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Ativo Escritor e Poeta

Simbionte
Ovo de Simbionte
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luscaluiz @luscaluiz

"LITURGIA"

p/ o poeta João Filho

Ensina-me a rezar como tu rezas,
com a graça constante de uma música,
que zela por primor e nos reserva
um lugar na mesa junto à Musa.

Vela tanto a oração quanto a canção,
para juntos forjarmos harmonia,
selar o dito pelo coração
a louvar ao Pai por outro dia...

Erijo ao rosário meus ruídos,
pra elipsar minhas falhas de sentido
e afinar o meu espírito neste rio...

Nos é voz de Gabriel que anuncia:
o Verbo nas águas da poesia,
a nos restaurar a vida no estio.

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luscaluiz @luscaluiz

"O QUE (NÃO) CABE NO POEMA"

A máxima “no poema tudo cabe” circula com frequência nos ambientes literários e nas redes sociais, e a princípio soa libertadora. Mas o que parece afirmação de abertura pode, se não for bem compreendida, lançar a poesia no terreno da dispersão e da confusão conceitual. Sim, é verdade que toda experiência humana pode, em potência, ser convertida em matéria poética — da cena cotidiana à revelação metafísica, do banal ao sagrado. Mas isso não equivale a dizer que qualquer conjunto de palavras dispostas em versos, com quebras artificiais e alguma ênfase emocional, possa ser chamado de poesia.

Dizer que “tudo cabe no poema” é esquecer que a poesia não é um recipiente passivo, mas uma forma viva. E toda forma impõe limites, ainda que móveis. O poeta não é um transcritor do mundo, mas alguém que o reorganiza pela linguagem. Busca uma forma justa, necessária, que revele o invisível contido no real. Isso requer precisão, escuta, elaboração. Não apenas impulso ou expressão espontânea.

O erro recorrente que observo, sobretudo na produção online, está na suposição de que a simples disposição do texto em verso já confere legitimidade poética à escrita. É o fetiche do corte de linha. Colocam-se palavras em fileiras verticais, estrofes soltas, frases vagamente emotivas, e se publica com a alcunha de poesia. Há ali, muitas vezes, sinceridade, desejo de dizer algo, mas falta o essencial: a transfiguração pela linguagem. A maioria desses textos não ultrapassa o campo da intenção.

Por outro lado, é igualmente ilusório acreditar que a forma fixa por si só — rimas, métricas, estrofes regulares — possa garantir a qualidade poética. A rigidez formal sem pulsação interior produz apenas caricatura de poesia, uma engenharia de superfície. O poema, mesmo quando metrificado, precisa nascer da tensão entre contenção e impulso, entre música e silêncio. A forma deve ser conquistada, não colada como molde.

É nesse ponto que o verso livre exige ainda mais responsabilidade formal. Ao abdicar dos contornos visíveis da métrica ou da rima, o poeta assume o desafio de criar sua própria ordem interna. Não se trata de escrever livremente, mas de encontrar um ritmo necessário. Um campo de forças entre as palavras, um equilíbrio que só se revela a quem escuta profundamente a linguagem. O verso livre, quando bem realizado, é filho da escuta, não da licença.

Durante minha formação, senti falta de uma mediação crítica que me ajudasse a distinguir entre intenção e realização, entre afeto e elaboração. Foi isso que me levou, anos depois, a tentar oferecer essa mediação a outros. Não como autoridade, mas como alguém que também está a caminho, e que confia na tradição como aliada. Não como prisão, mas como ferramenta.

Poesia não é tudo.
Poesia é tudo que passa pelo fogo da linguagem e se transfigura.

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luscaluiz @luscaluiz

"TROVAS"

xvi.
Nem sempre acerta-se a mão,
há dias de forças inertes;
tudo, porém, é lição
— numa semente se verte…

xvii.
A história é circular
bem sabia o Eclesiastes
tudo tem de retornar
sob as vestes de outras artes…

xviii.
A nossa lida diária
é única eternidade,
a vida é uno e vária:
arquétipo da Trindade.

xix.
Experimento... Comprimo...
Corto... Dou nova ordem... Risco...
O verso mais cristalino
é em regra o mais arisco.

xx.
A boa alma arrependida
é a mais bela oração:
nada há de mais belo em vida
que uma grave confissão…

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luscaluiz @luscaluiz

"A FORMA COMO RESPONSABILIDADE DO POETA"

Vivemos num tempo em que a poesia parece ter se emancipado de toda exigência de forma.
Escreve-se qualquer coisa, de qualquer modo, e chama-se isso de poema.
Mas essa liberdade, celebrada como conquista, tem custado caro à própria arte poética.

O que define uma obra de arte?

E o que os poetas precisam aprender com os outros artistas?

No vídeo “O que é uma obra de arte?”, Olavo de Carvalho apresenta seis critérios fundamentais para distinguir uma obra de arte de uma simples intenção expressiva.

Em resumo:

1. A obra de arte possui acabamento – é uma forma finalizada;

2. Essa forma é sensível – pode ser apreendida por um dos sentidos;

3. A obra não apenas tem uma forma: ela consiste numa forma;

4. A forma é a finalidade, não um meio para transmitir uma mensagem;

5. O conteúdo sugerido é irrelevante sem a forma que o realiza;

6. A arte não é uma declaração de valores – ela cria formas que os contêm.

Esses critérios restabelecem o núcleo do que foi perdido na poesia contemporânea: a responsabilidade formal.
E essa responsabilidade se amplia quando olhamos para outras artes.

O que os poetas podem aprender com os outros artistas?

No artigo “O que os poetas podem aprender com os outros artistas?”, Brian Belancieri mostra como o ofício do poeta se empobrece quando se isola da disciplina que rege o trabalho de um músico, de um dançarino, de um ator ou de um cozinheiro.

Todos esses artistas partem de um fundamento comum: o domínio técnico e a dedicação ao acabamento.

Belancieri afirma que a arte é levada adiante pelos “mestres do ofício”, aqueles que mantêm sua produção nos limites da excelência, que educam pela forma e que preservam a arte como legado humano.
O poeta, portanto, não é isento:
tem o dever de escrever bem, de elevar a linguagem e de cultivar a memória viva da poesia.

É nesse ponto que as palavras de Brian ganham peso pedagógico:

> “Um pintor que erra a perspectiva está acabado.
Uma orquestra que desafina não se apresenta duas vezes.
Um escultor inapto não engana ninguém.
Mas, com poesia, parece que tudo é permitido.”

A que se deve essa permissividade?

Talvez ao fato de que o erro na poesia não grita –
ele se esconde.
Ou melhor, é escondido por quem o comete, sob o pretexto do subjetivismo.

Mas esse autoengano é fatal.
Porque o leitor não é responsável por completar a obra.
Quem escreve precisa entregar a forma: precisa alcançar, não apenas sugerir.

Assim, uma obra de arte se justifica pela sua forma final,
não pela emoção que motivou sua criação.
A forma é a instância objetiva onde a poesia se realiza.
Fora disso, tudo é rascunho.

Referências

– Carvalho, Olavo de. O que é uma obra de arte?

Vídeo no YouTube. Disponível em:



– Belancieri, Brian. O que os poetas podem aprender com os outros artistas?

Newsletter Substack. Disponível em:

https://open.substack.com/pub/brianbelancieri/p/o-que-os-poetas-podem-aprender-com-f14?utm_source=share&utm_medium=android&r=1hgj6g

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luscaluiz @luscaluiz

A escrita se dá na síntese, na capacidade de condensar o máximo de sentidos naquilo que se compõe. Isso não está necessariamente ligado à extensão da obra, mas ao uso preciso das palavras essenciais para transmitir ideias ou sentimentos de forma que nada sobre nem falte — que a leitura gere plena satisfação. É a busca incessante pela mot juste, como diria Flaubert, o compromisso com a palavra exata.

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Quem lê poesia com a mesma abordagem da prosa dificilmente alcança sua essência. O ritmo, a musicalidade e as camadas de significado se diluem, tornando difícil entender o encanto que a poesia provoca. Sua força está menos no conteúdo direto e mais na forma sutil como as palavras sugerem e despertam sensações.

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"TROVAS"

xi.
O passado permanece
como narrativa — nada
é novo quando se esquece
a nossa condição atada...

xii.
Não se pode ser as cousas
ao nosso próprio gosto
— seu futuro só repousa
onde o espírito está posto...

xiii.
A imaginação é essa
centelha a nos vincular
com o divino – professa
lições a nos religar...

xiv.
Pensar de forma ritmada,
– sete sílabas constantes –
ressoa ao peito, agrada,
transparece no semblante.

xv.

(p/ meus sobrinhos)

Nesses outros olhos vejo
minha meninice inteira,
como num breve lampejo
principia-se a videira...

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luscaluiz @luscaluiz

"TROVAS"

vii.
Quintana com os seus versos
de belezas fantasmais,
diz-nos de modos diversos:
só mistérios são reais...

viii.
Bandeira em vossa ternura
legou a lição em desatino:
quando a vida estiver dura,
dancemos tango argentino.

ix.
A vida é penitência,
que o sublime bem prediz
– aquilo que há em potência
é a nossa real raiz...

x.
Em suas mitologias,
Borges instiga os intintos,
ensina que em um só dia
carregamos labirintos.

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"HAIKAIS"

i.
a primeira luz
pela fresta da manhã
— incita vida

ii.
à minha janela
anunciando a manhã
— pousa o beija-flor

iii.
Pássaros cantam
o sol folia nos rastros
derrama alvorada

iv.
o dia amanhece
— ouvir o canto das aves
também é orar

v.
na esteira do pássaro
pulsa a trombeta dourada
raia a paz do sábado

vi.
Pássaros no fio
Avô tosse corta a grama
– Orquestra do sol.

vii.
Vestígios da lua
poça reflete a roça
– três sapos na rua.

viii.
Os causos mineiros
vigia o lobisomem
– alguém pede sal.

ix.
Mesmo à distância
a natureza alumia
– ascende o verso.

x.
Trabalha a criança:
refaz castelos de areia
com o que imagina.

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"TROVAS"

i.
Da Vida brota mais vida,
essa é a grande lei:
na semente está contida
toda a fagulha do Rei.

ii.
A flor rebenta em si, impera,
dá sementes sobre o leito...
O que sou desde sempr'era
de alguma forma no peito.

iii.
É preciso praticar
sempre a justa contenção:
domesticar nosso olhar,
pra falar o coração.

iv.
Fecha-se no mesmo instante,
a vida é este agora:
fortalece-se no seu antes,
mas difere no que aflora.

v.
A dor tem função arquetípica,
nos ensina a valorar
o lado bom dessa vida
– isso que há de perdurar...

vi.
A beleza traz em si
a potencialidade:
todo gosto que há de vir,
rebentada a eternidade...

TROVA CÍNICA

A língua a dizer amor,
sofre em tom comprometido:
pois herdamos seu sabor
mais sarcástico que ungido.

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luscaluiz @luscaluiz

A poesia, em sua materialidade enquanto poema, não se resume a ser apenas "expressão dos sentimentos"; ela é a construção consciente de imagens, sons e ideias que transcendem a mera subjetividade, buscando estabelecer um diálogo sensorial e intelectual com o leitor, ancorado em linguagem, forma e intenção estética.

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luscaluiz @luscaluiz

A poesia se constrói por meio de imagens, enquanto a narrativa se desenrola através de ações. Isso porque o cerne dos sentimentos humanos é inefável, inalcançável em sua totalidade. Só é possível aproximar-se deles, e é nesse ponto que entram as imagens e as ações. A matéria-prima do escritor não são os sentimentos em si, mas a experiência humana concreta. Nesse sentido, ambos criam uma conexão por meio da atmosfera que o autor constrói com diversos recursos técnicos, capaz de evocar sentimentos análogos nos leitores. Daí surge a polissemia, que ressoa em cada indivíduo conforme suas próprias vivências.

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Depois de quase quinze anos postando versos pela internet — a maioria não tão bons, claro —, tive uma sensação crescente: o único lugar realmente palpável para os poemas são os livros.
Por mais que existam sites específicos de literatura, blogs e redes sociais, nada disso consegue abarcar a experiência completa da leitura de uma boa poesia.
Há sempre um buraco aberto, causado pela própria dinâmica do meio, essa necessidade constante de sobreposição, essa sanha sedenta por novidade.
Se o poema é aquilo que permanece, então essa parece uma conclusão inevitável.

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O trabalho criativo é isso: abrir as frases, experimentar sinônimos, testar combinações.
A palavra certa não surge de primeira.
É tentativa, erro e escuta.

Criar é sair do abstrato e cavar até o específico.
Cada frase é uma escavação: não se inventa, se descobre.
Lapida-se até que soe inevitável

"A luz morria no horizonte."

Você pode cavoucar a frase inteira.
Luz pode virar claridade, fulgor, ouro, laranja, incêndio, esperança.
Morria pode virar se apagava, desfazia, dissolvia, declinava, afundava.
Horizonte pode ser linha tênue, boca do mundo, fim da tarde, mar distante, pálpebra do tempo.

Daí nasce:
“O fio de ouro se desfazia na boca da noite.”

A mesma ideia, mas agora com outra textura.
Mais simbólica, mais sensorial, mais poética.
Escrever é isso: escavar até encontrar o que já estava lá, esperando ser dito.

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Ser escritor consiste em: ter algo a dizer; criar associações entre temas aparentemente díspares, de modo que aquilo — latente e invisível — ganhe forma diante de todos, traçando um liame de significados até então ignorados. É dominar a forma escolhida para transmitir o conteúdo, de modo que ela também se integre à unidade pretendida, tornando-se, ao mesmo tempo, meio e mensagem.

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Quando se afirma que é impossível ensinar alguém a escrever bem, isso se relaciona com o amadurecimento pessoal e o autoconhecimento. Trata-se da capacidade de captar as latências invisíveis em cada aspecto — mesmo nos mais banais e aparentemente fúteis da rotina — e transformá-los em peças autênticas, dignas de contemplação. É, de fato, salvar o instante, como já foi dito por alguém. Alçá-lo ao perene, pois algo só existe quando é contemplado.

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"CÂNTICO"

para Adélia Prado

As respostas cruciais encontram-se
circunscritas nas costelas
do primeiro homem.
A Palavra é única e permanece,
talha o barro sob o sinete,
entre o desejo de compreensão
e o mistério que nos escapa:
eis os dias — um campo à luz quarando,
sempre o mesmo, sempre novo,
aos olhos de quem canta.

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"O GOL POR EXCELÊNCIA"

Da sombra de Charles Miller, sua imagem
pictórica, gizou-se tantos perfis,
contornos a formar página e colagem:
rascunho que o sonho deste gol prediz.

Clodoaldo dribla um, dribla dois... Na tela,
o epílogo da festa verde e amarela.

Peleja, progride, pensa, e num flamejo,
Pelé por linha cálida, abre em crisálida;
traceja o campo no límpido lampejo:

Carlos Alberto assina o quadro em trivela

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"SONETO I"

A rima e a estrofe, feito a vida, Pietro
nem sempre poderão serem perfeitas
— condensam-se certas sementes em metros
juntas pelas leis às quais estão sujeitas.
Eis muitos dos caminhos do mistério
solvendo-se pelo pulso em harmonia,
dando forma definida até ao etéreo,
cumprindo-se desde o Éden a profecia.
Nada temos — e precisamente este
é o nosso tesouro desde a aurora:
àquilo que canhestro nos reveste
pra glorificar a Deus todas as horas.
Será recompensado quem suporta
— foi dito: Deus cria o certo em linhas tortas.

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O que é um verso?

O verso é uma unidade rítmica-psicológica: não apenas uma linha de sílabas ou palavras dispostas de forma arbitrária, mas um campo de efeitos — condensação dos sentidos, cadência, tensão, imagem e ressonância.

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"A INTERSECÇÃO ARTÍSTICA"

Durante um longo período, consumi conteúdo de forma passiva em busca de construir um repertório mais vasto, que me permitisse, aos poucos, expressar uma perspectiva mais substancial e autêntica sobre a realidade — ir além da simples manifestação de emoções imediatas.

É verdade que essa escolha corre o risco de tornar a escrita cerebral demais, artificiosa; e fui acusado disso mais de uma vez. Ainda assim, preferi seguir esse caminho para evitar um erro comum entre escritores autodidatas: tornar-se apenas eloquente, com um rebuscamento vazio. Por exemplo, considero a palavra “deveras” pomposa demais. Não consigo imaginá-la sendo usada naturalmente numa conversa informal entre amigos, onde a vida de fato acontece. Se não posso utilizá-la nesses contextos, prefiro deixá-la de fora também das minhas composições.

Tenho refletido sobre a escrita desde o momento em que compreendi que ela é uma comunhão, algo que se expande para além de uma simples digressão individual. A partir dessa compreensão, passei a tratá-la como um ofício: o ofício literário. Já me acusaram de ser rígido, metódico, até burocrático, mas recebo esses adjetivos com serenidade, pois aprendi a enxergar a escrita sob duas perspectivas: a de quem a produz e a de quem a vivifica; ou seja, o leitor.

Borges, em seu ensaio O Livro, afirma que “um livro tem de ir além da intenção do seu autor”, e, para mim, é nesse ponto que reside todo o mistério e beleza da literatura. O que torna a leitura uma experiência transcendente é precisamente essa tensão entre os sentidos imaginados pelo autor e as significações que o leitor projeta, baseadas em sua própria vivência — afetos, leituras, conhecimento. A arte, então, nasce dessa interseção. Embora a materialidade da obra seja fundamental, pois é por meio dela que apreendemos o objeto artístico, é o leitor quem lhe concede vida; o livro, por si só, permanece inerte.

Este exemplo sintetiza o argumento inicial: não fosse o esforço de compreender mais a fundo os variados temas que, em simbiose, formam um artista, talvez ainda carregasse certa ilusão romântica sobre o ofício. Nem tanto ao céu, nem tanto à terra; se o pêndulo pender mais para um lado que para o outro, o leitor perceberá com facilidade.

Entre o corpo que sente e a mente que escreve, procuro um estilo que não traia nem a vida nem o pensamento. Que o rigor não separe a escrita da realidade, e que o lirismo não a dissolva em confissão. Se a palavra não nasce da convivência com o mundo, talvez devesse calar-se.

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AO ESPELHO

Eu não pretendo ser muita coisa. Quero dizer, socialmente falando. Hoje, o meu desejo é apenas conhecer-me cada vez melhor, compreender quais são as minhas falhas mais gritantes e tentar corrigi-las dentro do possível. Ou seja, ser mais próximo da versão que Deus sonhou ao presentear-me com o sopro da vida.

Tenho falhado repetidamente — tropeço na pedra no meio do caminho. E tenho plena consciência de que são erros gritantes. Não abrirei a vocês meu diário para não escandalizá-los. Sei como são limpos todos os perfis maquiados na internet. Eu, qual Fernando Pessoa, não conheço quem tome porrada na vida.

Mas, quando falo dos meus próprios defeitos, corro sempre o risco de cair no autoengano, de listá-los dentro de uma idealização criada pela necessidade de aparentar qualquer coisa além do que sou no meio social, e, assim, ser aceito. Quero dizer: até as falhas podem ser menos monumentais do que imagino. Talvez tudo seja tão monótono, medíocre (na acepção do termo), que eu tenha medo de olhar no espelho e aceitar-me assim: comum. O mais comum dos homens.

Essa guerra entre a necessidade de criar uma persona poética, um ar de escritor — vestir-me como escritor, postar-me como escritor, ter aparência de escritor —, tudo para ser aceito pelo público, e ser um ser humano normal, aproveitando das suas experiências reais para torná-las matéria-prima de uma obra cuja substância exista... Essa guerra me consome. A questão que me assombra dia e noite é: quero audiência ou construir uma carreira sólida? E mais: ambos são autoexcludentes?

O Lucas real procrastina mais do que deveria, depende das redes sociais mais do que gostaria e tem a vida social distante da sonhada. Anseia as coisas do alto, tem grandes insights de vez em quando, mas a maior parte do tempo vive é ao rés do chão.

Talvez a salvação — se é que existe uma — esteja em viver o chão sem vergonha. Em escrever não para sustentar um personagem, mas para descobrir o que ainda pulsa quando todas as máscaras caem. Não é fama que redime. É a verdade.