V
41.
Encontro
Em um de seus tantos encontros
ao horizonte,
o Céu suspirou ao Mar:
"Sua profundidade me encanta!
Bela, misteriosa, escura...
Gostaria muito de a alcançar!"
Com ondas verdes
roçando sua tez azul,
o Mar marolou ao Céu:
"A vastidão pode ser mesmo
uma maldição...
Não vês?
Estou contido,
meu contentor escondido,
não posso crescer a não ser em você!
Mas a ti, que mostra menos que eu,
a ti que ninguém sequer compreendeu
e achas que sou profundo na escuridão?
Minhas gotas percorreram tua solitude.
Minhas chuvas caíram, voaram, e sabem
que 'profundo' é rasa palavra a quem contempla a infinitude!
Escuro! És mais!
E frio, e imenso, misterioso.
Deverias olhar mais para trás
e para si também
e decerto perceberás
que sou gota imponente
ao comando do que nem imagino estar além!
Sou limitado, e esta é minha beleza.
Reflito-te, é minha natureza!
Somos parecidos, tão diferentes!
Mas aqui ao horizonte somos convergentes
e podes molhar-te em mim
e posso contemplar-me a ti
e nosso amor cresce forte".
Retornando ao amado algumas gotas de liberdade,
o Céu o envolve mais perto
no abraço apaixonado
de mais um fim de tarde:
"Sim. Temos sorte."
Tons de vermelho carmim
indicam o dia em desenlace.
O albatroz sorri.
O sol se põe.
O amor renasce.
42.
Café
Quero
o Caos noturno fumegante
passado, vertido
e sem açúcar.
Noite líquida
sem estrelas
que desperta
os sóis de dentro.
Quero a Aurora
em flechas de luz
penetrando frestas
e cortinas do quarto.
Quero viver:
dois goles, um suspiro
e estou pronto.
Suporto o firmamento,
se for preciso...
... até a próxima xícara.
43.
Narro
Narro minhas histórias
como a chuva se narra ao chão:
cada gota,
cada rima
escorrem
em cadência escrita
ao Imaginário
(e à Razão)
que tanto nos dilui.
Por vezes, porém,
evaporo pedaços
para sentir-me nadando
(livre)
no espaço
e então voltar
encharcado
dos mais rarefeitos "Eus"
que ainda não fui.
44.
Poesia Interior (I)
Mente com a agilidade do terceto
em breves pinceladas
esbelta, jovial.
Vida com a elegância de um soneto
entre musas amadas
o amor vence, ao final.
Sentimentos dispostos em rimas ricas
complexos, palpáveis
entre escolhas de estrofes líricas
contando livres erros gramaticais.
Fugindo das sisudas métricas unidas
perplexas, amáveis
sonho vibrando com as histórias míticas
mas prefiro torcer pelas surpresas
haicais!
45.
Poesia
Poesia
não se escreve;
se tatua
no coração.
O que você lê,
aqui,
não é o poema:
é só um eco
de calmaria
do olho do furacão.
46.
Embalar
Enfim,
amanhece
para além
dos sonhos,
das praias,
do mar.
Mas o Sol
em mim
não se põe:
Nunca tardo
a sonhar,
e amanheço
em cada entardecer.
A brisa, a água,
a areia, o céu:
todos têm seu
devido lugar.
E quando
adormeço,
do Sol nunca
me esqueço:
É ele quem
me embala
em todo
anoitecer.
47.
Labirinto
Labirinto
sem entradas,
muitas curvas
e tantas saídas.
Labirinto
da mente cansada.
Labirinto
das minhas vidas.
Labirinto de pedra,
horizonte, mar, coração.
Entre retornos de pura verdade,
retas mentiras turvam a visão.
Mas, e a liberdade?
E a pressa de caminhar?
Galgar as paredes,
pular os limites
em livres compassos de ar?
Labirinto
de velhas posturas,
velhos sentidos,
velho sonhar.
Labirinto
que não mais me cabe!
Pois antes
que eu me acabe,
forçarei
o labirinto
a se desmoronar.
E o ex-labirinto,
agora campo liberto,
certamente
florescerá.
48.
Beijo
Quando beijo, calo.
Quando falo, invejo:
e remeto à fala
o silencio inquieto.
Quando vejo, falo.
Quando calo, beijo:
no calar da fala
o gritante afeto.
Quando falo, falo.
Quando não, invejo:
desconstruo a fala
ao perder o ensejo.
Quando calo, falo.
Silente desejo:
descabida fala
quando quero, beijo.
49.
Olhar
Olhamos para o Futuro
com os olhos do Passado:
Isso é errado.
Desfocar o olhar
para ver diferente
é aprender a aceitar
a ótica do Presente.
50.
Confessions
As I write
not all has a meaning intended,
not all words in use really fit.
Poetry makes ideas to bend in it,
poetry itself emerges by wit.
As I write,
all I hold dear is commented,
all I hold dear is in script.
Can't dwell only on the invented,
can't dwell on fantasies I seethe.
As I write,
actually, I don't.
The I-expectator watches
while the pen-poet fills the paper
with my soul.