Enquanto ligava os equipamentos e deixava que os sistemas fossem inicializados, Bryan ia explicando o seu funcionamento, em termos que Anthony conseguisse entender:
– Não vou ficar te explicando as equações nem os conceitos fÃsicos por trás da coisa; isso envolve mecânica quântica, quasipartÃculas, buracos de elétrons, e vai ser uma perda de tempo te explicar como funciona o Universo. Para o seu nÃvel de compreensão, basta que eu te diga que consegui um jeito de controlar tudo isso. Aqui – disse, mostrando os diversos alto-falantes instalados em volta da cadeira – eu gero uma frequência de onda que vai penetrar no seu cérebro... você sabe... algumas frequências de onda conseguem isso, como os raios-X e as ondas cósmicas...
– Sim, claro... Ondas cósmicas, né? Tô ligado – Anthony só queria que tudo aquilo terminasse logo.
– ... Então – prosseguiu Bryan, como se falasse sozinho – essas ondas irão sincronizar o seu cérebro com todo o sistema. Esse é o primeiro passo. Tire a camisa e deite aqui.
Anthony tirou a camisa, já ressabiado com a quantidade de fiozinhos que Bryan pretendia espetar nele. Deitou-se na cadeira do dentista com a tensão à flor da pele, como se sua vida estivesse em risco iminente, como se... bem, como a gente se sente quando deita em uma cadeira de dentista. Bryan começou a passar o gel condutor e a colar os terminais:
– A maioria dessas coisinhas que estou ligando em você serve só pra monitorar os seus sinais vitais. Fique tranquilo, você não corre perigo nenhum. Eu sempre tive todo o cuidado do mundo porque, como costumo fazer os meus experimentos sozinho, sempre precisava de monitoramento autômato. Não tinha ninguém pra me socorrer caso alguma coisa desse errado, então todos os sistemas acoplados desativam a máquina e me trazem à consciência caso eu atinja algum estado crÃtico. – Bryan percebeu o pavor nos olhos de Anthony e sorriu – Fique tranquilo, isso não acontece mais.
Checou os sinais num monitor, e continuou a explicação:
– O segundo passo é sincronizar seus batimentos cardÃacos. São eles quem definem “para que lado†iremos, passado ou futuro, e “quanto iremos andarâ€, em ciclos de tempo. Um ciclo de tempo equivale a 2,025837 anos por tempo de pulso... – novamente, olhou para o rosto incrédulo do amigo e reiterou – mais ou menos dois anos para cada aumento ou diminuição da pulsação do metrônomo. Isso quer dizer que, quanto mais lento for a pulsação do metrônomo, mais lenta será a sua pulsação cardÃaca, e mais distante, para o passado, você voltará no tempo anterior ao seu nascimento.
Apontou em um monitor a frequência cardÃaca e continuou:
– Veja, seu coração agora está a 135 bpm. Você está nervoso, então é melhor se acalmar um pouco. Mas se eu regular o metrônomo para, digamos, 115 bpm, em alguns instantes seu coração estará nessa pulsação, e você estará conscientemente no ano de... Quando foi que você nasceu, mesmo?
– 1985, Bryan. – respondeu Anthony – Temos a mesma idade, esqueceu?
– Ah, ok, 1985. Então você volta para 1945. Não é uma época muito boa pra se voltar, mas enfim, serve de exemplo. O dia e hora exato eu ainda não consegui ajustar, porque isso envolveria ajustar um “tempo entre os 115 bmp e 116 bpmâ€, e nosso metrônomo só anda de um em um. Mas, para viagens curtas, isso não passa de algumas semanas em relação a hoje. Agora, aqui eu defino onde você vai estar.
Era uma tela do Google Maps.
– Como você conseguiu enfiar o Google Maps nessa história toda?
– Na verdade, eu só usei a interface dele. O local escolhido no Google Maps corresponde a um local fÃsico no planeta, que tem um magnetismo especÃfico por causa da distância entre os pólos da Terra. Então, meu sistema calcula e converte isso pra mim. Fica mais fácil escolher através dessa interface. Então vou te mandar para a Alemanha de Hitler, ok? Ah, e aqui eu defino quanto tempo você ficará por lá. Vou te deixar explorar o ambiente por, digamos... trinta minutos? Acho que está bom para começar.
– AAAAAAAAAAAIIIIII! – Anthony sentiu uma picada na parte de cima da mão direita – O que foi isso???
– É um soro. E tem algumas coisinhas para alterar um pouco o seu metabolismo. Fica tranquilo.
Bryan ligou todas as máquinas.
– Agora é só esperar você dormir, enquanto as válvulas esquentam. – disse Bryan.
– Válvulas? Isso funciona com... válvulas?
E, diante do novo olhar de terror do amigo, Bryan complementou:
– Ah, qual é... É um sistema de ondas sonoras, eu sou um guitarrista... Claro que tinha que ser valvulado... ou você acha que eu ia usar um ampli vagabundo?

Estava em uma sala, a porta aberta mostrava um corredor do lado de fora. Havia cheiro de pólvora no ar. Não parecia haver ninguém na sala, embora, pelos ruÃdos, houvesse pessoas por perto. Os escombros de um edifÃcio antigo podiam ser vistos pela janela. Sobre a mesa, papéis escritos em alemão – Anthony sabia que era alemão, embora não entendesse quase nada do que estava escrito. Canetas antigas, embora de aparência nova e sem uso, estavam no porta-canetas logo à frente dos papéis.
De repente, ouviu um som de passos ficar cada vez mais alto. Precisava se esconder. Correu para trás de um grande armário, ao lado da janela, mas percebeu que não caberia ali. Olhou para trás, em direção à porta, e não teve tempo de fazer mais nada: um homem entrou na sala e foi direto para a cadeira, atrás da mesa.
Não pareceu perceber a presença de Anthony. Também não deu ouvidos para o que Anthony tentou balbuciar – “desculpe, eu... eu...â€. Na verdade, era como se Anthony fosse invisÃvel. Anthony olhou para baixo, para o próprio corpo. Ele era mesmo invisÃvel!... Meu Deus! Que diabo de droga o maluco do Bryan havia injetado no seu corpo?
Triiiiiiim... Triiiiiiiiim...
Um telefone bem antigo, daqueles pretos com disco, tocou. O homem atendeu, falou alguma coisa em alemão e, depois de desligar, juntou alguns papéis e reclinou-se na cadeira, a analisá-los.
Anthony se sentiu em uma realidade virtual – mas muito real para ser virtual. Tentou observar a rua lá fora. Tudo parecia, de certa forma, pacato e tranquilo; pessoas andavam pela larga rua em trajes sóbrios, um leve barulho de árvores farfalhando ao longe, por trás da grande praça de chão de pedras, onde erguia-se, majestosa, uma estátua de alguém cujo nome, no patamar, Anthony não conseguia ler. Ao fundo, o edifÃcio completamente destruÃdo era a única coisa a sugerir que estava em um paÃs em guerra. Isso, e o cheiro de pólvora que, levemente, pairava no ar.
Anthony conseguia perceber a maioria dos sinais sensoriais: o cheiro, a luminosidade, os sons... até mesmo o vento batendo no seu rosto – ou no lugar onde deveria estar o seu rosto. Tentou mover as mãos. Sentiu os músculos responderem normalmente, embora não pudesse ver mão alguma e não conseguisse efetivamente “segurar†nada. Tentou bater o pé no chão. Novamente, a mesma sensação de contato, mas nenhuma interação com o ambiente. Tentou gritar, e pôde sentir o ar esvaziar os seus pulmões, e pôde ouvir seu grito em alto e bom som, e pôde sentir a garganta arranhando, embora o homem à sua frente permanecesse indiferente a tudo isso.

Quando Anthony acordou do transe, Bryan estava sentado em uma cadeira com um Tablet nas mãos:
– Não se levante, continue com a cabeça apoiada na cadeira. Isso vai te dar uma dor de cabeça horrorosa se você levantar. E vá voltando, devagar, no seu tempo... relaxa.
Trinta minutos se passaram. Anthony ainda estava com a cabeça encostada, e girando, e tentava processar tudo. Sentia-se um pouco lento, confuso e indefeso. Decidiu dar tempo ao tempo e esperar a zonzeira passar, enquanto Bryan se ocupava em retirar toda a tralha que estava no seu corpo e o libertar daquelas coisas esquisitas. Depois que terminou de desligar tudo, Bryan o chamou de volta:
– Pronto, agora já pode levantar a cabeça devagar... Vá abrindo e fechando as mãos... E a� Como foi a experiência?
– Surreal. – disse Anthony, depois de alguns segundos – Que sonho esquisito! O que você me deu naquele soro?
– Sonho, sei... – Bryan parecia se divertir – Te dei uma anestesia leve, pra facilitar o processo e evitar que você se debatesse e tirasse os eletrodos do lugar. E alguns reagentes. Nada demais. E o que você viu nesse seu “sonho�
– Um funcionário alemão... uma cidade antiga, com uma praça de pedra e um monumento, e uma construção demolida ao fundo... Acho que essa sua história de “Vou te mandar para a Alemanha nazista†me condicionou, e por autossugestão, acabei sonhando com isso...
– Sério? Então tudo o que você sonhou deve fazer parte do mundo da fantasia, e nada daquilo que você viu deve ter relação com a realidade, certo? – perguntou Bryan – Senão, como explicar que você tenha sonhado com coisas que existem, sem ter o menor conhecimento de que elas existiam?
É, não daria pra explicar, mesmo, mas, como era apenas uma pergunta retórica, Bryan não esperou que o amigo respondesse:
– Então, essas imagens do edifÃcio em ruÃnas, que devem se parecer exatamente com o que você viu lá, também deve ser coisa da cabeça do Tablet, certo? E essa estátua, e esse rapaz da foto também, e tudo o mais que você viu...
Bryan entregou o Tablet com as imagens. Era lá. Ele havia estado ali há poucos instantes. Havia visto o homem da foto. Anthony sentiu o estômago embrulhar na mesma hora. Não podia ser possÃvel.
– Você esteve na praça Neumarkt, em frente à Frauenkirche, a Igreja de Nossa Senhora, em Dresden. Nesse seu “sonhoâ€, ela havia sido bombardeada há poucas semanas. Ela permaneceu assim até os anos 2000, quando conseguiram reconstrui-la. A estátua que você viu é de Martinho Lutero. E o homem que você conheceu chamava-se Ernst Kaltenbrunner, e trabalhava para o Partido Nazista. Foi morto após condenação no Tribunal de Nuremberg. – Bryan complementou, triunfante – Agora é você quem tem que encontrar uma explicação plausÃvel para tudo isso, e tentar desmentir o que acabou de vivenciar.