Capa da Obra

VALORIANT

🏅 Participação no Prêmio Literário Confirmada
CAPÍTULO 1 – UM DIA COMUM
Era sexta-feira, uma tarde fria e cinzenta na Vila Larga. Ouvia-se o barulho do vento entre as muitas árvores que cercavam a floresta ao redor. As pessoas, bem agasalhadas e encolhidas, cuidavam de suas vidas, dos seus assuntos particulares, comprando, vendendo, indo para suas casas, sem se importar com o que acontecia ao redor. Um dia normal — mas não para um garoto em especial, que acabara de completar dezesseis anos.
Alaric era seu nome — incomum, motivo de piadas e gozações na escola. Um nome que veio gravado na cesta em que fora deixado no orfanato. Tinha estatura média, pele parda, cabelo curto e olhos castanhos bem claros.
A história de Alaric começa em um dia qualquer, quando voltava da escola e viu dois garotos acuando um filhote de cachorro no beco que ligava a feirinha dos comerciantes à Floresta Verde. Esses dois garotos eram bem conhecidos na vila — e não de forma positiva. Na escola, não era diferente: viviam arrumando confusão com os colegas.
Alaric era pacífico, mas até a paciência tem limite — e, naquele dia, ela se esgotara. Foi então que tomou uma decisão corajosa e importante. Ou, como alguns poderiam julgar, imprudente. Enfrentaria os dois garotos sozinho. E isso mudaria completamente aquele dia, transformando-o em algo memorável.
— Ei, vocês dois! Parem já com isso!
— Fique fora disso, garoto de nome estranho, ou quem vai ser apedrejado é você!
Os dois riram um para o outro, como se a reclamação não tivesse importância. De fato, um simples grito dificilmente impediria os dois valentões mais temidos da escola.
Alaric precisava agir rápido. Os garotos já arremessavam pedras no filhote, que tentava se esconder entre o lixo acumulado no beco. Maltratar um animal indefeso era covardia, e Alaric não permitiria que aquilo continuasse. Ia contra sua natureza.
Ele avaliou suas opções e notou que os valentões haviam deixado as mochilas na entrada do beco, sobre dois caixotes de madeira, provavelmente usados pelos comerciantes para carregar verduras. Foi aí que teve uma ideia.
— Acho que ganhei duas mochilas novas.
— Solte já essas mochilas ou você está morto!
Alaric sentia medo, sim. Mas seu senso de justiça era maior. No fim das contas, o medo é parte da vida — e quem não o sente não aprende a se proteger. Ele sabia dos perigos, mas também sabia que as autoridades da vila estavam de olho nos dois garotos. Qualquer nova infração poderia render punições severas. Era nisso que apostava. Além disso, às vezes é preciso fazer o que é certo — mesmo com medo. E Alaric, o menino de nome estranho, estava começando a se tornar esse tipo de pessoa.
O jovem herói olhou uma última vez para os agressores, virou-se rapidamente e saiu correndo com as mochilas rumo ao centro da feira. Era fim de tarde, o local estava lotado de gente que saía do trabalho e fazia compras. Alaric corria como se não houvesse amanhã, empurrando pessoas, passando por baixo das barracas de verduras, pulando carroças. Quando olhava para trás, via os dois destruindo tudo em seu encalço, determinados a puni-lo pela ousadia de enfrentá-los.
— Nós vamos te pegar! Nunca mais irá se meter onde não é chamado!
Alaric tentava despistá-los, mas escorregou numa poça d’água em frente à barraca de um peixeiro. A água vinha do degelo natural dos peixes. Tentou se apoiar num balde sobre a bancada, mas o balde virou, cheio de peixes. Alaric caiu junto. Levantou-se rapidamente e continuou correndo, enquanto o vendedor gritava e recolhia os peixes do chão.
Ele sabia que não conseguiria correr por muito tempo. Quando chegou à praça do poço, no centro da feira, viu que estava encurralado. Um valentão estava numa saída, o outro, na oposta. Atrás dele, o muro que cercava a vila; à frente, barracas tão apertadas e cheias que seria impossível atravessá-las.
Foi então que surgiu uma ideia: jogar as mochilas no poço.
— Se vocês se aproximarem, vou jogá-las no poço!
— Você não tem para onde correr. Se jogar, a surra vai ser ainda pior!
Eles hesitaram. Alaric tentava ganhar tempo, pensando numa saída. Foi quando viu um homem estacionar uma carroça de duas rodas ao lado do muro, provavelmente para buscar água. Sem pensar muito, jogou as mochilas no poço, escalou a carroça e saltou o muro — para fora da vila.
No lado de fora, o cachorro, como em um passe de mágica, já estava esperando por ele, correu em direção à floresta. Alaric, sem tempo para pensar, correu atrás. Os valentões vinham logo atrás, pulando o muro também.
Alaric conhecia aquela trilha. Levava à casa do Sr. Machado — alvo de lendas na escola: bruxo, alienígena, canibal. Por isso, ninguém se aproximava dele. Mas, naquele momento, não dava para avaliar riscos. Os garotos estavam em seu encalço, furiosos.
— Olha ele lá! Vamos!
Ao se aproximar da casa, Alaric lembrou das histórias. Machado já fora chamado de tudo: comedor de crianças, fantasma, até extraterrestre. Com o tempo, os alunos mais velhos chegaram à conclusão de que ele era canibal — mas nunca havia prova alguma.
Alaric, cético por natureza, tentava não dar crédito a essas histórias. Mas, no calor do momento, até os mais racionais sentem um arrepio: e se for verdade?
A professora Rita, uma das poucas pessoas em quem Alaric confiava, certa vez dissera que o senhor da casa cultivava sua própria comida e, por isso, raramente aparecia na vila. Era uma pessoa solitária, mas apenas isso — uma pessoa.
Correndo, Alaric atravessou a porteira sem olhar para os lados. Viu que os valentões ainda vinham atrás. O cachorro contornou a casa e desapareceu. Alaric o seguiu até os fundos da residência, onde havia um porão com portas de madeira erguidas. Ao redor, folhas secas e grama alta.
Não havia para onde o cachorro ter ido — a floresta estava distante. Ele só poderia estar dentro do porão. Sem pensar, Alaric entrou também, aproveitando para se esconder.
O local era escuro e empoeirado. A escada rangia a cada passo. O frio lá dentro era mais intenso, mas sem vento. Um frio oco. De repente, ouviu um latido aos pés: o cachorro. Agachou-se, pegou o animal nos braços, tentando acalmá-lo.
Do lado de fora, ouviu as vozes dos perseguidores. Um deles dizia que o garoto poderia estar no porão, mas nenhum dos dois teve coragem de entrar. O medo daquela casa era mais forte. Decidiram deixá-lo para depois.
— Amanhã a gente pega ele na escola. Vai ver fugiu pra floresta.
Alaric esperou alguns minutos em silêncio. Sentado nos degraus, com o cachorro nos braços, ouviu o som dos passos se afastando. Quando teve certeza de que estavam longe, começou a subir, pé ante pé. Mas, ao chegar à metade da escada, as portas do porão se fecharam com um estrondo.
O susto fez o cachorro pular de seus braços. Alaric, paralisado por um segundo, percebeu que estava preso. Correu até as portas, bateu com força, gritou — mas ninguém o ouviu. Exausto, sentou-se.
Não chorou. Era durão demais para isso. Acostumado às dificuldades, filho do abandono, forjado na orfandade.
Levantou-se. Se não podia sair pela porta, teria que descer e buscar outra saída. Ouviu um latido e seguiu, com cuidado.
Ao chegar ao fim da escada, uma luz acendeu no centro do porão, iluminando uma poltrona de couro antiga. Nela, um velho senhor o encarava. O cachorro estava ao seu lado.
— Aproxime-se, Alaric. Eu estava esperando por você — disse o velho.
Alaric ficou atônito. Como ele sabia seu nome? Seria o próprio Sr. Machado?
— Me desculpe por invadir. Eu estava fugindo de dois garotos... Por favor, abra a porta. Pode ficar com o cachorro. Já me causou confusão demais.
— Perdoe o animal. Ele apenas cumpriu sua missão. Agora, seu papel terminou.
Alaric começou a entender que o cachorro talvez pertencesse ao velho. Mas não fazia sentido. Ou fazia?
— Alaric, o cristal está falhando. A magia se esvai antes do previsto. Se eu não o chamasse agora, talvez nunca mais pudesse trazê-lo de volta... e você jamais saberia quem é. Este não é o seu mundo. Está aqui apenas para se manter vivo. Seus pais foram perseguidos. Sua linhagem, quase extinta. Mas chegou a hora de retornar.
Alaric não sabia o que pensar. Estaria o velho louco? Era o que parecia. Ainda assim, manteve a calma.
— O senhor poderia, ao menos, indicar uma saída?
O velho sorriu.
— Mostrarei a saída. Mas antes, peço que abra a caixa sobre o púlpito. Há algo seu lá: a outra metade do diamante do seu colar.
Uma luz se acendeu, revelando a caixa. Alaric se aproximou. Enquanto caminhava, pensava: Como ele sabe sobre meu colar? Como sabe que está incompleto?
A senhora Rosa, que cuidava do orfanato, dissera que ele fora deixado com um colar com meio diamante. Um dia, talvez, aquilo revelasse algo.
Chegou à caixa, retirou a poeira, desatou o nó, abriu-a. Lá dentro, o pingente: a outra metade.
— Pegue — disse o velho. — Esse diamante foi dado por seu pai, Alaric.
— O senhor conhece meu pai? Mas eu sou órfão!
— Conheço seu pai. E seus ancestrais. Mas primeiro, teste o colar.
Ele juntou as partes. Encaixavam perfeitamente.
Então, o colar começou a brilhar. A luz cresceu. O calor aumentou. Alaric não conseguia mais ver nada. Tentou se mover, mas seu corpo pesava. Não conseguia retirar o colar. O brilho era insuportável.
Com o braço cobrindo os olhos, sentiu o corpo ceder. E, então, desmaiou.


CAPÍTULO 2 – A CHEGADA EM VALORIANT
Sentindo o sol bater em seu rosto, Alaric foi abrindo os olhos devagar, na esperança de estar em casa, e de que tudo aquilo não passasse do sonho mais louco que já tivera. O sol estava forte, e ele sentia como se estivesse na escuridão havia muito tempo, sendo subitamente lançado de frente à luz. Ficou assim por alguns minutos, recompondo os sentidos, até perceber que estava em um lugar completamente diferente.
— Onde será que estou? Será que fui raptado e levado para outro lugar? Vila Larga é fria... e aqui o sol brilha demais.
Com a visão totalmente ajustada, começou a observar o ambiente e logo concluiu: aquele lugar não tinha nenhuma semelhança com a Vila Larga. Era uma paisagem aberta, com montes gramados e verdes até onde os olhos alcançavam, com poucas árvores e um céu limpo. Alaric estava acostumado ao clima abafado do vale, cercado por floresta, onde mal se via o horizonte. Aquela paisagem era tão bela quanto a de sua vila, mas completamente distinta — mais parecida com algumas das pinturas nos quadros espalhados pelas paredes do orfanato.
Naquele ponto, já não restavam dúvidas: ele estava muito longe de casa. Seu coração se enchia de perguntas, em meio a uma mistura de medo e curiosidade. Onde estava? O que acontecera na casa do velho? Que lugar era aquele? O pensamento fervilhava.
— Tudo isso é culpa daquele cachorro...
Agora falava sozinho. Riu. Lembrou-se de todas as enrascadas em que já se metera — e de como jamais havia saído dos arredores de Vila Larga.
O sol alto, o céu com poucas nuvens, e o clima surpreendentemente ameno faziam tudo parecer ajustado na medida certa. O vento soprava do leste, trazendo o cheiro fresco da grama. Alaric avistou uma grande árvore no alto de um monte e decidiu ir até lá para ter uma visão melhor do lugar.
A caminhada foi agradável. Ele não tinha pressa. Pelo contrário, aproveitava o percurso: arrancava folhas, amassava entre os dedos, sentia o aroma do ambiente. Chegando ao monte, observou a árvore — era diferente de tudo o que conhecia. Não tão alta, mas incrivelmente grossa: seriam necessárias seis ou oito pessoas para abraçar todo o tronco.
Ao retomar o foco, viu uma grande muralha além do monte. Até então invisível, agora parecia imensa — maior que qualquer muralha que já tivesse visto, mesmo em livros.
Apesar de imponente, parecia ser o único caminho a seguir. Desceu o monte em direção à estrutura.
Quando estava a cerca de trezentos metros, os enormes portões de ferro começaram a se abrir, arrastando a terra com um rangido grave. Soldados montados em cavalos brancos saíram ao seu encontro, em marcha sincronizada, e logo o cercaram.
Novamente, pensamentos invadiram a mente de Alaric: em que tipo de confusão ele havia se metido? Como sairia dali?
Olhou ao redor e notou que alguns soldados eram muito mais altos que o normal. Por um instante, pensou estar num circo — mas logo descartou a ideia. A realidade era outra. Estava num lugar estranho, cercado por um povo que, naquele momento, parecia hostil.
Com máxima cautela, disse:
— Me desculpem por incomodar, senhores. Estou perdido e gostaria de voltar para casa, no orfanato da Vila Larga. Se puderem me ajudar, ficarei muito grato.
Os soldados permaneceram em silêncio. Um deles desmontou. Não era um homem comum. Devia ter quase três metros de altura, e carregava uma espada imensa. Apontou-a para o jovem.
— O que busca em Aldorath?
Tudo parecia cada vez mais estranho. Alaric hesitou, mas tentou responder com calma:
— Senhor, eu não busco nada. Nem mesmo sei onde estou. Desmaiei e acordei nessas terras. Não sei se fui sequestrado ou envenenado... só peço ajuda para voltar ao orfanato de Vila Larga.
O guerreiro fincou a espada no chão, levou a mão ao queixo e observou o rapaz com desconfiança.
— Qual é o seu nome? Quem está com você? Não minta.
— Meu nome é Alaric. Estou sozinho.
O homem o observou por um momento, então disse:
— Vamos levá-lo até o mago Malagar. Ele saberá se está dizendo a verdade. E, para o seu bem, espero que esteja.
Alaric sabia que não podia fazer nada. Estava desarmado, cercado por guerreiros — ele, apenas um órfão.
Sem dizer uma palavra, um segundo soldado desmontou, fez sinal para que Alaric subisse no cavalo, e o conduziu pelas rédeas.
O rapaz ainda tentou argumentar que tudo não passava de um mal-entendido, mas ninguém lhe respondeu.
Ao cruzar os portões, viu a cidade. Era enorme, com muitas casas. Da muralha elevada, podia enxergar longe. Havia pouco movimento: apenas soldados e algumas barracas de comerciantes abastecendo os guerreiros. No centro, erguia-se um palácio branco, imenso e majestoso.
— É para lá que você vai, rapaz — disse o soldado que conduzia o cavalo, notando o olhar impressionado de Alaric.
O jovem mal conseguia desviar os olhos. A torre principal do palácio parecia tocar as nuvens. As casas ao redor, com arquitetura peculiar, também chamavam sua atenção.
As poucas pessoas nas ruas olhavam discretamente, com curiosidade e receio. Algumas espiavam pelas janelas, cochichando, tentando ver quem era o prisioneiro trazido pelos soldados.
As ruas silenciosas contrastavam com Vila Larga, sempre ruidosa, cheia de gritos, barganhas, cachorros e crianças correndo. Ali, o silêncio dominava.
Alaric sentiu um aperto no peito ao pensar em sua cidade. Percebeu que ninguém sentiria sua falta. O tempo passou mais rápido, e logo chegaram ao palácio. Mesmo dentro da cidade, ele ainda era cercado por altos muros e guardado por soldados atentos.
O guerreiro que o interrogara liderava o grupo. Ao se aproximarem, os guardas do palácio os saudaram com um gesto formal: mão direita fechada sobre o peito esquerdo, cabeça levemente baixa. O gesto foi devolvido com respeito.
— Saudações, General Ballador — disseram ao homem que interrogara Alaric.
A revelação surpreendeu o jovem. Era um general! Lembrou-se do que aprendera no orfanato: pessoas importantes gostam de ser lembradas. Memorizar nomes fazia parte de sobreviver.
— Viemos ter com o mago Malagar — declarou o general.
Os guardas abriram caminho, e disseram para prosseguir sem os cavalos. Ballador desceu, acenou para o soldado que acompanhava Alaric:
— Aretain, traga o rapaz.
O soldado ajudou Alaric a descer. Eles atravessaram os portões do palácio. À medida que se aproximavam, o lugar tornava-se ainda mais impressionante: detalhes dourados, vitrais com imagens desconhecidas, jardins impecáveis.
O piso interno mudava do calçamento de pedra para uma trilha de pedrinhas brancas, cercada de grama aparada. À esquerda, uma estrutura semelhante a um salão de estudos. Pessoas sentadas com livros nas mãos pareciam participar de uma aula ou conferência.
Na entrada da torre principal, dois guardas com vestimentas diferentes esperavam. Usavam botas altas, roupas longas e um medalhão dourado no ombro esquerdo, preso a uma capa. O símbolo do medalhão era o mesmo presente nas armaduras dos soldados: um guerreiro empunhando uma espada contra uma criatura alada.
Assim que avistaram Ballador, os guardas abriram as portas com presteza. Alaric reparou no chão do palácio — um piso espelhado e translúcido, parecido com mármore, mas misterioso. No teto, um céu estrelado pintado em azul escuro. Colunas brancas com detalhes dourados subiam até onde a vista alcançava.
O frio e o vazio do ambiente lembravam o porão do Sr. Machado.
Avançaram até o grande salão. Um homem ajoelhado diante de um pedestal com um cristal brilhante se levantou lentamente, como se já soubesse da presença deles. Ao lado, outros senhores ajoelhados.
— Ele finalmente retornou, não é mesmo?
— Mago Malagar — disse Ballador. — Encontramos este rapaz fora das muralhas. Diz-se chamar Alaric.
O mago parecia não ouvir. Seus olhos estavam fixos no jovem. Fez sinal para que se aproximasse. Quando Alaric chegou mais perto, o cristal brilhou intensamente.
— Sem dúvida, é o príncipe Alaric — afirmou um dos senhores.
O velho sorriu, tocando o pingente em seu colar.
— Esta é a fonte que mantém a magia viva.
— General Ballador, este é o príncipe Alaric, filho do rei Harald. E chegou em um momento crucial para Aldorath. Agora, precisamos saber onde está o mago Orinor.
Alaric estava atordoado. Não fazia ideia do que estavam falando. O cristal brilhava com sua presença. A magia voltava a funcionar.
— Mas você parece não saber de nada — comentou o mago. — Orinor não lhe contou? Cadê seu colar?
— Não conheço nenhum Orinor. Meu colar estava incompleto, até o Sr. Machado me dar a outra metade. Depois disso, desmaiei e acordei aqui.
Malagar refletiu. Era claro: o mago sentiu que a magia estava se extinguindo e trouxe Alaric de volta para tentar salvá-la.
Aretain se empolgou:
— Então sua simples presença já resolve?
— Infelizmente, não — respondeu Malagar. — Sua linhagem traz esperança, mas precisamos levá-lo até o Cristal do poder, em Mornvale, para que seu sangue o alimente.
Alaric, ainda sem entender, perguntou:
— Vocês conhecem o Sr. Machado?
— Provavelmente um codinome usado por Orinor, o mago que o protegeu.
Todos no salão se ajoelharam, inclusive os soldados. Alaric mal sabia como reagir.
— Morte? Rei? Estão enganados!
Malagar notou a confusão no rosto do jovem.
— Vamos esclarecer tudo. Ballador, espere na sala de reuniões. Falo com o príncipe e já o acompanho.
Os soldados se retiraram. Restaram Alaric, o mago e os senhores.
— Você está em Valoriant, especificamente em Aldorath, reino dos guerreiros. Seus pais, o rei Harald e a rainha Eris, foram assassinados num golpe contra o reino. Inimigos do norte queriam destruir a magia para enfraquecer nossas defesas. Sua mãe o escondeu. Orinor o levou para um lugar seguro — mas a magia exige sua presença aqui. Por isso, ela se deteriorou ao longo dos anos.
Era demais para absorver. Mas... que órfão não desejaria descobrir que é filho de um rei?
— Você precisa cumprir uma missão. Reativar a magia e levantar as defesas dos Reinos do Sul. Os inimigos estão tentando invadir Atlareon, e há notícias de que se preparam para atacar Ravendal logo em seguida.
— Isso... isso é real?
— Venha. Vamos ao Jardim do Regresso. O aroma das flores trará de volta suas memórias.
Sem saber o que fazer, Alaric o seguiu. Caminharam até uma entrada ornamentada. Flores roxas de pétalas cristalinas preenchiam o jardim.
Alaric começou a ter visões: através dos olhos de um bebê, via um homem com coroa, uma mulher de olhos azuis. Sentiu amor como nunca antes. Reconheceu o palácio. Recordou risos, vida, e... a tragédia.
Viu os pais sendo atacados. Um homem encapuzado. Uma tatuagem de martelo no pescoço. Depois, o Sr. Machado o resgatando. Lembrou do sangue, da fuga, de uma floresta... e de um homem de pele avermelhada. Um clarão. Depois, nada.
— Eu me lembro — disse Alaric. — Lembro dos meus pais. Do Sr. Machado. Eles não me abandonaram.
Caiu de joelhos, chorando.
— Você viu o assassino? Sabe para onde Orinor o levou?
Alaric hesitou. Mesmo sem saber o motivo, preferiu não contar sobre a tatuagem.
— Só lembro que fui levado à floresta. Havia um homem de pele vermelha... parecia amigo do mago.
Malagar refletiu.
— A justiça virá. Por ora, descanse. Amanhã precisaremos de você.
O mago pediu a um serviçal que o levasse ao aposento de hóspede real e lhe servisse chá de folha do sono — bebida que garantiria um descanso profundo.
Alaric não conhecia aquilo, mas não questionou. Seguiu em silêncio.

CAPÍTULO 3 - SALA DE REUNIÃO
Malagar retornou à sala de reuniões para encontrar-se com o general Ballador e seu capitão de tropas, o leal Aretain. Ambos demonstravam evidente preocupação — o reino vinha sofrendo ataques constantes, e o exército estava longe de sua força ideal.
— A essa altura, a guerra no reino de Atlareon deve ter chegado ao seu ápice — comentou Ballador. — Ainda não tivemos notícias do general Borin.
Malagar percebeu que a inquietação do general não se limitava ao povo de Atlareon. Havia algo mais.
— A passagem de Atlareon é estreita — observou o mago. — O exército atlareano, unido às forças de Borin, pode conter o avanço inimigo e selar os portões. Mas sua preocupação parece ir além disso... Estou certo?
Antes que Ballador respondesse, Aretain, seu braço direito, adiantou-se:
— Não é isso que nos inquieta, mestre Malagar. Recebemos informações de que guerreiros gárgulas cruzaram a ponte central.
A notícia viera de uma fonte duvidosa. Após a chamada Batalha dos Sorrateiros, dias atrás, em que as tropas guardavam a entrada central para o sul de Valoriant, houve um ataque noturno. Apesar da vitória, os sobreviventes foram poucos. Dois guardas haviam sido enviados para pedir reforços, mas, quando Ballador chegou ao local, não encontrou nenhum sinal deles — nem dos mortos, nem dos vivos.
Foi nas redondezas que Aretain encontrou um homem pertencente ao grupo dos Sem Pai, um bando de foras da lei. O homem, identificado como Ithilion, afirmara ter visto cerca de vinte gárgulas atravessarem a fronteira e matarem os guardas. Alegou que os Sem Pai não participaram do massacre.
Apesar da dúvida sobre a veracidade do relato, o fato de a fronteira estar desguarnecida quando Ballador lá chegou era incontestável.
Com o enfraquecimento da magia e o fim do campo de força que protegia as entradas do sul de Valoriant, a ponte sobre o rio Mormir ficara temporariamente desprotegida. Nesse momento de vulnerabilidade, seria plenamente possível que um grupo de guerreiros gárgulas se infiltrasse nas terras do sul.
— O prisioneiro disse que tratavam-se de guerreiros com asas, guerreiros de alta patente, até mesmo um general estava entre eles — completou Ballador.
— Não temos como saber se é verdade — ponderou Malagar.
Mesmo o mago começava a sentir o peso da situação. Com tão poucos soldados, para onde um general e seus homens iriam? Atacar outro reino? Ou tentariam destruir o cristal de poder em Mornvale, cortando de vez a magia de Valoriant?
A ideia era aterradora. Se o cristal fosse destruído, a magia se dissiparia por completo, e os Reinos do Sul ficariam indefesos. Embora a informação viesse de um Sem Pai, e portanto fosse duvidosa, tudo parecia fazer sentido. Ignorar seria um risco impensável.
A situação era crítica: guerra em Atlareon, ataques sorrateiros no centro, e um príncipe recém-retornado que mal compreendia a realidade à sua volta. Ainda assim, a sala de reuniões não era lugar para lamentos, mas para decisões.
— General — disse Malagar com firmeza —, nosso próximo passo, de qualquer forma, será levar o príncipe a Mornvale. O cristal de poder precisa de seu sangue para ser restaurado. A magia retornou de forma sutil com sua presença, mas só será plena quando o cristal voltar a brilhar.
A estratégia delineada envolvia a divisão das forças de Ballador: uma parte pequena seguiria para proteger a ponte sobre o Mormir; a maior permaneceria em Aldorath; reforços seriam enviados às cidades próximas da fronteira; e o próprio Ballador, com um grupo seleto, escoltaria Alaric até Mornvale.
Ficou decidido que o general formaria uma comitiva de guerreiros para acompanhar o príncipe até o Reino das Montanhas e restaurar o cristal de poder com seu sangue real.
Após o êxito da missão, retornariam a Aldorath para a coroação de Alaric como rei dos guerreiros.
— Além disso — sugeriu Malagar —, levem Baldric, o erudito. Ele será o conselheiro de Alaric. Serviu fielmente ao rei Harald, conhece a história de Valoriant e será essencial nesta jornada.
— Enviaremos batedores à frente, para verificar o caminho e garantir a segurança — acrescentou Ballador. — Todos sabem que essas terras estão mais perigosas do que nunca.
Com os planos traçados e a comitiva definida, Malagar fez um último alerta:
— Cada passo deverá ser dado com extrema cautela. E o retorno do príncipe deve permanecer em sigilo absoluto. Nossos inimigos têm se movimentado aos poucos. Quando souberem que Alaric está de volta, saberão também que o tempo está se esgotando. E virão com tudo para uma guerra final.

CAPÍTULO 4 - UM NOVO AMANHECER
O chá oferecido ao jovem Alaric realmente havia funcionado. Acostumado a acordar ainda de madrugada para ajudar nos afazeres do orfanato, ele permanecia dormindo mesmo com o sol já alto no céu. Foi uma fresta entre as grandes cortinas de seda vermelha — que iam do chão até o teto do quarto — que permitiu à luz solar atingir seu rosto, despertando-o.
Apesar de ter recuperado suas memórias e descoberto sua verdadeira origem, Alaric ainda não estava habituado ao conforto daquele novo mundo. Observava cada detalhe do quarto com admiração e entusiasmo. Jamais vira um teto tão alto, uma cama tão grande — caberiam nela quatro ou cinco pessoas com folga. As roupas de cama eram macias, cheirosas, sem buracos ou manchas, e os travesseiros vermelhos tinham detalhes dourados que lhe pareciam nobres.
Aquilo era, sem dúvida, outra vida. Como puderam tirá-lo disso tudo e enviá-lo para o Vale Largo como um simples órfão? Ainda que soubesse que o fizeram para protegê-lo, perguntava-se se não haveria outra forma, menos dolorosa, de garantir sua segurança.
Enquanto refletia sobre sua trajetória, escutou batidas na porta. Levantou-se rapidamente e foi atender — talvez buscasse, no fundo, mais respostas.
— Não precisava se levantar, majestade. Me desculpe por incomodá-lo — disse uma senhora de semblante humilde, que adentrou o quarto com a cabeça baixa. Havia curiosidade em seus olhos, mas também certo receio. Alaric percebeu, no entanto, que ela parecia um tanto animada com toda aquela situação.
— A senhora me conhece? Sabe quem eu sou?
— Eu o vi quando bebê. Não posso afirmar que é o mesmo rapaz. Mas as paredes deste palácio têm ouvidos, e a criadagem sabe de muita coisa. Da minha boca, porém, jamais sairá nada. Sua segurança está em primeiro lugar.
— Muito obrigado. Então está apenas confirmando os rumores que ouviu pelos corredores, certo? Pode ficar tranquila, os segredos das paredes do palácio estão seguros comigo. De toda forma... eu gostaria de falar com Malagar. Será que ele poderia me atender?
A mulher o olhou com espanto, mas rapidamente se justificou:
— Com todo respeito, Vossa Alteza, o mago é obrigado a atendê-lo, não o contrário. O senhor é o príncipe. E, em breve, será o rei. Ele lhe deve obediência.
Alaric sorriu diante da sinceridade com que a senhora falava.
— Perdão, nem perguntei seu nome. Isso foi muita grosseria da minha parte.
— Nora — respondeu ela, com um sorriso tímido.
Logo foi surpreendida com a gentileza do rapaz, que explicou que não fora criado como uma pessoa importante. Muito pelo contrário: cresceu em um lar pobre, fazendo todo tipo de serviço — desde lavar banheiros até cuidar das crianças menores. Pediu que ela não se sentisse obrigada a formalidades, pois ele conhecia bem o valor do trabalho duro.
Nora ficou visivelmente impressionada com as palavras do príncipe.
— O senhor é a pessoa mais importante do reino... deveria ter sido criado como tal. Se não foi, provavelmente é culpa desses magos, que destroem tudo em Valoriant...
Percebendo que dissera mais do que devia, levou imediatamente as mãos à boca.
— Me perdoe! Eu... eu não queria dizer isso! Esse comentário pode me custar caro!
Alaric tentou tranquilizá-la e insistiu para que ela explicasse o que queria dizer com aquilo, mas Nora se recusou.
— Por favor, não me obrigue a falar. Já foi um erro dizer o que disse...
Alaric respeitou. Ele não era do tipo que forçava as pessoas a fazer algo contra a vontade. Sabia, por experiência própria, como era sofrer nas mãos de figuras autoritárias. No orfanato, certa vez, um homem ganancioso e cruel assumira a direção da instituição, explorando as crianças. Mas, com o tempo, foi desmascarado e substituído por uma senhora bondosa, que de fato se importava com os órfãos.
Por essas razões, Alaric entendia o peso da vida difícil — e sabia reconhecer quando devia apenas ouvir e respeitar o silêncio.
Com um leve aceno de cabeça e um sorriso sincero, agradeceu:
— Obrigado, Nora.



CAPÍTULO 5 - RAVENDAL
Após tomar o café reforçado que Nora lhe trouxera no quarto, Alaric vestiu-se com roupas novas — roupas que exalavam segurança e autoridade. Não saberia descrevê-las com precisão, apenas que lhe conferiam uma postura diferente. Eram justas, prateadas, repletas de detalhes refinados. Não pareciam vestes de um rei, mas transbordavam certo glamour, semelhantes às que vira em algumas pessoas pelas janelas do palácio no dia anterior.
O rapaz permanecia ansioso para saber o que o aguardava naquele novo dia. Acompanhado de um guarda postado à sua porta, dirigiu-se até a entrada principal, onde o mago Malagar já o aguardava, ao lado do general Ballador e de um homem de semblante afável, desconhecido para Alaric.
— Alaric — disse Malagar —, este é Baldric. Ele será seu conselheiro e o acompanhará na missão que está por vir.
Baldric curvou-se diante do jovem príncipe.
— É uma honra poder aconselhá-lo, majestade.
— Obrigado, senhor Baldric! Vou precisar de muitos conselhos. Tenho boas intenções, mas não conheço o povo nem seus costumes.
Antes que terminasse a frase, Malagar o interrompeu, com certa impaciência:
— Não se preocupe com decisões por enquanto. Estarei à frente de tudo até sua coroação.
Embora discreta, Alaric percebeu certa tensão na voz do mago — talvez pelo que acontecia em Alodrath: fronteiras ameaçadas, ataques sorrateiros e muitos planos em jogo.
Ballador, que já parecera ter conversado com o mago antes, despediu-se com um gesto, informando que tomaria as providências necessárias para que a jornada começasse no dia seguinte.
Alaric olhou para Malagar com expressão de dúvida. O mago o convidou a caminhar pelos arredores do palácio, pela trilha de pequenas pedras que cortava os jardins.
— Jovem príncipe, antes de sua coroação, há uma missão crucial. Nosso reino, Aldorath — e especialmente nossa capital, Ravendal — está em grave perigo sem a proteção mágica. Para restaurar o cristal de poder, precisamos do sangue real.
— Sangue? Quanto sangue? Quando?
Baldric riu, amigável:
— Acalme-se, jovem príncipe. É apenas uma pequena quantidade. Não lhe causará nenhum dano.
— A jornada será amanhã, majestade — informou o mago. — E o senhor será escoltado pelos mais habilidosos guerreiros do reino.
O alívio de Alaric foi evidente. Por um instante, imaginara um sacrifício. Soltou uma risada nervosa, que foi acompanhada pelo conselheiro, mas ignorada por Malagar.
Um soldado se aproximou da escadaria do palácio. Com um gesto, o mago permitiu que ele se aproximasse. Era o capitão Aneir, um homem respeitado, velho amigo de Baldric.
Após os cumprimentos formais, Aneir solicitou permissão para trazer os cavalos especiais que seriam usados na jornada do dia seguinte. Malagar acenou em concordância.
Antes que o capitão se afastasse, Baldric o chamou:
— Capitão Aneir, seu filho Beilor nos acompanhará na missão?
— Sim. Ele tem 17 anos e está ansioso para se tornar um arqueiro real. Viajará antes do amanhecer com um grupo de batedores. Eles conhecem o caminho até Mornvale, pois estiveram lá recentemente, nas competições.
Baldric então sugeriu:
— O príncipe ainda não conhece sua cidade. Beilor, por ser de sua idade, seria uma companhia mais agradável para guiá-lo, se o mago concordar.
Malagar acenou com a cabeça.
— Claro. Ele ficará honrado em guiar o príncipe de Ravendal.
Alaric simpatizou de imediato com Baldric — mesmo com pouco tempo de convivência, o conselheiro já se mostrava sensível às suas necessidades.
— Moro aqui perto, majestade. Chegaremos rápido — disse Aneir, caminhando com o príncipe.
Saindo do palácio, Alaric notou uma cidade mais viva: pessoas passeavam com cavalos, jogavam dados nas esquinas, enchiam as tabernas. A cidade estava viva, o que contrastava totalmente com o que encontrara quando chegou.
— Até parece que as paredes do palácio têm olhos e boca... Já espalharam a notícia de que o príncipe retornou — comentou Aneir, sorrindo.
Alaric percebia que o povo ansiava por sua volta. Até o próprio Aneir parecia entusiasmado.
Caminharam algumas ruas: à direita na saída do palácio, depois à esquerda após um comércio de camarões, onde um vendedor gritava:
— Camarões azuis! Direto do reino de Atlareon!
— Majestade, como pode ver, eles não sabem quem o senhor é. Não existem pinturas ou imagens suas. É melhor que continue assim, por enquanto.
— Concordo — respondeu Alaric.
Poucos metros adiante, chegaram à casa do capitão. Era uma residência modesta, como as demais da vizinhança: com varanda na frente, fachada cinza com detalhes verdes, e paredes de tijolos aparentes.
Aneir convidou Alaric a entrar, mas antes que ele respondesse, um jovem saiu da casa sorridente. Era Beilor: pele clara, olhos azuis, cabelos louros, médios e cacheados. Lembrava o pai.
— Este é o nosso príncipe, há muito desaparecido. Você tem a missão de lhe mostrar a cidade com descrição e segurança.
Beilor ajoelhou-se em reverência, mas foi repreendido pelo pai:
— Ninguém pode saber ainda. Há apenas rumores sobre seu retorno. Nenhum pronunciamento oficial foi feito.
Alaric sorriu:
— Melhor que não me chame de majestade, me chame apenas de Alaric — disse, estendendo a mão.
Beilor apertou-a com firmeza. Os dois partiram para explorar a cidade, seguidos de longe por guardas do palácio.
— Então, Beilor, o que pode me contar sobre esta cidade? Onde devemos ir para que eu conheça o povo e seus costumes?
Beilor pensou por alguns instantes.
— Vamos ao memorial da Guerra dos Dragões. Depois, podemos descer até a feira central e experimentar um assado com recheio de Jacquier.
Alaric fez uma expressão curiosa. Nunca ouvira falar nessa comida.
— Desculpe, eu não sei o que reis comem...
— Pelo contrário, Beilor. Fui criado como órfão, sem dinheiro. Passei por muitas privações. Não sou exigente com comida... Só nunca ouvi falar nesse prato.
A conversa fluía com naturalidade. Riam, trocavam histórias. Alaric contava perrengues do orfanato. Beilor falava de sua jornada como arqueiro.
— Ganhei várias competições — disse o jovem arqueiro. — Até em Mornvale, o reino das montanhas. Lá os arqueiros são lendários. E, ainda assim, eu estive entre os o melhores.
No lado leste da cidade, chegaram à praça suspensa. Subiram os degraus que levavam ao memorial: esculturas imensas, retratando dragões cuspindo fogo, guerreiros, arqueiros com arcos dourados, homens de prata, seres alados e dois magos com cajados, conjurando magia sobre um buraco que parecia engolir tudo.
Alaric observava, impressionado. Viu uma inscrição pichada na estátua de um mago: “A guerra dos traidores.”
— Beilor, o que significa isso?
— Não se importe... São histórias antigas. Dizem que os homens de prata traíram os elfos do leste de Valoriant. Modificaram a magia dos magos para aprisionar os elfos junto com os dragões. Há quem diga que os próprios magos os ajudaram.
Beilor, ainda que cético, explicou que muitos consideravam essas histórias apenas lendas. Disse também que os descendentes daqueles envolvidos não tinham culpa do passado.
— Veja, Alaric. Esses arqueiros são os Arcane — continuou. — Uma aliança formada pelos maiores arqueiros dos reinos: Dangar (Mornvale), Rangard (Atlareon), Gotric (homens de prata), Valah (elfos), Zigred (gárgulas) e Angard, meu tetravô, de Aldorath. Os arcos e flechas usados por eles para selar os dragões foram criadas pelos Falks.
— Falks? Eles são magos?
— Não. São mestres ferreiros do norte de Raventon. Criaram armas lendárias — inclusive existe uma lenda de que criaram a Anti-Magia, uma arma capaz de destruir o cristal de poder.
Alaric se sentou nos degraus, absorvendo cada palavra.
— Dizem que a Anti-Magia foi usada para matar o mago Orion. Em retaliação, os magos atacaram várias cidades, deixando vários mortos. Malagar e Orinor, então, lançaram um feitiço que transformou todos os magos em pedra. Desde então, se aliaram ao nosso reino.
— Você acredita em tudo isso?
— Às vezes sim, às vezes não. É complicado.
Seguiram em silêncio, admirando o museu a céu aberto. Alaric jamais vira algo tão impressionante. Estava fascinado — tanto pelas imagens quanto pelas histórias.
Beilor o convidou a descer até o sul da cidade para comer o tal prato recheado com Jacquier. O sol já estava alto, e a fome apertava.
Na feira, as pessoas eram simpáticas, mesmo sem saberem quem era Alaric. O dono da taverna, um senhor gordo de bigode chamado Sr. Zi, brincou com Beilor:
— Quando vai virar cavaleiro real, hein? Com tanta gente chegando à cidade... será que é verdade que o príncipe voltou?
Beilor riu e, com leveza, respondeu:
— Mais perto do que longe. Já estou até treinando um recruta — disse, batendo nos ombros de Alaric.
O príncipe refletia. Como o povo ansiava pelo retorno de alguém que mal conhecia? Talvez Malagar não cuidasse tão bem do reino assim...
Após comerem, continuaram explorando. Alaric queria saber tudo: as guerras, os aliados, os povos do norte, os dragões, os antigos guerreiros, os elfos, e o misterioso rio Mormir — amaldiçoado, e transponível apenas pela ponte criada pelos Falks.
Valoriant era uma terra rica em histórias. Nenhuma imaginação seria suficiente para abarcar tamanha diversidade mágica e cultural. Para Alaric, fora uma tarde de descobertas — e de um novo amigo.
Ao voltar ao palácio, escoltado discretamente pelos guardas, Alaric estava exausto. Queria apenas um banho e descansar nos aposentos mais confortáveis que já conhecera — seus próprios.

CAPÍTULO 6 – O NOVO CAVALEIRO
Beilor era um rapaz de futuro promissor. Sempre fora dedicado e demonstrava obediência irrestrita ao pai. Apesar de ter perdido a mãe ainda muito jovem — fato que justificaria, em muitos, um espírito revoltado —, ele não se tornara assim. Pelo contrário, era bem-humorado, gentil e profundamente grato ao pai, a quem admirava com respeito e orgulho.
Ansiava por sua nomeação como cavaleiro de Aldorath. Já havia cumprido todas as etapas para tal, e aguardava apenas a primeira missão. Beilor era um arqueiro excepcional — melhor até que seu pai — e lembrava seus ancestrais, cujas histórias contam que estavam entre os maiores arqueiros do reino.
Era também muito querido na cidade. Sua personalidade extrovertida o tornava simpático a todos.
Após se despedir de Alaric no palácio, Beilor retornou para casa com o coração leve e feliz — não apenas por ter ajudado o futuro rei, mas por vislumbrar o início de uma nova etapa em Valoriant. Quem sabe, sob o novo reinado, as fronteiras seriam reabertas, e ele finalmente poderia conhecer sua avó materna, que vivia no norte, em uma vila famosa por suas habilidosas tecelãs.
Beilor sentia os ventos soprando a seu favor. Caminhava observando com carinho as pedras das ruas, o cheiro da chuva que se anunciava, e a possibilidade iminente de tornar-se cavaleiro.
Quando se aproximava de casa, avistou o general Ballador saindo pela porta. O homem o olhou com firmeza e disse:
— Chegou a sua hora, jovem Beilor. Faça valer sua nomeação.
Ao entrar, encontrou seu pai Aneir na presença de Aretain, o primeiro capitão do exército, à sua espera.
— O que está acontecendo? — perguntou Beilor, confuso.
— Ajoelhe-se, Beilor. Hoje, você será nomeado cavaleiro, pelos poderes conferidos a mim pelo mago Malagar — disse Aretain solenemente.
A nomeação de cavaleiros era um ato reservado ao rei, generais ou aos primeiros capitães, como era o caso de Aretain. A urgência da missão do dia seguinte justificava a antecipação da cerimônia.
Beilor não hesitou. Ajoelhou-se imediatamente, enquanto seu pai estufava o peito de orgulho.
Aretain empunhou sua espada, erguendo-a diante do rapaz, e iniciou:
— Pelos poderes a mim conferidos, segundo os decretos do rei Thalionar, primeiro rei de Aldorath, dou início à cerimônia de nomeação do cavaleiro. Agora, repita comigo:
“Homem ou mulher, ancião ou criança, prometo sempre proteger todos do reino, mesmo que isso me custe a vida. Prometo que darei minha vida se ordenado e que cumprirei qualquer determinação ordenada pelo meu rei.”
Beilor repetiu cada palavra com convicção.
Aretain pousou a lâmina da espada sobre o ombro esquerdo do jovem e declarou:
— Pelo povo do reino...
Depois, levantou a espada, pousando-a no ombro direito:
— Pelo seu rei...
— Está nomeado cavaleiro de Aldorath.
Aquele era, sem dúvida, um dos dias mais felizes da vida de Beilor. Via nos olhos do pai um orgulho silencioso — e era exatamente isso que ele mais buscava.
— Agora, deixo vocês a sós. Aneir precisa lhe passar os detalhes da missão — disse Aretain, retirando-se.
— Obrigado, meu amigo. Pode deixar que explicarei tudo — respondeu Aneir.
Sozinhos, pai e filho se abraçaram longamente. Depois, Aneir revelou o motivo da nomeação antecipada.
— Há alguns dias, a magia que sustentava o campo de força sobre a ponte do rio Mormir caiu. Atualmente, temos homens guardando a passagem, impedindo a entrada de invasores no sul. Os rumores não chegam à cidade para não alarmar o povo, mas há relatos de pessoas que viram grupos de gárgulas cruzando a fronteira. Ainda não temos confirmação.
— Estamos à beira de uma guerra? — questionou Beilor.
— É o que suspeitamos. Por isso precisamos restaurar a magia e evitar mais mortes. Mas não podemos colocar a vida do príncipe em risco. Ele acabou de retornar. Por isso, um grupo de batedores foi destacado para ir à frente, reconhecendo o caminho e deixando sinais de alerta.
— Eu participarei deste grupo?
— Exatamente. E, para ser honesto, eu não queria que você participasse dessa missão. Mas com as restrições impostas por Malagar, poucos fizeram o trajeto recentemente. Você esteve com Ballador e Borin nas competições de arqueiros em Mornvale há apenas dois meses. É o único entre nós que conhece bem o trecho após os limites de nosso reino.
Beilor ouviu tudo em silêncio. Compreendia o risco, mas também a necessidade. A missão seria executada ao amanhecer, antes mesmo da lua se recolher. O príncipe, por sua vez, partiria mais tarde, já sob o sol da manhã.

CAPÍTULO 7 - O INÍCIO DE UMA JORNADA
Naquela noite, Alaric não precisou de nenhuma poção ou bebida para dormir. Aceitara seu destino, não por imposição ou medo, mas porque havia recuperado suas memórias — lembrava-se agora de quem era e de onde vinha.
Na manhã seguinte, ao despertar, encontrou sua armadura disposta sobre um manequim ao lado da cama. Após o desjejum, uma das funcionárias do palácio entrou acompanhada de um senhor de semblante austero, que parecia ser o responsável pela vestimenta.
— Esta armadura é belíssima — comentou Alaric —, mas parece pesada. Deve ser difícil se mover com ela.
— Foi forjada pelos construtores de Bizanto, Vossa Alteza. Garanto que não sentirá dificuldade alguma ao vesti-la.
Embora não soubesse quem eram os tais construtores de Bizanto, Alaric aceitou a resposta como se fizesse todo o sentido, o que deixou o senhor visivelmente satisfeito. E, de fato, ao vesti-la, comprovou que a armadura era surpreendentemente leve, ainda que extremamente resistente.
Do lado de fora de seus aposentos, dois guardas o aguardavam.
— O mago Malagar espera Vossa Alteza na entrada do palácio.
Alaric caminhou pelos corredores até alcançar a entrada, onde já se encontravam o mago, o general Ballador e o conselheiro Baldric. Ao atravessar os portões do palácio, deparou-se com seu exército: dezenas de homens perfilados, prontos para a jornada.
— Será uma missão tranquila, Alteza — afirmou Malagar —, e ao retornar, com o reino mais seguro, celebraremos sua coroação como rei de Aldorath.
Alaric acenou com a cabeça, demonstrando confiança. Baldric se aproximou e fez um gesto para que o acompanhasse. Pararam no último degrau da escadaria do palácio, e o erudito se voltou para o príncipe.
— Majestade, desejas seguir de carruagem ou a cavalo com os soldados?
Mais do que uma simples escolha de transporte, aquela decisão representava a imagem que Alaric transmitiria a seus homens. E embora não tivesse sido preparado desde a infância para governar, era o herdeiro legítimo, e precisava mostrar isso.
— Irei a cavalo, com os homens.
Baldric assentiu e mandou que retirassem a carruagem real. Logo surgiram os cavalos — imponentes, de pelagem castanha lustrosa, com marcas nos flancos que lembravam raios.
— São Sleipnirs — explicou Baldric. — Apenas uma pequena parcela da nobreza tem acesso a eles.
Alaric reconheceu o tipo de cavalo montado por Ballador no dia em que o encontrou fora dos muros. Montou com facilidade, ajustando-se à sela elevada. Ao sinal de Baldric, Ballador deu início à marcha.
A cidade, antes silenciosa, agora fervilhava. Pessoas ocupavam janelas, sacadas e ruas, vibrando com a passagem do príncipe. A notícia se espalhara como fogo e, com ela, a esperança.
— As pessoas estão esperançosas, Majestade — comentou Baldric.
Alaric acenou, dividido entre o entusiasmo e o peso da responsabilidade. Pensava nas palavras de Nora, no papel dos magos, no medo e na saudade que uniam aquele povo.
Baldric, percebendo seu conflito, explicou:
— Após a morte de seu pai, o mago fechou as fronteiras com os reinos do norte. Muitas famílias foram separadas. Os que estavam aqui não puderam sair, e os que estavam fora não puderam retornar. Há muita dor, muita mágoa.
— Existem povos do norte vivendo entre nós?
— Não em Aldorath. O mago não permite. Mas ao longo da Estrada Livre e em Atlareon, sim. Dizem até que gárgulas já foram vistos.
A Estrada Livre cruzava todos os reinos de Valoriant — de Mornvale até o extremo sul. Um antigo pacto garantia neutralidade naquela via, mas fora rompido quando as fronteiras foram fechadas.
— Então não é mais uma zona segura?
— Longe disso. Os postos de controle foram abandonados. Hoje há saqueadores, nômades, gente revoltada. Aldorath perdeu o respeito de muitos.
Trombetas interromperam a conversa enquanto cruzavam os portões de Ravendal. Baldric pediu licença para resolver assuntos pessoais, e Alaric prosseguiu, contemplando a paisagem.
Logo se aproximou de Aretain.
— Em que posso servir, Majestade?
— Onde está Beilor?
— Ele seguiu com um grupo à frente para garantir a segurança da estrada.
— A viagem é longa?
— Faremos nossa primeira parada esta noite. Amanhã seguiremos para cidade das flores. De lá seguiremos para o nosso destino final. Levará cerca de dois dias e meio até lá.
Aretain percebeu que o príncipe tinha dúvidas, mas hesitava em demonstrá-las. Com tato, aconselhou:
— Não se preocupe em parecer inexperiente. O povo de Aldorath valoriza líderes que agem com o coração. Nem sempre suas decisões serão compreendidas, mas um líder deve fazer o que é certo, mesmo quando isso não for popular.
Alaric sorriu. Aretain mostrava-se confiável — diferente de Ballador, cuja frieza causava desconforto. Como se lesse seus pensamentos, Aretain comentou:
— Não se preocupe com o temperamento do general. Ele é leal, talvez o mais leal entre nós. Se for preciso, dará a vida pela sua.
— Obrigado, Aretain.
Seguiram conversando. Alaric ouviu sobre o rio Mormir, que dividia Valoriant. Ao norte, os reinos dos gárgulas, dos homens de prata e dos elfos. Ao sul, Mornvale, Atlareon e Aldorath.
— Existem apenas duas passagens pelo rio: a ponte central, cuja estrada dava diretamente em Ravendal, e a entrada de Liramar. Mas há uma magia antiga no rio. Qualquer um que tente cruzá-lo por outros meios desaparece para sempre.
Tudo parecia fantasioso demais — mas, em Valoriant, nada era impossível.
No decorrer da jornada, Alaric aproximou-se de soldados, ouvindo suas histórias e ganhando respeito. Já causava boa impressão entre os homens. Para Baldric, aquilo era prova de maturidade precoce. Mas aos olhos de Ballador, ainda era só um garoto.
Enquanto o sol se punha, Alaric ouvia uma discussão animada entre dois soldados sobre elfos e gárgulas.
— Perdão, senhores... O que são elfos?
Embaraçados, os soldados explicaram: criaturas de luz, ágeis, mágicas — embora um deles zombasse, dizendo que eram só “fadinhas”. A explicação era confusa, mas Alaric riu e deixou-os discutir.
À noite, já próximos da Cidade das Flores, conversou com Baldric sobre Ballador.
— Ele não gosta de ninguém, Majestade — disse o conselheiro. — Exceto Aretain. Acredita que todos o rejeitam, por isso repele antes de ser repelido.
— E o general Borin? É diferente?
— Muito. O senhor irá gostar dele.
Antes que pudessem continuar, foram surpreendidos por fogos de artifício. Uma multidão os aguardava na entrada da cidade.

CAPÍTULO 8 - CIDADE DAS FLORES
A cidade era fascinante. Árvores de folhas amarelas cobriam boa parte da paisagem interna, e canais cortavam as ruas, por onde casais faziam passeios românticos em pequenos barcos. Esses canais conectavam os principais rios que permeavam a cidade. Mas o que mais chamava atenção era a profusão de flores: estavam por toda parte — ramos sobre os telhados, pétalas espalhadas pelo chão, jardins coloridos em cada canto. Por algum motivo, o solo daquela cidade era extremamente fértil para o cultivo de flores.
Baldric orientou o general para que todos pernoitassem naquela noite na casa da irmã do falecido rei — a viúva Liora, tia de Alaric e uma e administradora da cidade das flores, que atualmente tomava as decisões finais da cidade.
Alaric nunca conhecera sua tia. Antes que qualquer encontro acontecesse, houve o atentado que resultou em seu desaparecimento. Liora, por sua vez, também jamais o vira desde bebê.
Ela já estava preparada para receber os guerreiros, pois Beilor havia chegado na frente com a notícia. Sua residência era ampla, com anexos à casa principal, auditórios para debates e palestras que ela organizava regularmente, inclusive reuniões do conselho da cidade — abertas a todos os interessados.
A anfitriã aguardava à entrada do casarão, acompanhada de alguns funcionários e de sua filha, Elara, um ano mais velha que Alaric. Liora era uma mulher alta, de ombros largos, boca grande e olhar intenso, que inspirava respeito. Elara possuía um físico forte, cabelos lisos e rosto fino — traços herdados do pai.
Alaric aproximou-se tentando ser o mais formal possível, mas foi surpreendido por um forte abraço. Apesar de não a conhecer, sentiu naquele gesto um calor familiar genuíno. Pela primeira vez desde que chegara a Valoriant, sentiu-se verdadeiramente acolhido.
Logo, Alaric, Baldric, Liora e Elara entraram na residência. O general se despediu, alegando ter assuntos a resolver na cidade, e prometeu vê-los pela manhã.
Durante o jantar, Liora comentou sobre a importância da presença de Alaric para o reino. Após alguns elogios, relembrou façanhas de seu pai — o rei Harald — destacando que, embora não tenha enfrentado grandes perigos, foi um bom soberano. Isso, no entanto, havia mudado drasticamente nos últimos tempos.
— Alaric, há um mal crescendo dentro de Aldorath — e não apenas em nosso reino. Algo está se ocultando, e sua ascensão culminará na ruína de todos os povos.
— Por favor, Liora — interrompeu Baldric —, não é hora para isso. Você acabou de conhecer seu sobrinho. Não comece com essas histórias.
— Não são histórias, Baldric. Precisamos nos defender desses magos perigosos. Quando a cidade murada cair, o único lugar com estrutura para resistir será a cidade das flores. E não pense que os guerreiros de Mornvale ficarão ao nosso lado — já viraram as costas ao seu avô antes.
— O que está acontecendo? O que eu não sei? — questionou Alaric, intrigado.
Antes que Liora pudesse continuar, Baldric explicou:
— Sua tia faz parte de um grupo que não apenas desconfia, mas odeia os magos e outras raças que compartilham o poder em Valoriant. Acreditam que os humanos deveriam governar sozinhos sob uma única bandeira, e que os magos não deveriam existir.
— É só isso, Baldric? — provocou Elara. — E quanto ao fato de que temos provas de que o mago está por trás da morte dos seus pais?
— Depoimentos baseados em “visões” de habitantes da floresta não são provas, Elara. E mais: a vida do príncipe Alaric foi salva por um mago. Se não fosse por ele, teria morrido junto de seus pais.
Alaric, apesar da confusão, sentia necessidade de saber mais sobre a morte de seus pais e o que estava por trás daquilo tudo.
Liora retomou a palavra:
— Como deve ter percebido, príncipe, os reinos vivem divididos. Guerras e traições são parte da nossa história desde que os homens deixaram de reinar sozinhos e dividiram o poder com outras raças. Nós não odiamos os outros povos. Eles precisam de um rei forte que os guie. Olhe ao que chegamos: reinos invadidos, mortes, disputas internas em Raventon, e magos fechando fronteiras com justificativas frágeis. Tudo isso começou com a divisão de poder promovida por Harond após a guerra dos povos. E os magos que hoje estão soltos trancafiaram todos os outros em prisões mágicas — o que acha que vai acontecer se esses forem libertos?

— Mas por que vocês acreditam que os magos estão contra nós? — insistiu Alaric.
— É tudo por poder. E o fato de você ser herdeiro do trono ameaça esse poder. — disse Elara.
— Se eu sou tão perigoso assim, por que não me mataram quando cheguei ao castelo? Estão me ajudando até agora...
— Porque, para que a magia funcione, o sangue real precisa estar vivo. O mago manterá você vivo — mas sob controle. — argumentou Liora.
— Isso são apenas suposições — rebateu Baldric. — É arrogância demais achar que os humanos são superiores e devem dominar todos os outros povos. Às vezes sinto saudade de quando você era menos... fervorosa.
— Eu nunca fui menos! — respondeu Liora, firme.
— Exato. — finalizou Baldric, olhando para Elara com cansaço.
— Alaric, precisamos descansar. A viagem de amanhã será longa. — concluiu o conselheiro, encerrando o jantar.
Liora, antes de liberá-los, fez questão de reforçar:
— Independente do caminho que escolher, você é nossa família. Sempre será bem-vindo na cidade das flores, Alaric.
O príncipe agradeceu, sentindo-se tocado, e foi conduzido aos seus aposentos. No caminho, perguntou a Baldric se havia alguma verdade nas suspeitas de sua tia.
— Liora é uma mulher de valor, mas também uma alma ferida. Prefiro acreditar que esteja enganada. Pois, se estiver certa, estaremos todos em grande perigo.
O quarto de Alaric era no terceiro andar, com vista para um jardim florido. Já deitado e repousando, ele passou mais de uma hora estirado na cama, contemplando a paisagem, até ser interrompido por um som vindo da varanda.
Havia uma sombra por trás das cortinas. Empunhou sua espada e caminhou devagar até lá, os ventos da noite sacudindo os tecidos pesados. E então foi surpreendido...


CAPÍTULO 9 – O MAGO MALAGAR
Enquanto isso, em Ravendal, o mago Malagar demonstrava apreensão diante dos recentes acontecimentos. Aguardava notícias da investida contra o reino de Atlareon, mas havia um outro problema que o preocupava ainda mais. Caminhava em círculos ao redor da grande mesa retangular que ficava em seus aposentos, absorvido em pensamentos.
Seu servo, um homem de aparência repulsiva — corcunda, rosto torto e, apesar dos olhos verdes, desprovido de qualquer atrativo — adentrou o salão. Chamava-se Crimoveld.
— Diga logo — rosnou Malagar —, encontraram Baharam?
— Não...
O mago franziu a testa, visivelmente frustrado. Comentou que a energia vital do mago Orinor havia se esgotado e que precisavam urgentemente de Baharam para realizar o ritual de substituição. Com a magia retornando, precisariam estar mais fortes do que nunca para proteger o Sul.
— Mestre... ele pode ter sido capturado pela Nova Ordem. — sugeriu Crimoveld, hesitante.
Malagar ponderou. Talvez seu servo tivesse razão. A Nova Ordem sempre foi contrária aos magos. Talvez estivessem sabotando seus planos.
— Dobre o pagamento para quem trouxer qualquer pista sobre Baharam. Leve essa proposta aos “Sem Pai”.
— Mas mestre, eles são traiçoeiros... farão leilão com essa informação. Venderão ao maior interessado, seja aliado ou inimigo.
— Os “Sem Pai” transitam por todos os cantos do Sul. Conhecem cada trilha, cada buraco desta terra. Se alguém pode encontrar Baharam, são eles.
Os “Sem Pai” eram um grupo de rebeldes formados após o fechamento das fronteiras. Reuniam membros dos três reinos do sul — sobreviventes, foragidos e desertores que roubavam, saqueavam e cometiam toda sorte de delitos. Ao longo dos anos, várias tentativas de capturá-los foram feitas pelos exércitos do Sul, mas todas se mostraram inúteis.
Embora o mago não soubesse exatamente onde encontrá-los, era conhecido que frequentavam a taberna de Calaf, próximo à cidade de Vizrath — um local decadente, repleto de criminosos, e perfeito para contato com os “Sem Pai”.
Por precaução, Malagar ordenou também o envio de espiões à cidade das flores. Sempre houvera desconfiança sobre Liora e sua ligação com a Nova Ordem, embora nenhuma prova concreta jamais tenha sido encontrada.
Crimoveld partiu imediatamente para cumprir as novas ordens.
Sozinho, Malagar dirigiu-se ao canto de seus aposentos. Atrás de um quadro — que retratava um mago erguendo seu cajado e separando os continentes, banhando as frestas com o oceano — havia uma passagem secreta. Ele a abriu e desceu até uma sala conhecida apenas por ele e seu servo.
Era um santuário oculto. Ali guardava pergaminhos de feitiços, registros antigos e armas — algumas criadas por um povo há muito esquecido. Entre elas, encontrava-se a arma lendária usada para aprisionar todos os outros magos. E era essa arma que mais lhe tirava o sono. Se a magia chegasse ao fim... o que aconteceria com os magos aprisionados? Eles seriam libertos?
Esse pensamento o consumia.
A verdade era que, apesar do isolamento, o povo de Aldorath estava seguro. Mas a que custo? Era uma questão filosófica profunda: viver com liberdade e risco ou com restrições e segurança? Só quem já experimentou ambos poderia emitir um juízo justo. Afinal, o preso almeja a liberdade a qualquer preço. Já quem vive em constante ameaça, anseia por proteção.
Malagar, embora odiado por muitos, ainda tinha seus apoiadores. Mas fora de Aldorath, era alvo de desconfiança e desprezo.
Contudo, a história do mago — seus feitos e seus erros — estava prestes a vir à tona. Somente então Valoriant descobriria se havia sido injusta com ele... ou se seus medos eram justificados.
Independentemente da opinião pública, o mago sabia de uma coisa: sozinho, não conseguiria impedir o avanço dos reinos do Norte. Precisava do poder de outro mago.
A guerra estava à porta.

CAPÍTULO 10 – NOVOS AMIGOS
Alaric puxou a cortina e, num movimento rápido, golpeou com a espada — até ser surpreendido e interrompido por alguém conhecido.
— Beilor, é você?
O jovem havia aparado o golpe com destreza e sorria para o amigo, enquanto mais duas garotas subiam pela varanda. Tratava-se de Elara e uma amiga.
— Essa é a mulher com quem vou me casar — anunciou Beilor, em tom teatral.
— Com Elara? — indagou Alaric, surpreso.
Elara logo interveio:
— Deus me livre! É com Natane.
— É uma honra conhecê-lo, majestade — disse a jovem Natane, fazendo uma leve reverência.
— O prazer é todo meu — respondeu Alaric, simpático.
Impaciente, Elara interrompeu novamente:
— Não temos tempo para ficar aqui. Temos que ir!
— Venha conosco, Alaric. Trouxe roupas para que você se misture. — incentivou Beilor.
— Amanhã sairemos cedo, Beilor. E você ainda mais do que eu, pois vai à frente. — ponderou o príncipe.
— Você é o futuro rei. Deve sair quando quiser, não quando aquele homem de prata decidir. — intrometeu-se Elara com sua típica afronta.
— Eu não queria concordar com ela, mas é verdade, majestade — reforçou Beilor.
E como ensina toda velha história, as amizades sempre influenciam. Os jovens desceram escalando a varanda, e Alaric trocou de roupa rapidamente antes de segui-los.
No andar de cima, Baldric e Liora observavam discretamente os jovens da varanda. Conversavam, lembrando de quando também haviam sido imprudentes. O fato de Elara acompanhar o príncipe parecia lhes trazer algum conforto. Ela era respeitada até pelos grandes guerreiros da cidade das flores.
Nas vielas de pedras, os jovens corriam pelas ruas estreitas. Elara liderava, seguida por Beilor, Natane e, por fim, Alaric. Pararam ao lado do rio Valestar.
Ali, no grande píer da cidade, as pessoas jogavam flores para homenagear os entes queridos já falecidos. O rio levava as flores até o estuário e dali, à imensidão do oceano.
Antes de atravessarem a ponte até o píer, os amigos pararam para admirar a bioluminescência gerada pelas flores ao tocarem a água. Era uma visão paralisante. Alaric, encantado, sentiu vontade de perguntar como aquilo era possível, mas preferiu apenas observar.
Beilor e Natane afastaram-se para um momento a sós. Elara, por sua vez, percebeu o quanto Alaric estava impressionado. Sentou-se ao lado dele e comentou:
— Dizem que meu pai morreu num assalto. Nunca encontramos o corpo para sepultá-lo. Uma semana depois, o rei também foi assassinado.
— Você acha que há ligação entre as duas mortes?
— Acredito que sim. Mas não apenas isso. Meu pai era um dos melhores guerreiros do reino. Um simples assaltante não teria sido capaz de vencê-lo.
Elara explicou que, com o retorno de Alaric, esperavam reabrir as fronteiras para enfim investigar a verdade por trás da morte de seu pai. Tanto ela quanto sua mãe acreditavam que, na época do Rei Lucenor, quando os guerreiros dominavam mais territórios, havia mais ordem e segurança. Após a separação dos continentes e divisão dos reinos, tudo se fragmentou — brigas, traições, e a ascensão dos magos ao poder.
Alaric sentia o rancor em cada palavra de Elara.
— Os magos são mesmo tão poderosos assim?
— Você nem imagina. Eles já foram mais fortes, mas traíram os seus e os aprisionaram como pedras numa terra morta. Se algum dia forem libertos, se vingarão não só dos traidores, mas de toda Valoriant.
— E o mago Orinor, que me salvou e me trouxe de volta?
— Não o conheci. Ainda assim, não confio em nenhum mago.
A conversa foi interrompida por Beilor, que os chamava alegremente para atravessar a ponte Valestar. À medida que se aproximavam do fim da ponte, os cânticos tornavam-se mais audíveis, as luzes mais intensas e os barcos, cobertos por flores, formavam um espetáculo à beira do
Valor da Ação (Personalizada): R$ 0,00

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