IV

Proa
Apronto meus sonhos
aponto meus prantos
distantes.
Afago semblante
naufrago sonhante
meu tempo.
Aprumo meus prantos
arrumo meus sonhos
andantes.
E trago sonhante
meu bravo semblante
ao vento.
Em nós se desloca
de nó desemboca
no rio.
Sou só em meus cantos
marola de prantos
vazios.
Aprumo meus sonhos
arrumo semblantes
na fronte.
Que a popa se eleve!
Meu barco persegue
horizontes.
32.
Alguém
Quem sou eu para dizer
que a paz só vem depois da sensação
de justiça feita?
Quem sou eu para dizer
que "justiça" é uma das palavras
mais perigosas que empregamos?
Quem sou eu para dizer
que crenças de exclusão desumanizam
a humanidade?
Quem sou eu para dizer
que o ódio externado reflete o ódio
que nutrimos a nós mesmos?
Quem sou eu para dizer
que a certeza é amante
da ignorância?
Quem sou eu para dizer
que o exibicionismo lacrador de hoje
será a causa de muitos males amanhã?
Quem sou eu?
Um ninguém com um celular e
acesso à internet.
Um ninguém como muitos outros,
preso
aos algoritmos.
Um ninguém que talvez outros ouçam,
ou não.
Mas se ouvirem,
o que eu teria a dizer?
Sonhos, achismos, semiteorias.
Opiniões pessoais, algumas embasadas
em estudos.
O que isso valeria, em meio à cacofonia que já existe?
Como um acorde de poesia pode ser ouvido
Em meio à orquestra de bombas?
Sei o que cabe a mim: nada significativo
ou importante.
Não sou louco de querer mudar o oceano.
Mas amo o barquinho de papel que construo.
33.
Bom Dia
Gosto de fazer poesia,
não apenas escrever.
Poesia de se sentir
pelos olhos
as carícias que derramo
sobre teu corpo.
Poesia de se beijar
com os dedos
as palavras que sussurro
em teu ouvido.
Poesia de se deixar levar,
de se livrar de entraves
para se abrir inteira
em cada rima de ritmo leve,
ou para gemer de leve
no mordiscar das letras maiúsculas.
Gosto de pensar que faço poesia,
quando na verdade só a descrevo.
Poesia mesmo é o juntar dos lábios,
dos corpos e dos desejos.
Poesia é uma noite de possibilidades.
Poesia é a comunhão das mãos
e dos sentidos, o cheiro das peles,
o gosto das bocas.
Poesia é a paz entrelaçada
com o nascer do sol,
anunciando que há
mais poemas a serem feitos,
a cada Bom Dia.
34.
Dia
De manhãzinha
beijo-te
como o sol beija o mar:
Lentamente,
com minha luz crescente
ruborescendo o céu
e lhe arrepiando
com todos os sentidos
até seu despertar.
Ao meio-dia
beijo-te
como o sol beija o chão:
Intensamente,
com amor ardente
enfeitando o céu
de azul liberto,
iluminando os jardins
para além da imensidão.
No crepúsculo
beijo-te
como o sol beija o horizonte:
Carinhosamente,
regando o amor-semente
reencarnando o céu
com lilases e bordôs,
vinhos tintos e frutados
convidando-nos à degustação.
À noite, porém,
beijo-te sob as cobertas:
Não há sol, senão
algumas estrelas seletas
testemunhando
a perfeita união das horas,
dos corpos,
das fomes
e das dores
de seres tão amada
por um mero poeta.
Beijo-te
sem pressa ou ânsia,
pois nesse momento
o Tempo não é Rei:
Beijo-te
para provar
que o suspiro é eterno,
mas a eternidade é efêmera
comparada aos beijos
que sempre
te darei.
35.
Onde
No fim do caminho,
triste e cansado,
perguntei para mim mesmo:
"E agora, para onde eu vou?"
Meu coração respondeu
em compassos de esperança:
"Para dentro!"
36.
Guia
Apaguem-se os mapas náuticos,
e seus pontos de direção;
esqueçam as lunetas, sextantes,
compassos, bússolas de precisão;
arquivem-se as rotas, caminhos,
altímetros ou meios de aviação.
Quem dera poder
naufragar-me em teu mar
perder-me em teu céu
tendo as estrelas do teu olhar
colorindo meu coração.
37.
Equilibrista
Ao escrever poesias,
torno-me equilibrista.
Pois minha fome avassaladora
deve ser precisamente contida,
na exata proporção
da sede das Musas.
Cada linha, um leão
amarrado por borboletas.
Cada sílaba, uma gota
de caudalosos sentimentos.
Um tropeço
e cairei no vazio,
grão de areia exigindo
a atenção da onda.
Heroico é o papel:
recebe-me de folhas abertas.
Não sei como ele aguenta.
38.
Me, Myself and I
I am a fighter, armed to the teeth
for war.
With hope as main weapon
ammo equipped as
crayon-sketched Dreams
I intend to fight to the last
doubt.
I am a teacher, gathering old books
for war.
With knowledge well-applied
texts and images of
lucid-drowned Dreams
I intend to fight to the last
thought.
I am a poet, searching for lost truths
for war.
On stanzas dug as ditches
an army advancing in
feeble-minded Dreams
I intend to fight to the last
rhyme.
39.
Você
Suas muralhas
não limitam
seu valor:
por fora,
fortaleza;
por dentro,
flor.
40.
Novo
Viro página,
encerro capítulo:
Livro-me
de narrativas
obsoletas
e assumo meu (a)final feliz.