VI
51.
Jardineiro
Sonhei-me jardim.
Ode à botânica entropia,
terra úmida de loucuras-ideias.
Ora brotei grama, ora cresci árvore,
criei raízes que voaram para outras terras.
Paciente, derrubei cercas
transbordando livreverde
minha lida.
Por vezes caí fruto, aprendendo
a transmutar pequenas mortes
em sementes de vida.
As flores são poucas (e caras a mim);
mas, mesmo libertas,
deixam as lembranças de seu
desabrochar...
Banhado na chuva noturna,
aninhado ao perfume da Rosa e Jasmim,
sonhei-me jardim
e percebi-me bêbado de orvalho
em cada pétala que aguarda
o dia chegar.
Deitei-me jardim em mim mesmo
e plantei uns punhados de rimas
aguardando suas sombras-poesia
para as tardes quentes de janeiro:
sonhei-me jardim,
acordei jardineiro.
52.
Gota
Ela sente-se triste.
O mundo em seus ombros,
opiniões externas na cabeça,
pedaços de sentimentos
num coração já tão apertado...
Respira fundo.
Despe-se de parte da carga.
Repara na superfície líquida
à sua frente.
E pensa: "por vezes,
somos todos gotas d'água
em uma piscina de condomínio.
Cada gota carrega o peso de toda a piscina;
mas, se algumas escaparem
em fugas-borrifos,
elas secarão.
E a piscina continuará aqui,
sob a cabeça de cada gota restante."
Respirou fundo novamente. Mergulhou.
Deixou-se levar pelo confortável abraço
da água tratada em todo o seu corpo.
Sentiu-se mais leve,
mais calma, mais viva.
Descansou seus ombros, mente e coração.
Passou a pensar nas gotas que fogem.
Secam, simplesmente?
Não. Transformam-se.
Livres do peso, há muito mais para ver
(e ser)
do que ficar naquela piscina.
E voam danceando por aí,
juntando-se a outras, em
espetáculos-nuvens,
chovendo quando dá vontade.
Ao sair, levou fatalmente consigo
algumas gotas sortudas
que pingarão pelo caminho,
secarão,
e estarão livres, para pairar pelos céus.
Ela também saiu mais leve e livre.
Sabe que há um mundo inteiro
não para carregar,
mas para ser explorado.
Antes, sentia-se triste.
Agora, sente-se gota.
Livre.
53.
Além
Além de ver,
sentir.
Antes de ter,
doar...
Após crescer,
florir;
e ao viver,
sonhar!
54.
Despertando
Toda manhã
a Musa, etérea,
ainda vestida de
sonho e névoas,
embala
meu acordar:
"Que loucura
iremos fazer
hoje?"
"Ao seu lado?
Amar!"
55.
Eu-Litoral
Meus escritos são
marolas em uma praia
tropical
recorrentes
percorrentes
em correntes
entrementes,
de sol,
água
e sal.
A onda define o oceano?
A areia delimita a praia?
Não...
Mas entre falésias, dunas
e mar azul,
amanheço e anoiteço
ilumino e escureço
em cama de rimas
desperto e adormeço
pois sou eu quem define
o alcance da sombra
no meu litoral.
Ninguém é igual.
56.
Abismo
O amor é abismo
feito de céu
no qual mergulho
a cada gorjeio
pela manhã libertado
e zingro sem noite,
sem nado
e sem norte
além do véu prateado
entre ilhas oníricas
contigo feliz ao meu lado.
57.
Monção
Quando não caibo mais em mim,
na praia de um papel qualquer
atiro-me qual tempestade.
Ter a poesia como monção
é extravasar nosso excesso
(ou escassez)
de humanidade.
58.
Seguir
Meus amores
são eternos;
meus caminhos, não.
Tenho tempo
de caminhar
até onde
o tempo dá.
Há alento
nas mudanças;
para o não-percorrido,
não há...
Meus amores
são eternos.
Os sofrimentos
eu alterno
para mais leve
caminhar.
Meus caminhos, não...
Caminhando,
vou levando.
Desandando,
sou levado
arrastado
de lado a lado
(oportunidades
que a vida dá).
Meus amores
são eternos;
meus caminhos, não:
só há tempo
para poucas lágrimas,
um sorriso
e alguns suspiros
ao mudar
de direção.
59.
Simplicidade
Queria escrever
um poeminha simples.
Impossível,
já que até a simplicidade
é muito complexa.
Por fim,
recorri ao mundo:
optei pelo balançar das folhas
do coqueiro,
pela brisa perfumada
da praia,
pela delícia da companhia
certa.
Ah, como é simples
complicar as coisas!
60.
Se
Se
você quer
que eu seja
eu mesmo,
então
eu serei
tudo o que
você quiser.