Prólogo experimental de uma história sem título ~ Autoria: Keirani Sabashi.

Este prólogo experimental, narrado em 1° pessoa, conta os últimos momentos antes da morte da narradora — desconhecida até o momento — os objetivos da autora era iniciar uma longa narrativa inspirada em um documentário criminal.

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Durante uma fria tarde de agosto, meu corpo foi enterrado dentro de um caixão de madeira improvisado. Não chovia nem havia qualquer ventania. O sol brilhava tanto que eu podia enxergar seu brilho através das frestas da tampa, presa por pregos enferrujados. De repente a descida acabou. Um solavanco aconteceu e peso começou a ser jogado em cima de mim… terra. Eu podia sentir o ar se esvaindo do meu interior a cada grito desesperado pela ajuda que nunca viria.


Meus familiares não viriam. Talvez uma minhoca qualquer respondesse às minhas tentativas falhas e entrasse pelo meu ouvido para tentar ajudar.


Não demorou muito para que, em meio aos meus gritos, eu ouvisse os últimos passos do coveiro se afastando do buraco improvisado no quintal da chácara. Um som de metal surgiu: a pá, que havia sido usada para me desmaiar em outro dia, estava sendo guardada.


Continuei a gritar com a força que me restava, implorando para que ele me deixasse viver em troca de qualquer coisa. Perderia um membro se fosse necessário… apenas não queria morrer. Teria aceitado que minhas mãos fossem arrancadas, apenas queria sobreviver e ir para casa.


Meus dedos sem unhas tentaram arranhar a madeira em desespero. Com as costas da mão, bati o máximo possível enquanto via sangue escorrer das feridas que sequer haviam cicatrizado. A dor era insignificante a cada puxada de ar para permanecer viva.


Eu não sairia. Mesmo assim, me movi de todas as formas, na esperança de que algo acontecesse.


Estúpida… mas e se conseguisse? O que faria? Havia terra sobre mim. Provavelmente morreria com um inseto saindo pelo meu ouvido ou entrando por outros orifícios.


Em semanas, ninguém jamais escutou meus gritos por aquele meio de mato. Não seria agora que eu receberia qualquer ajuda.


De repente, me cansei de gritar. Nenhum ar seria suficiente para que eu resistisse. Sentia meus pulmões doerem. Felizmente, as pernas — que não tinham movimento desde que tentei escapar — não doíam.


Lágrimas escorriam pelo meu rosto. Soluços desesperados e rezas que eu nunca aprendi direito saíam da minha boca da forma mais errada possível. Será que Deus veria a intenção e teria piedade? Por que me deixar apodrecer dessa forma? Por que me colocar nessa situação desde aquele dia em que deixei Sua casa?


Aos poucos, senti a necessidade de respirar aumentar. A dor se intensificava nos ossos e na pele; eu não tinha nenhum músculo para doer. Estava sem comer há alguns dias, vivendo apenas à base de água e da ração do gato do homem que me largou aqui.


Minha noção de tempo se esgotou com o período que passei naquele cômodo minúsculo após a última tentativa de fuga pela mata. Tudo o que eu tinha era um plano malfeito e desorganizado: correria pelas árvores até alcançar a estrada e começaria a gritar por ajuda para a primeira pessoa que visse… mas minhas pernas foram quebradas sem que eu alcançasse a avenida. Fui pega ainda na floresta por nunca ter esperado encontrar muros em vez de uma cerca pulável.


Uma pontada de dor percorreu o resto do meu corpo, lembrando-me fortemente de que fui abordada a poucos metros da saída da igreja. Por quê?


Ele planejou cada dia até minha ruína. Não fui um acaso.


Quando eu pequei? Onde errei? Deveria ter aprendido aquelas rezas que me traziam sono?


Aquela pontada foi a última. Logo depois, fechei os olhos ao cruzar os braços. Se eu não fui suficiente na terra, teria que aceitar queimar no inferno como se jamais tivesse sido fiel.


Comentários
Avatar de Sami Souza
Sami Souza
1 week ago
Nss... Parece tão verdadeiro quanto deveria ser
Avatar de Indie Swan
Indie Swan
1 week ago
A cada linha eu arregalei mais os olhos