VII
61.
Caravela
Caravela
à deriva,
que gostaria
de ser porto.
de dia,
sou todos.
à noite,
sou só.
O tempo sopra,
as praias passam.
Do convés,
invejo os náufragos.
Do convés,
fantasio o mergulho
incendiar o barco
e fazer amor com a terra-firme.
Mas a praia passa.
O tempo sopra.
Restam as estrelas em mim.
O sonho da praia
não me abandonará.
Na praia do sonho,
o náufrago sou eu.
Sem tempo para soprar.
62.
Essência
Hoje em dia,
todos querem ser vistos.
Eu prefiro ser sentido.
Não é questão de
problemas de aparência...
Gosto da minha casca,
mas amo minha essência.
63.
Vejam!
Gosto da noite.
As estrelas dos teus olhos
bastam para iluminar
tudo o que é preciso.
Juntos,
somos um farol
para Apolo e Dionísio...
Que chova vinho
em nossos poemas,
brindando a duas vidas
unidas
em desejo luminoso
para além do horizonte.
Vejam, marinheiros!
Elevem-se do convés!
O amor vos guia!
64.
Tristezas
Algumas tristezas rápidas
eu deságuo em rimas.
Outras mais caudalosas
rompem marés em prosa.
Mas há poucas
que doem tanto
a ponto de silenciar
meu oceano inteiro.
Estas
eu aprisiono
abissalmente,
tendo a calmaria
da superfície
como testemunha
e
carcereiro.
65.
Lição do Aguardo
De tanto esperar
(e esperar, simplesmente),
a pobre Esperança
de pleno desespero tomada
revisou seus pacientes valores:
Resolveu semear
de semente em semente
com nova esperança,
confiando à espera regada
no belo desabrochar das flores.
66.
Repesagem
Não me interessa a leveza
da pluma ou da pena.
Imutabilidade para mim
é incompletude;
não há eternidade
que seja serena.
Gosto do que
torna-se leve,
metamorfoseando-se
por interna vontade.
Invejo a beleza
da água em vapor
após cumprir sua missão
de tempestade.
Admiro a fluidez
e doçura da brisa
depois de acalmar-se
das monções da tarde.
Encanta-me tudo o que
alça voos com esforço.
Ainda que findos Ícaros,
ou em pleno processo:
brainstorming de esboços.
Não quero a leveza certa
das plumas constantes;
prefiro a transformação
das coisas
hoje esvoaçantes,
mas que já foram
plúmbeas
em algum instante.
67.
Valoração
Então a vida se resume a isso?
Nadar em um lago de acasos,
até encontrar o seu próprio ocaso?
Que a poesia seja meu barco preguiçoso:
ora levado pela corrente,
de repente;
ora estável sem muito vento,
num momento.
Quando o fim virá
com a noite serena;
quando chegar a hora,
indo dormir,
sussurrarei para quem
quiser ouvir:
"valeu a pena".
68.
ComportaVento (IX)
Pegou-se pensando
qual o sentido da vida.
E percebeu o contrário:
Reflexivo ou arbitrário,
o único sentido
que a vida certamente não tem
é estagnar a sua,
ocupado com a vida de alguém.
69.
Yggdrasil
Calço-me
na solidez de pedras
sábias e pacientes,
de tanto doarem-se
às inconstâncias das águas;
nutro-me
de vontades e incertezas,
por cujas trilhas
que cortam as brumas
meus sonhos sempre conduzem.
Cresço
expandindo meus troncos.
Morro
alguns ramos por vez...
Mas a cada manhã
ensolarada
em cada reinício
de jornada
sigo
copa-plural e raiz-sozinho
serpente, galhos e corvos
ao novo dia
de muitas
alvoradas.
70.
Sobre Voos e Flores
Ela gostava de criar
ditados pouco convencionais
que refletissem, pensava,
sua forma liberta
e humorada
de saborear a vida.
Sentia-se muito bem
com isso:
"Sobre engolir sapos:
focar menos o aperto
de gargalo,
e mais a abertura da gargalhada", dizia.
Gostava, ainda,
de tornar mais leve
a vida dos outros:
"Mais belo que
um voo solitário,
é uma revoada
de felicidades".
Um dia, porém,
emudeceu.
O amor bateu tão forte,
o desejo gritou tão alto
que ela, de repente,
não se ouvia mais...
E o coração, antes leve,
afundou-se inquieto,
transbordando
(receoso)
das mais loucas
vontades...
Mas seu amor,
percebendo aquele medo
que a impedia de voar,
pousou ao seu lado.
E a presenteou
inusitadamente
com uma flor de plástico.
Silêncio.
Com o coração pesado,
não houve espaço
para a compreensão...
Ele a tomou pela mão,
e, pássaro,
gorjeou em seu ouvido:
"Para viver seus sonhos,
dê lírios..."
O riso
pulverizou
seus grilhões,
o beijo
a afastou
da prisão,
seu coração-gaiola
se abriu
e os amantes
levantaram voo
de mãos dadas,
em meio à nova
revoada
dos mais leves e densos
(floridos ao vento)
desejos.
71.
Marinheiro
Marinheiro na proa,
deslumbrado com
o oceano.
As vozes do mar
inflam sua vela.
Os cheiros da canção
vibram em seu peito.
Queria ele ter olhos
de maresia,
para ser a praia
banhando a onda.
Marinheiro na proa,
agora poeta.
Seu corpo escuta
a melodia abissal
em ode ao desejo.
Há notas profundas,
palato de uvas e gozo
clamando: "Se joga!"
Imediato mergulho.
Marinheiro na proa,
Poeta perdido,
Amante escafandrista.
Explorador de si.
Que Posêidon não o salve.
72.
Confissão
Confesso:
Eu poemo.
Todos nós
deveríamos poemar
com mais frequência;
desengaiolar a língua,
desencaixotar sentidos.
Só então,
com essa poemação,
daremos abrigo da solidão
a nós mesmos:
Crisálidas de novos desejos
que, revelados,
poderão se abrir
em um mundo poematizalmente
e livremente amado.
E então?
Poemiremos ou não?
73.
Brinde
Um brinde
aos poemas soltos:
Aqueles que
escorre-nos
entre os dedos
mesmo antes
de pousarem no papel.
Seus cantos libertos
inspiram todos
os outros:
A liberdade, bailarina,
sempre rima
com o azul do céu.