daquele dia, Demi,†murmurou Eros, observando-o intensamente. “Perder seus amigos foi um golpe duro, não é?†Demétrio apertou o gatilho, sem disparar. Ele abaixou a arma lentamente, mas seu rosto endurecido refletia a dor enterrada sob camadas de ódio. “Desapareça da minha frente, Eros. Eu nunca vou te perdoar por não estar lá naquela noite.†Eros se aproximou, um brilho sombrio em seus olhos. “Eu não tive culpa, foram os humanos que feriram vocês, não eu.†“Então continue com seus joguinhos e destruindo humanos como sempre fez. Eu não me importo.†A voz de Demétrio era um sussurro frio, distante, mas mortal. “Oh, meu lobo, a escuridão dominou completamente seu coração.†Demétrio o encarou com um olhar vazio, um sorriso sombrio e perigoso se formando. “Sim,†murmurou, olhando para a arma em suas mãos como se fosse uma extensão dele. “Talvez eu tenha finalmente me rendido a ela.â€
O quarto estava envolto na suave luz da lua, que filtrava-se pela janela e projetava sombras longas nas paredes. O ar ainda exibia o perfume denso de um encontro apaixonado, enquanto o silêncio era interrompido apenas pelo estalo do isqueiro de Demétrio ao acender um cigarro. Ele se levantou da cama, seu rosto impassÃvel. Eros o observava, com um olhar profundo e atento. Demétrio evitava o contato visual, puxando a fumaça do cigarro e soltando-a com desdém. A distância entre eles era palpável, um abismo repleto de séculos e de uma escuridão cultivada com precisão. “Desde quando você faz amor comigo e nem sequer olha nos meus olhos?†A voz de Eros cortou o silêncio, carregada de algo além da habitual frieza. Demétrio não respondeu de imediato, apenas tragava novamente, mantendo o olhar fixo em um ponto distante da sala. “Cale-se, Eros. Você só veio atrás de prazer, e é isso que eu te dei. Não é suficiente?â€
Eros se aproximou, deslizando pela cama até estar mais próximo, os olhos azuis brilhando com um toque de provocação e uma profundidade que ele raramente mostrava. “Oh, Demi… você realmente acredita que é apenas o prazer que me traz aqui? Que eu não poderia encontrar outra pessoa para satisfazer essas necessidades?†Demétrio soltou uma risada seca, apagando o cigarro no cinzeiro próximo e voltando-se para Eros com um olhar calculista, quase desinteressado. “Então por que continua a vir até mim?†Eros o estudou, sem perder a calma. “Talvez,†começou Demétrio, quebrando o silêncio com uma ironia amarga. “Talvez seja apenas nostalgia.†Um sorriso sombrio e ligeiramente triste apareceu nos lábios de Eros, mas ele não respondeu. A verdade pairava entre eles, pesada e enraizada em séculos de cumplicidade e destruição compartilhada. Demétrio tornara-se frio e distante, sua alma tão endurecida que nem mesmo os desejos insaciáveis de Eros conseguiam mais tocá-lo. E, no entanto, de tempos em tempos, ambos se buscavam, uma chama que jamais se apagava, mas que ardia lenta e inabalavelmente na vastidão escura de suas eternidades. Enquanto as batalhas da Primeira Guerra devastavam campos e cidades, Caspian buscava refúgio nas florestas densas e intocadas, afastando-se cada vez mais do caos humano. Ele se encontrava entre os lobos, seres que, como ele, eram guiados por um instinto profundo e uma conexão inabalável com a natureza. Movendo-se na noite como um deles, imitando seus rituais, ele compreendia cada movimento e cada olhar, como se fossem palavras trocadas em uma conversa silenciosa.
Caspian não via nos humanos o que via nos lobos: uma pureza primordial, uma harmonia que ele buscava incansavelmente em si mesmo. Ao contrário de Christian, que enxergava os homens apenas como uma ameaça, e de Demétrio, que explorava a violência humana como um reflexo de sua própria força e escuridão, Caspian encontrava no afastamento uma oportunidade de alcançar algo maior. Reverenciava os lobos como mestres, entendendo que, livres de ambição e violência egoÃsta, eles carregavam uma sabedoria simples e profunda. Eram fortes, astutos, leais e silenciosos, vivendo em equilÃbrio, movendo-se como sombras na floresta, alheios aos conflitos que consumiam o mundo.
Ele aprendeu a linguagem dos lobos, não como uma troca verbal, mas como um entendimento profundo dos sinais que permeavam suas existências. Cada gesto, cada som, transmitia uma mensagem, um conhecimento que Caspian absorvia com humildade e respeito. Com o passar dos séculos, tornava-se mais espiritual, cada vez mais em harmonia com a natureza e com seu próprio lado bestial, domando-o até que estivesse completamente sob controle. Sua jornada não era marcada pela vingança ou pela busca de poder, mas pela paz interior que encontrou no silêncio das florestas, em cada olhar trocado com um lobo e no equilÃbrio invisÃvel da natureza. Caspian compreendeu que o caminho da violência ou da solidão amarga dos humanos não era o seu. Sua jornada era uma de equilÃbrio e serenidade. Ele se tornava um espÃrito das florestas, um guardião que caminhava entre os vivos e os ancestrais, absorvendo a sabedoria de eras antigas e usando-a para manter sua alma intacta, mesmo enquanto o mundo ao seu redor se consumia em guerras e destruição.
Era uma noite gélida e silenciosa nas ruÃnas de uma cidade devastada pela guerra na Europa, durante o auge da Segunda Guerra Mundial. Sob a luz fraca de uma lua parcialmente oculta por nuvens e pela fumaça da destruição, duas silhuetas sombrias se destacavam entre os escombros e fragmentos de um mundo em colapso. Caspian e Demétrio, lobisomens cujas histórias entrelaçadas haviam sobrevivido a séculos de conflitos e solidão, se encaravam, com um abismo de experiências entre eles. Caspian foi o primeiro a se aproximar, observando Demétrio com um olhar respeitoso, como se ainda enxergasse nele a força de um alfa. Ele inclinou a cabeça levemente, um gesto sutil, mas carregado de reverência. “Alfa,†cumprimentou, a palavra impregnada de respeito e admiração que o tempo não havia apagado. Demétrio sorriu, mas o sorriso era frio, desprovido de calor. Havia algo sombrio e resignado em seu olhar. “Não, Caspian, eu não sou mais alfa de nada, nem de ninguém,†respondeu, sua voz baixa e pesada. “Deixei essa ideia para trás há muito tempo. Agora, sou apenas um sobrevivente.â€
Os dois se encararam, refletindo os contrastes de suas jornadas. Caspian, com seu olhar sereno e profundo, parecia um sábio das florestas, emanando a aura de quem conhecia segredos antigos. Demétrio, em contrapartida, exalava a intensidade de uma fera ferida, um guerreiro endurecido que havia se afundado na violência como em um remédio amargo. “O que você tem feito, Caspian?†perguntou Demétrio, com um toque de ceticismo na voz, mas também com uma curiosidade genuÃna. Caspian baixou o olhar, passando a mão pelos restos de um mural antigo, agora desbotado pela guerra. “Foquei no meu lado espiritual, buscando um equilÃbrio que os humanos perderam há muito. Me escondi entre as florestas, entre os lobos, aprendendo a ouvir as vozes da natureza, a domar minha própria besta.†Ele pausou, observando Demétrio com compaixão. “A guerra… não tem mais poder sobre mim.†Demétrio soltou uma risada seca, quase cÃnica, enquanto se virava para os sons distantes de bombas e tiros que preenchiam a noite como um coro fúnebre. “Eu, por outro lado,†começou, com o olhar brilhando com uma intensidade quase insana, “mergulhei na destruição, Caspian. A Primeira Guerra… e agora esta, me mostraram o que a humanidade realmente é. E, talvez, o que eu também sou.†Ele observou as mãos calejadas e manchadas, marcadas por batalhas intermináveis. “Elas me moldaram de maneiras indescritÃveis, me tornaram… mais frio. Sou a própria escuridão que temem. E eu controlo isso.â€
Caspian o observou em silêncio, com um semblante calmo, mas sem julgamentos. “Essa destruição te mudou, Demétrio,†disse suavemente. “Acho que, no fim, a guerra nos transforma. Mas ainda há algo em você que resiste, que busca algo além da dor e da violência.†Demétrio franziu o cenho, desviando o olhar. “Talvez. Ou talvez eu apenas aceitei que a paz não é para mim, Caspian. E que não há redenção para o que fiz e farei.†Ele fechou as mãos em punho, a ferocidade que queimava em sua alma ainda pulsante. “E você? Vai continuar fugindo da realidade, vivendo em florestas enquanto o mundo queima?†Caspian sorriu levemente. “Não estou fugindo, Demétrio. Estou exatamente onde escolhi estar, onde posso fazer algo… mesmo que seja apenas preservar um pouco de sanidade neste caos.†Demétrio o encarou, em silêncio, como se tentasse entender aquele espÃrito que ainda resistia à destruição, ainda se recusava a ser corrompido pela escuridão ao seu redor. “Você sempre foi mais teimoso do que eu, Caspian. Mas, quem sabe… talvez sua teimosia seja o que mantém algo de valor neste mundo.†Com essa última troca de olhares, eles se separaram novamente, cada um seguindo seu próprio caminho entre sombras e ruÃnas.
No ano de 1990, Christian estava debruçado sobre um bolo de aniversário que preparara para seu filho, Caleb. A pequena cabana onde moravam estava cercada de caixas cheias de artefatos antigos que Christian coletara ao longo dos séculos. Esses objetos eram responsáveis não apenas pelo sustento dos dois, mas também pela habilidade de Christian de mudar de identidade sempre que necessário, utilizando documentos falsos para se camuflar no mundo humano. Caleb, agora um pré-adolescente, observava o bolo decorado com velas enquanto se perguntava sobre a peculiaridade de sua existência. “Por que eu não envelheço como os humanos?†ele perguntou, seus olhos refletindo a luz das velas. Christian levantou a cabeça, um sorriso melancólico no rosto. “Somos lobisomens, Caleb. Temos a maldita eternidade,†respondeu, sua voz carregada de uma sabedoria acumulada ao longo de séculos. O jovem suspirou, refletindo sobre o peso dessa eternidade. “E isso é bom ou ruim, papai?†“Depende de como você vê as coisas,†Christian respondeu, olhando ao redor da cabana, repleta de memórias e relÃquias. “A eternidade pode ser um fardo, mas também é uma oportunidade de aprender e crescer. E sempre há espaço para criar novos começos.â€
Caleb franziu o cenho. “Onde você vai, papai?†“Vou me encontrar com um vampiro que vai me entregar minha nova identidade falsa,†Christian disse, levantando-se e ajeitando a gravata antes de pegar uma pasta com documentos. “Que nome idiota você escolheu dessa vez?†Caleb perguntou, tentando aliviar a tensão da conversa. “Taishou Seiji,†Christian respondeu, um toque de diversão em sua voz. “Taishou? Você não poderia escolher algo mais comum?†Caleb brincou, rindo. “Comum é chato,†Christian disse com um sorriso. “E além do mais, nunca se sabe quando você pode precisar de um nome que soe exótico.†Caleb balançou a cabeça, sorrindo. “Se você diz, papai. Só espero que esse Taishou seja menos complicado que alguns dos outros nomes.†Christian riu e bateu levemente no ombro do filho. “A vida é complicada, Caleb. Mas lembre-se, você sempre pode contar comigo. Agora, vá acender as velas. É o seu dia, e precisamos celebrar!†Caleb assentiu, sentindo uma mistura de alegria e reflexão ao olhar para o bolo que seu pai fizera com tanto carinho. Ele sabia que, apesar das dificuldades da vida imortal, tinha um pai que sempre o apoiaria, não importa quantas identidades ele adotasse ao longo dos anos. E com um suspiro profundo, ele fez seu pedido, envolvendo-se no calor do momento.
Caleb fechou os olhos, inclinando-se sobre o bolo, as velas tremulando com a brisa suave da manhã. Ele respirou fundo, permitindo que o desejo mais profundo de seu coração emergisse em sua mente. Com um sussurro quase imperceptÃvel, ele fez seu pedido: poder ver sua mãe, mesmo que fosse apenas uma vez mais. A luz das velas refletia em seu rosto, e ao abrir os olhos, um misto de esperança e tristeza iluminava seu olhar. Ele se virou para Christian, que observava a cena com um sorriso suave, embora uma sombra de preocupação cruzasse seu rosto. “O que você pediu?†Christian perguntou, tentando manter um tom casual que não traÃsse a tensão que sentia por dentro. Caleb hesitou por um momento, as palavras se formando em sua mente, pesadas e sinceras. “Pedi... para ver a mamãe de novo.†As palavras pairaram no ar, e o silêncio que se seguiu parecia denso e perturbador. Christian sentiu uma onda de memórias invadir sua mente, levando-o de volta ao passado. Ele se lembrou de Catarine, de seu sorriso radiante e do jeito como seu cabelo esvoaçava ao vento. A presença dela iluminava seus dias, mas a dor de sua perda ainda o assombrava, mesmo após todos esses anos. O desejo expresso por Caleb apenas acentuava a dor que ele próprio carregava, um eco do vazio deixado por sua amada.
Christian se perdeu em seus próprios pensamentos por um instante, a realidade da ausência de Catarine tornando-se um peso mais difÃcil de suportar. Ele não tinha respostas para as perguntas de Caleb e sentia a impotência de não poder oferecer esperança. O que significava ver a mãe que ele havia perdido? Seria um consolo ou apenas uma lembrança dolorosa? “Caleb,†ele finalmente disse, sua voz baixa e carregada de emoção. “Sinto muito. Eu também desejo isso. Mas… você sabe que isso não acontecerá.†O olhar de Caleb buscou conforto no rosto do pai, notando a tristeza refletida nos olhos de Christian. “Eu só sinto falta dela, papai,†Caleb murmurou, a voz embargada. “Às vezes, eu apenas gostaria de ouvir a voz dela, sentir seu abraço.†Christian deu um passo à frente, colocando uma mão firme no ombro do filho. “Eu entendo, filho. E isso não é algo que você deve enfrentar sozinho. Estamos juntos nessa. Sempre. Nunca se esqueça disso.â€
Nesse momento, o bolo e as velas pareciam distantes. O desejo de Caleb transcendia a celebração do aniversário, mergulhando em um anseio profundo por conexão e amor. E enquanto os dois compartilhavam aquele momento de vulnerabilidade, Christian fez uma promessa silenciosa a si mesmo: proteger Caleb de toda a dor que ele mesmo enfrentara, mesmo que o passado continuasse a assombrá-los. Após o breve silêncio, Christian lembrou-se de que era hora de se preparar para sua próxima identidade, mas a conversa com Caleb permanecia em sua mente. A conexão entre pai e filho era mais forte do que qualquer desejo. Ele prometeu a si mesmo que faria de tudo para apoiar Caleb, não importa quão complexa fosse a vida que levavam juntos.