“Flutuando” novamente, parto em busca da casa de Dona Inês. Realmente, a casa não ficava muito longe dali, ficava em um bairro próximo ao centro da cidade, uma região mais humilde, chego à frente do número 991, o pátio é cercado por uma grade de ferro de meio metro de altura, pintada de branco, um caminho de azulejos vermelhos levam até a escadaria de três degraus que dão acesso uma porta branca, a casa tem paredes de madeira pintadas em azul, a volta dela, no pátio, há um jardim com flores e uma pequena horta com algumas verduras como radichi, couve, salsa e cebolinha verde.
Fico parado na frente da casa, lembrando que na ânsia de vir logo, eu não perguntei para Sálvio como que faria para falar com ela, fico na dúvida se entro ou se volto ao centro espírita. Decido entrar, primeiro para ver se ela está em casa, chego até a porta faço menção de bater, mas minha mão atravessam a porta. “Bom”, penso eu: “Vou invadir!”.

Entro na sala, tem dois sofás pequenos, antigos, um individual e outro de dois lugares, algumas almofadas sobre eles, uma pequena mesa de centro redonda e uma televisão de 24 polegadas sobre o rack. Escuto o som de máquina de costura vindo do quarto mais ao fundo, logo concluo que ela está em casa, sigo em direção ao som e chego na cozinha, percebo que ele está sentada em uma cadeira de escritório giratória com rodinha, de costa para a porta, uma panela de pressão está sobre o fogão soltando chiado e vapor.
Fico pensando como vou chamar a atenção dela, como que vou fazer para falar com ela, será que experimento soltar um oi? Mas antes que faça qualquer coisa, ela fala, ainda sem se virar:
– Olá, bem-vindo, venha até aqui. Nossa!!
Penso, ela já sentiu a minha presença.
Vou até a frente dela, é uma senhora que aparenta uns 70 anos, talvez entre 1,55 cm a 1,60 cm, cabelos crespos e usa óculos grande de armação preta, seu rosto é sereno e simpática, está usando uma blusa azul clara de manga comprida, arregaçadas até próximo aos cotovelos, sobre ela, usa um coletinho de lã, marrom com três listas beges na horizontal.
– Oi! A senhora consegue me ver e ouvir? Pergunto, apesar da respostar já ser óbvia, falo mais para quebrar o gelo e iniciar a conversa.
– Claro meu amigo, senti você chegando quando parou na minha porta e deu pra sentir que está ansioso e aflito, em que posso te ajudar?
Admirado com a capacidade mediúnica daquela senhora, fico com vontade saber mais a respeito.
– Se a senhora consegue me ver e ouvir, outras pessoas, digo, médium ou sensitiva também podem?
- Depende do nível de conhecimento do médium e da evolução do seu espírito, já a pessoa sensitiva, ela até pode te sentir, mas é mais raro fazer algum tipo de contato, mas isso só acontece com os espírito desencarnados o que parece que não é o teu caso, me conta, o que aconteceu contigo?
Faço um relato de fatos desde quando me imaginei saindo do meu corpo pela janela do quarto e como tentei retornar sem sucesso, informei ainda, que agora, estava internado no hospital em estado de coma.
– Então você saiu por acidente, isso sim é raro. Conclui ela achando graça.
– Pois é, mas agora minha família tá toda lá preocupada se eu vou morrer, será que é isso que vai acontecer?
- Não, se teu corpo físico não tem nenhum dano, não corre este risco, você pode voltar tranquilamente, só precisa aprender a se reconectar novamente o perispírito, que é o envoltório semi-material que une o espírito ao corpo físico, funcionando como um corpo espiritual que interage com ambos os planos, você deve reconectar seu perispírito com o teu invólucro material. Simplificando, você precisa reincorporar seu espírito no seu corpo carnal.
– E a senhora tem ideia de como que eu faço isso, o Sálvio do centro espírita, disse que a senhora consegue sair e voltar?
– Ah! O Sálvio, ele é muito querido, preciso encontrar mais com ele, a gente aprende muito um com o outro e você precisa ter mais fé, se acreditar Nele, tudo é possível.
Ouvindo isso, lembro da frase que eu li na casa espírita junto à imagem de Jesus.
- Assim como tu saiu – continua ela – tu faz para voltar, precisa sincronizar exatamente o teu espírito e o perispírito às partes do teu corpo, para isso, deve se posicionar e ter consciência de cada parte do seu corpo, de cada membro, preencher todo o invólucro material com o envoltório semimaterial, para tu entender melhor, é necessário preencher os dedo do pés, das mãos, as pernas o braços, a cabeça, todo teu corpo com o seu espectro e sentir cada parte se conectando e sincronizando, quando sentir todo teu corpo, conectado como um só, conte até três, pode ser de regressivo, 3, 2, 1 e tente abrir os olhos suavemente.
– É assim que acontece também nas incorporações mediúnicas? Pergunto por curiosidade.
- Não, nas incorporações, o médium se prepara para receber e permite que o espírito desencarnado se manifeste através dele, o espírito não domina as ações do médium, o espírito do médium permanece consciente e comanda a ações do seu invólucro, apenas permite que o outro se manifeste. Já na possessão ou obsessão é diferente, quando ocorre o domínio de um espírito sobre um indivíduo encarnado.
- E eu, no meu estado atual, poderia incorporar outro corpo?
– Não, porque você ainda está vinculado ao sei invólucro vivo, seu espírito pertence àquele corpo carnal, então você só pode voltar para ele.
-Entendi.
-Mas um espírito obsessor ou zombeteiro pode entrar no seu num momento que seu corpo encontra-se fragilizado, então é bom não ficar fora por muito tempo.
Fico com vontade de voltar correndo, para tentar voltar ao meu corpo, mas eu realmente estava fascinado com o conhecimento daquela simpática senhora e também, para não parecer mal educado, fico mais um pouco conversando e perguntando sobre ela.
–Como que a senhora me vê, digo, assim fisicamente, qual é a minha forma, imagem?
-Eu te vejo na sua forma mais perfeita, como Deus te criou, a própria luz emanada de Deus.
Ela ainda me contou que era servidora pública aposentada do município de Glorinha, que morava ali com sua sobrinha, que veio do interior do Estado para estudar aqui, mas que hoje, ela foi passar o feriado com os pais no interior. Disse-me também, que não casou e nem teve filhos, que trabalhou muitos anos na casa espírita e que devido ao problema das pernas, e as condições físicas, diminuiu suas idas, pois não tinha como ir sozinha, mas que espiritualmente ela continuava a se fazer presente, me aconselhou a desenvolver a minha espiritualidade, que sabe poderia dominar a técnica.
Falei que depois que aquilo passasse eu retornaria para conversar mais, ao que ela me disse:
– É possível que você não se lembre de mim depois de acordar, pois lembre-se que seu corpo ainda está em sono profundo e tudo isso que está vendo e ouvindo será só parte do sonho, e quando acordares, as lembranças serão somente daquilo que ocorrer na fase alfa do sono.
– Então, de qualquer forma, muito obrigado pela ajuda, foi muito bom te conhecer, espero que possamos nos cruzar novamente.
– Volta para tua família que eles precisam de ti, e acredita, que dará tudo certo!
Despeço-me e saio pela mesma porta que entrei, mas na saída, na varandinha da entrada, em cima de uma cadeira de praia, percebo um gatinho acinzentado, que não havia visto antes, talvez porque ele estivesse dormido, agora ele está acordado, lambendo-se por debaixo das axilas, quando passo, ele para o banho e fixa o olhar em minha direção, parece que estava me vendo, abano para ele e saio voando.
