II
11.
Leitura
O poema
eu escrevo
na areia.
Leia como
a onda
o leria:
Apossando-se,
derramando-se,
espalhando-se
até só restar
a poesia.
12.
Transformação
Um dia eu
entardecerei em esquecimento
de anoitedormecer.
Escurecerei então
o véu azul de vento,
embalado
por estrelas de brilho manso
para um futuro
florinascer.
Serenando cada suspiro
de profundo
solosonhar em descanso;
sementear.
Como árvore de seiva verde
e folha doce e dançante
à beira de clareiramirante
lunar.
Dormir
uma noite de mil vidas
sem sol de despedidas:
apenas gota, terra
e eu inteiro
sem palavras,
som, luz
ou cheiro...
...até regerminar.
13.
Beleza
Os deuses
Escrevem
"beleza"
por linhas
sinuosas.
Eu sei:
vi e acredito.
A luz também,
quando brinca
nas tuas curvas.
Mas minhas mãos
só creem no que tocam.
Heresia!
Querem agarrar tua cintura
fazendo do teu suor
liturgia.
Ficassem alheias
ao teu corpo,
Pecado maior seria!
14.
Hiatos
Ao calar do poeta,
uma coisa é certa e inefável:
Um deserto sem escrita
e de palavras rarefeitas?
Nada é mais instável!
Cada grão é sentimento intempesto
prestes a sangrar poesia...
Entre prantos, gargalhadas
e eventuais trovoadas,
é monção de emotiva teimosia!
Com dura leveza
e livre correnteza
até o fim do mundo mundano
ou o próximo cristalizar,
tomem cuidado com o sertão-poeta:
Ele está a uma lágrima de distância
para (re)virar mar!
15.
Veritas
Sofro
por ser
dionisíaco
neste mundo
plano e quadrado.
A névoa
do meu charuto
cria a cortina
perfeita:
Embriago-me
na fumaça lânguida
e esqueço
dos pseudo-Apolos
queimando asas alheias.
Que Themis,
Nemesis e Diké
os julguem!
Que a verdade
do bom vinho
os afogue!
Que as Musas
nos salvem
da mediocridade!
16.
Causa-Efeito
Uma verdade, de início,
dói como dez mentiras.
Mas uma mentira, no fim,
dói como mil verdades.
17.
Hoje
Hoje
quero me perder
na tua boca.
Quero bruxulear
ao teu sopro,
tal chama que sou.
Quero derreter
ao teu toque
e escorrer
por teus seios.
Quero
que me respires,
que me bebas,
que me devores.
Pois assim
Renascerei
e, sólido,
te consumirei
de novo e de novo,
até as estrelas
se apagarem
de inveja e tesão.
18.
Des-Tino
Universo em conspiração?
Forças Cósmicas,
influências,
predestinação?
Deuses estendendo a mão?
Tempo certo,
ascendências,
astros em posição?
E os meus erros?
Meus defeitos?
Todos desde antes
já vinham em procissão?
Os amores foram em vão?
Sofrimentos e felicidades
da alegria à prostração?
Será que os meus escritos
e minha poesia
já existiam, então?
E quem seria o autor?
Eu? Ou Plutão?
19.
Travessia
Que a chuva caia
traia
no teto
que chova em prantos
cantos
incertos
em tom de lamento
tento
de perto
vencer apatia.
Travessia.
Que a chuva espalhe
entalhe
na terra
o gotejo vivo
crivo
em espera
desperte sementes
dormentes
há eras
e vença apatia.
Travessia.
Que a chuva aperte
acerte
o instante
descobrindo mágoas
deságua
rompante
transforma a luta
refuta
o constante
vencendo a apatia.
Travessia.
20.
Dores
A maioria das dores de hoje
tornam-se alívios amanhã.
As outras tornam-se saudade.