"Não adianta pedir a cura permanecer em meio aquilo que o adoece"
Antístio Hiporilitus, Apotecário de Roinan
A guerra havia chegado ao oeste, a cidadela de
Polermos se mantinha residente a mais um cerco Centuriano. Os ataques das
legiões eram ineficazes, os muros e portões da fortaleza se mantinham intacto
mesmo após semanas de cerco. Quanto mais batiam, mais dano sofriam, os internos
se mantinham mais seguros que seus invasores, que agora se afastavam com seus
feridos e mortos, tentando contornar as defesas da maior das fortalezas feitas.
A cidadela se mantinha pelas areias escaldantes jogadas de seus merlões naqueles
que a escalavam, nas inundações dos túneis dos sapadores que cavavam e pelas
flechas e dardos que a todos acertavam.
Era a sexta semana de ataque e pouco havia sido conquistado. Nas linhas atrás,
rotas de suprimento eram montadas, as cidades e vilas próximas se transformavam
em quartéis, onde muitos homens se hospedavam e eram tratados.
O sonho da
república do domínio de toda península estava em risco, se a fortaleza se
mantivesse, era impossível avançar para o continente. Entre as cidades e vilas
usadas como posto da grande ofensiva estava Roinan, uma região composta em sua
maioria de vilas antes pacatas, que agora estava lotada de soldados e tropas
auxiliares. Junto deles vieram servos, damas da noite e administradores e
algumas mazelas das grandes cidades.
A situação apenas se agravava cada dia mais, e quem mais sofria de suas máculas
eram os poucos curandeiros que lá viviam. Antes, eram poucos doentes e feridos
por meses a fio, agora eram dezenas por dias, brigas, trazidos do cerco,
doentes ou com outros danos vinham constantemente para serem tratados. Contudo,
quanto mais tempo o cerco se mantinha, pior as condições ficavam, endemias e
surtos começavam a afetar o campo de batalha e também... as linhas atrás
deles.
Antístio era um destes curandeiros,
auxiliado por boticários, herbalistas, e membros do clero de Aramam darem
suporte aos guerreiros feridos voltarem ao campo de batalha, contudo, nas
semanas após a virada do mês, muitos tiveram de ir para outros postos tratar
feridos ou foram convocados para outras funções. Sobram apenas três para dar
suporte ao bestial corvino, que se encontrava em situações cada vez piores.
Em seu trabalho, ele entrava na sala médica criada para atender todos aqueles
feridos e doentes, não havia lugar para todos, alguns estavam escorados nas
paredes de madeira recém-feitas ou no chão forrado de palha e tecido. O mesmo
pegava um caldeirão de água e dava para beber aos incapacitados, a comida era
racionada, tendo apenas o necessário para sobreviverem mais alguns dias, mas
nada que os fortalecesse. Antístio era corcunda, media 5 pés e 3 polegadas
(1,60), seu rosto penado escondia sua velhice, seu bico estava marcado pelos
atos de sua juventude. Suas penas dos braços estavam falhas e frouxas pelos
constantes experimentos com ervas e alquímicos, suas patas eram grandes e
estavam cobertas por faixas de couro que enrolavam da garra até as coxas.
Antístio continuava a dar o que beber aos feridos enquanto um goblin jovem
entrava, contudo, pela porta ligeiramente.
— O que foi agora, Tuliu? E você está atrasado! — O bestial dizia enquanto
colocava a concha de volta no balde, já pondo mais água para um hobgoblin
ferido.
— Querdistu foi enviado para a linha de frente! — Antístio olhava para o goblin
por um momento em silêncio, deixando um pouco da água da concha derramar, ele
jogava-a no recipiente com certa violência.
— Tirarão nosso acolito também? Vamos fazer o que agora? Por que esses malucos
estão levando ele? — começava a andar em direção a Tuliu, irado com a notícia
dada.
— Eles disseram haver muitos mortos e não têm como trazê-los para cá para
enterrar. Precisam ser velados lá. — O auxiliar dava alguns passos para trás em
meio à investida do bestial, o mesmo parava por um momento pensando e suspirava
desanimado.
— Certo... certo... chegaram nossos pedidos de
cavalinha ou enxofre em pó? No mínimo, as bandagens? — O goblin tirou seu
chapéu curto da cabeça, negando enquanto olhava para baixo.
Antístio olhava para os feridos com um olhar de derrota e amargura por ver a
situação desesperadora que se encontrava, era questão de tempo até alguns ali
perderem suas vidas. O corvo tocava na cabeça do pequeno ajudante e começava a
andar em direção a uma porta em uma parede de pedra.
Passando pela porta, ele se encontrava em uma pequena
sala, onde se tinham poucas estantes cheias de especiarias, ervas, frascos e
uma pequena biblioteca. Ao fundo, uma fonte de água cristalina que saia do teto
e ao lado da fonte uma banca de alquimia onde era feito todo antídoto e poção.
Ao centro, tinha uma pequena estátua do Deus da Vida, o pai de todos. Ambos
reverenciaram a estátua ao entrar e fecharam a porta. Antístio andava em
direção aos livros, colocando no atril, folheando as páginas com grande maestria,
a procura das receitas para tratar seus pacientes. De forma gradual, Tuliu
olhava com curiosidade e o corvo o olhava sério.
— Preciso que pegue flores de alcaçuz, precisamos fazer remédios para os com
problemas no estômago... e peça ao Carino para trazer calêndulas, Confrei,
Papoula e hortelã. Precisamos fazer poções, e se ele estiver dormindo. — O
mesmo se virava para o pequeno, se abaixando um pouco para olhar bem em seus
olhos. — Bata nele, se ele levantar a mão, diga que foi ordem minha. —
— Sim, senhor!
— Perfeito, vai lá... vou preparar a ração deles, avise o povoado que só vamos
atender problemas a partir do médio Solaris, ou em questão de emergência.
O auxiliar trazia as flores secas de alcaçuz para a mesa de alquimia e começava a andar para fora daquele hospital improvisado. Antístio ficava sozinho novamente, agora ascendendo as caldeiras para dar início ao preparo dos remédios. Com seus conhecimentos, ele pegava a menta seca e moinha junto do alcaçuz em um pó fino e seco, após ferver o álcool na caldeira, jogava ambos ingredientes e um pouco de pó de carvão. Mexendo tudo por poucos minutos até diluir na solução, logo em sequência derramava nos frascos de cerâmica ainda quentes, deixando-os enfriar dentro destes.
Ele andava até o outro lado lavando suas mãos com os
óleos e com água, seus dedos estavam calejados e marcados pelas queimaduras de
anos de procedimentos. Era algo cansativo, mas essencial a se fazer, o bestial
suspirava e andava até uma parte onde se mantinha o depósito dos poucos
recursos alimentares que lá se mantinha.
Havia centeio, frutas maduras, salsicha e toicinho e um pouco de sal e mel. O
corvino olhava aquilo por um momento, vendo o pouco que restava e olhava de
volta aos feridos e acamados com grande tristeza.
— Isso só vai dar para mais três dias... precisamos de mais. — Ele pegava um pouco de cada alimento e começava a cortar finamente os pedaços de carne e frutas para render, colocava um pouco dos grãos e jogava bastante água para render aquele alimento, ele colocava pitadas de sal e duas colheres de mel para dar energia àqueles feridos.
Lentamente, a água começava a
borbulhar, o cheiro agradável se espalhava pelo ar, a água pegava a cor dos
alimentos e parte do gosto, ele puxava para si o caldeirão, colocando um pouco
para si e para seu auxiliar. O apotecário pegava o resto e começava a
distribuir entre os pacientes, alguns menos injuriados e maculados comiam com
certa ferocidade o pouco que lhes era dado e os acamados eram alimentados, eram
deixados por último para serem devidamente abastecidos. Alguns dos enfermos,
ainda famintos, tentavam a sorte tentando pegar do recipiente que o velho
transportava. Sua chegada era recebida com pauladas da concha de madeira que
repreendia a audácia dos feridos.
— Tentem de novo e vocês ficarão sem comida! Já há pouco e não podemos dar mais
do que o necessário! — O bestial gritava furioso, jogando a concha de volta na
panela vazia. O apotecário andava até a sala, pegando agora as poções
resfriadas e levando aos pacientes que necessitavam delas. O cansaço daqueles
intermináveis dias começava a bater no velho humanoide, que em meio ao
tratamento se sentava em desânimo nas camas, pegando um pouco de ar para tratar
o próximo.
Se mantendo com um ar cabisbaixo, terminando de tratar os poucos que podia,
voltando para a sala e comia aquele cozido frio, sentado perto da bancada à
espera do retorno de seu auxiliar. O mesmo ficava a admirar a estatueta divina
à sua frente enquanto bicava os finos pedaços de toicinho e salsicha que tinha
em sua tigela.
— Meu Deus... por favor... dai-me energia para me manter. Eu já não sou jovem,
estou ficando tão debilitado quanto aqueles que eu cuido... dai a mim só mais
um pouco de energia, para que possa continuar a manter a vida desses jovens...
es não estão prontos para dar suas mãos ao fim. —
O mesmo terminava de comer, deixando o pote
próximo dos outros recipientes sujos. Ele ia lavando as mãos novamente, os
únicos sons que se escutavam naquele descrente lugar eram os gemidos dos
doentes. O corvino esperava a chegada do goblins com os medicamentos, alguém
abria a porta, mas não era ele, era uma mulher alta que tinha seu corpo coberto
por uma túnica dos pés à cabeça.
— Quem é?
— Sou Aurellia, vim aqui, pois me disseram que vocês poderiam me ajudar...
— Ajudá-la? — O bestial se sentava no pequeno banco e fechava a porta dos
pacientes. — E o que te acomete? Sei que não é daqui, Aurellia de quê? A última
Aurellia que atendi era metade do seu tamanho e trabalhava com curtume.
— Aurellia Seripis Dulcícia — A dama tirava o robe que cobria seu rosto,
mostrando diversas cobras de sua cabeça. Ela era uma musa, suas serpentes eram
brancas com listras brancas e seu rosto era cheio de sardas. Seus olhos eram
castanhos e suas orelhas eram esguias e pequenas. Seu pescoço tinha pequenos
fios coloridos. — Estou me sentindo mal esses dias...
— Continue, me fale o que te faz "sentir mal" — Ele esticava os
braços até a estante, pegando um pequeno livro e um lápis de ponta de carvão. —
Comece.
— Bem... sinto tonturas quando o dia está quente, sinto dores em minhas coxas e
às vezes vomito uma substância pegajosa... eu não sei o que fazer. — Sua doce
voz só mostrava tristeza, ela colocava a mão em seu rosto, ocultando seus olhos
por um instante.
Antístio viu que ela não portava item
algum de fidelidade em seus dedos e, com um ar calmo, a fez se sentar.
— Diga-me, com o que você trabalha?
— ... — ela olhava para o lado com certa vergonha, ele batia o bico, a chamando
a atenção.
— Não precisa esconder, estou te tratando. Essa coisa que você diz sentir pode
ser várias. Está sentindo sua intimidade liberar alguma coisa?
— . . . Sim — a musa olhava para os lados um pouco tensa, colocando a mão em
seu braço, o apertando de leve.
— Você teve... contato com... soldados? — ele perguntava enquanto colocava uma
luva de couro na mão e começava a folhear as páginas dos documentos.
— Eu tive, eles me pagam bem...
— A maioria era de que tipo? goblinoides? Bestiais? — ele se levantava, pegando
alguns óleos e vendo os poucos remédios que tinha.
— Maioria era goblinoides... — ela se virava por um momento, olhando para a
porta desconfiada de que estivesse sendo ouvida por algum curioso.
— Certo... — ele pegava em mãos alguma das poucas folhas que tinha. — Preciso
que me mostre. Tenho duas opções do que pode ser, uma delas é tratável, a outra
é grave.
Aurellia olhava com um total desconforto e suspirava,
puxando seu robe e sua saia. Suas panturrilhas estavam queimadas pelo sol e,
quanto mais subia, mais claro ficava. As pernas estavam com manchas esverdeadas
e seu íntimo estava inchado e embranquecido, cercado de espinhas. Ele pegava
uma pequena chapa de metal e, com grande delicadeza, tirava um pouco além de
espremer uma das espinhas, tirando o pus nela encontrado.
O mesmo tirava suas mãos da jovem e se afastava, levando para a bancada
alquimica aquilo, ele tirava suas luvas, jogando álcool que havia sobrado em
uma das poções. E deixava-a pendurada pingando. Seripis olhava curiosa para o
que o bestial corvino fazia. Ela se cobriu e começou a se aproximar da bancada,
vendo ele testar as secreções com líquidos e produtos, vendo suas reações.
— Uma notícia boa para ti, não é Cierino. Você está com fungo de Gubo.
— Fungo de gubo? — ela e suas cobras olhavam confusas para o apotecário que
apenas arrumava algumas misturas e moía mais folhas com óleo, fazendo uma
espécie de pasta.
— Fungo de gubo é uma doença comum em goblins, mas como eles são resistentes, eles não sentem seus efeitos. Aqui não tem banheiros como as cidadelas e tampouco casas de banho. Você deve ter tido muitos clientes goblins nessas semanas. — O velho mexia até a substância espumar. — Vou te dizer o que tem que fazer. Siga se quiser que isso acabe.
A musa consentia com a cabeça a espera das instruções
do médico que entregava para ela uma pomada em um pequeno recipiente de pedra.
— você vai raspar-se e se limpar duas vezes por dia, uma depois que a lua azul
atravessar o horizonte e a segunda vez quando for noite. — o mesmo ditava as
regras enquanto ela olhava para o pote vendo aquela substancia estranha cor
musgo. — após os banhos você tera que passar isso nas feridas, por uma semana.
— Ela consentia com a cabeça e se levantava de leve
— aliás... senhorita Aurellia, conselho...
A jovem parava olhando para o velho bestial que arrumava os frascos e guardava
no lugar as plantas que havia usado.
— Evite fazer isso, se fizer... no mínimo tente limpá-los ou verifique. Essa
doença não é tão grave... mas há outras que são.
— Obrigado pelo conselho, médico. Obrigado por me ajudar nisso... — a jovem
colocava um saquinho na mesa e fazia um sinal de agradecimento para ele e para
a estátua. Quando ela saía, dava de cara com Tuliu, que tentava passar
apressadamente. A jovem deu espaço para ele, que correu para o interior.
— Desculpe a demora.
— O que houve para demorar tanto? — O bestial reprovava o auxiliar com os
braços cruzados e batendo suas unhas curvadas das patas no chão.
— Tive problemas. Por eu estar correndo, acharam que eu tinha roubado algo pela
pressa. Ai, me pararam para ver o que eu estava carregando.
— Conseguiu trazer as plantas?
— algumas.
— Como assim algumas? Aliás, o Carino não está
contigo... onde ele está?
— ... — Antístio olhava para os goblins cada vez mais insatisfeitos, coçando os
olhos, irritado.
— Tuliu... Onde Carino está.
— ... Ele... fugiu.
O velho olhava aquilo e sua raiva se transformava em uma face de tristeza
completa. — fugiu? Por quê?
— A mulher dele me disse que ele partiu na noite passada, estavam querendo
levá-lo para o cerco para lutar. —
O apotecário se sentava no chão refletindo por um momento, o goblin se
aproximava do mesmo tentando ajudá-lo, mas o olhar de cansaço em seu mestre o
impedia de ajudá-lo. — Eu o entendo... só somos nós dois agora. No mínimo,
temos as plantas... mas estamos com comida para três dias. Se não tivermos
alguma ajuda... vamos perder a maioria deles, e nosso trabalho terá sido em
vão.
— Eu entendo, doutor... estamos com tempos difíceis, mas vai passar. — Tuliu
tocava no ombro de seu líder, se levantava levando as plantas para a bancada,
as separando em seus tipos.
O velho bestial se levantava após alguns segundos,
ajudando-o em seu trabalho e pegando as melhores para preparar tônicos e novos
remédios para seus pacientes. O preparo era lento, pois precisava extrair muito
do extrato das ervas e concentrar sua fórmula. Aquele resto era reaproveitado
no secamento, onde era transformado em pó para futuras ações. Tuliu, que focava
no processo de desidratação das plantas e depois as moendo, olhou estranhamente
para o saquinho deixado pela mulher.
O mesmo parou sua ação e foi até o mesmo o abrindo, seus olhos arregalaram-se e
um sorriso aberto despertava em seu rosto.
— Antístio! Antístio! Olha só. — Ele virava a trouxa de tecido revelando
algumas moedas de prata e cobre. O corvino, mesmo sem orelhas, movia sua cabeça
parcialmente para trás sem tirar as mãos do trabalho, olhando para o rico
pagamento feito pela musa.
— Pegue metade desse dinheiro, vá até o apicultor e pague nossa dívida e
o que sobrar compre de mel e cera. — Ele pressionava as folhas, tirando seu
extrato — precisamos fazer tratamentos rápidos. O resto, vamos usar para
comprar comida.
— Mas a gente precisa de linho para as bandagens.
— Não... vamos usar o método tribal, temos pouco... não podemos gastar com
linho, pague algum dos famintos para trazer taboa para nos em troca de algumas
moedas de prata. — apotecário pegava aquele extrato e colocava em um pequeno
recipiente que estava no fogo. — preciso disso hoje... aliás, se vir o
administrador das entregas, mande-o vir aqui. Preciso falar com ele.
O goblin consentia com a cabeça com o ato e, após
separar as moedas, colocava algumas no próprio bolso, fazia um sinal de
agradecimento à estatueta, contudo, antes de sair, o mesmo era entregue um pote
de alimento preparado. Tuliu o pegava, saindo andando em busca do solicitado.
Antístio ficava lá, novamente sozinho, fazendo os remédios com as plantas dadas
e voltando a tratar os feridos. Andando para a outra sala, todos se mantinham
nos mesmos lugares. Os olhares mortos e desesperançados eram comuns naquele
lugar frio. A pouca luz que se tinha era das frestas e das velas acesas pelo
pequeno corredor. O corvino ia dando medicamentos para algumas doenças aos
doentes, até chegar em um dos debilitados. Ele não se movia e apenas olhava
para o corredor. Seus olhos não piscavam e nem mesmo a coberta se mexia.
— Ei... ei... — tocando no paciente, sentiu sua pele gelada, foi levar a mão em
seu pescoço e nenhum sinal se tinha.
-x-
Os olhos estavam abertos, mas sem
vida, o cuidador olhou para aquela situação, tirando seu pequeno chapéu e
abaixando a cabeça. Alguns que viam a situação, lamentavam e até mesmo
choravam, sentindo que poderiam ser os próximos a ter aquele destino. O médico
enrolou o corpo e o arrastou consigo até o lado de fora. Ele escorava o defunto
na parede e se sentava próximo à porta, lamentando em sua mente a perda de mais
um de seus pacientes.
O lado de fora, a situação era cada vez pior, as ruas eram batidas de barro com
algumas pedras que antes formavam as pequenas estradas, agora eram a mais pura
lama. Os pedintes eram comuns e muitas vezes sendo soldados rasos que perderam
seus membros. Nos cantos, podia ver diversas raças conversando no escuro e
trocando entre si artigos proibidos. Havia soldados e guardas para todos os
lados, mas nenhum deles parecia querer combater aquilo, todos estavam indo de
um lado ao outro para buscar refúgio após os falhos e longos dias de cerco
contínuo e desgastante.
As bancas de alimentos outrora farta, agora, só tinham o suficiente para
aqueles dispostos a pagar seus preços elevados. Grande parte da comida era
reservada para os soldados que iriam ao Fronte de Batalha, o resto era
encaminhado para os administradores que protegiam as reservas com tudo que
estava ao seu alcance. Furtos e assaltos se tornaram comuns e, naquela
situação, medidas drásticas eram tomadas, os criminosos que eram pegos. Muitas
vezes eram enforcados ou transformados em escravos de dívida.
Antístio esfregava seus olhos cansados após contemplar a drástica mudança de
sua vida. O corpo estava em uma pequena plataforma de madeira, para evitar que
os cães comessem o corpo. Ele se levantava e abria a porta para voltar ao seu
exaustivo serviço.
— Moço... moço... — uma voz infantil se aproximava do velho bestial, o mesmo se
virava notando a chegada de uma jovem correndo vestida com roupas sujas e
amarrotadas, ele cruzava seus braços olhando para aquele ser de pele
acinzentada já sabendo que se tratava de uma pedinte. — Deixe-me adivinhar
hobgoblin, precisa de sal ou moedas para comer?
Ela olhava para baixo e puxava do bolso dois dentes
caninos afiados. Sua face era desanimadora, o apotecário arqueava sua
sobrancelha e se ajoelhava vendo os caninos.
— ... — ele levava a mão na boca da jovem, vendo que foram arrancados dela, era
uma orquina — quem fez isso com você, pequena?
— ... gente má, me bateram e... e... e queriaun meus dentis para vender...
— Entra.
— Mas... — As penas do corvino ficavam levantadas como se estivesse mostrando
tamanho e abrindo o bico, o batendo, fazendo um barulho similar a dois
martelos, se batendo ele repetia.
— EN-TRA.
Sem resistência, ela entrava no lugar correndo e
depois ele entrava olhando para os lados, fechando a porta com força o
suficiente para dar um estrondo e soltar farpas de madeira. Todos do lado de
dentro olhavam assustados para o velho, que mostrava um ar intimidador com sua
figura irada. Levava a pequena até a sala e a fazia sentar no banco de madeira.
O medo ficava um tanto elevado, ela sentia que havia feito algo errado.
Antístio se ajoelhava de frente à mesma e tocava em seu rosto, vendo o estrago
feito.
— Eram quantos?
— Cincu. — O incômodo era claro, seus dentes foram arrancados de forma
extremamente cruel, a saliva estava avermelhada pelo sangue que saía. Se
levantando, o bestial ia até a bancada pensando em como ajudá-la, olhava para
os utensílios de cauterização, sendo uma das formas eficientes, mas, ao olhar
para a idade da orquina o receio batia como um golpe de tacape. Via que havia
mel, vinagre e várias ervas frescas para seu uso, mas pouco se tinha em seu
favor, ele olhava para a estante com os poucos livros e lembrava de algo.
Pegava um copo de madeira e colocava vinagre, levando para ela.
— Coloque na boca e chacoalhe, eu vou preparar um
remédio... não beba o vinagre. — A garota olhava para o copo que tinha um
cheiro forte e terrível para suas narinas, ela olhava para o apotecário e
engolia seco, começando a executar a ordem dada. A angústia e o nojo ficavam
marcados em seu rosto enquanto ela levava o líquido de bochecha a bochecha.
No mesmo momento, o corvino queimava folhas de menta, as deixando se tornar
cinzas, as jogando em um recipiente de madeira, o transformando em pó. Em
sequência, jogava um pouco do mel restante e começava a mexer, fazendo uma
pastinha acinzentada.
— eww... — A garotinha cuspia o líquido com os olhos lacrimejantes pela
ardência nas feridas. O corvino se virava em sua direção e com os dedos pegava
a pasta de cinza e colocava aos poucos nos buracos. Por um momento, ela sentiu
o incômodo vindo do calor da substância, mas sua face mudava de graça ao sabor
doce do mel.
— Não lamba, deixe ele fazer a cicatrização na sua boca. — Ele pegava uma
pequena trouxa de algodão e secava o lugar aplicado — teus pais estão por aqui?
A orquina negava com a cabeça.
— E onde eles estão?
A mesma, em silêncio, batia duas vezes no peito, fazendo o típico sinal de
guerreiro Centuriano.
O apotecário ficava mudo igual uma porta, apenas pensando no que iria fazer com
aquela inocente alma. Não podia deixá-la junto dos pacientes, pois estavam
doentes e não poderia deixá-la à deriva da própria sorte lá fora.
— Fique aqui.
Ele apontava para um canto da oficina, ela consentia com a cabeça.
Antístio olhava para seu lugar de produção, se escorando na bancada com a
cabeça fervendo. Sabia que era responsável pelos seus pacientes e que a todo
momento eles estavam à beira da morte, mas também não poderia deixar tão nobre
raça à deriva de sua mísera sorte. Ele olhou para as matérias que estavam em
sua mesa e começou a produzir mais poções e remédios, logo teria de tratar
novamente dos enfermos.
Tempo passava enquanto ele preparava tudo, alguns
pacientes gemiam pedindo comida, água e ajuda, apenas o segundo podendo ser
atendido naquele momento. Os remédios davam sede, a água dava fome em um
círculo vicioso e interminável, o velho bestial fazia tudo que lhe tinha
alcance. Aos poucos, sanando as vontades daqueles que podia sanar enquanto os
outros o ofendiam e o questionavam do porquê estava os deixando sofrer daquela
forma, as poucas vezes que respondia eram com um olhar de culpa e o silêncio, mostrando
que não podia fazer nada.
Após poucas horas com a jovem bisbilhotando as ações do corvino, um novo
paciente aparecia, dessa vez outro bestial, ele era médio em sua altura e sua
face era de um javali de meia-idade. O mesmo entrava andando em direção ao
apotecário, o cumprimentando.
— Senhor An... tístio certo?
— Sim, sou eu. O que procura, senhor? — O corpulento bestial se sentava, sua
narina se mexia levemente, cheirando o lugar, os pelos grisalhos em volta de
seu focinho pareciam quase uma pintura branca em meio aquele espeço escuro.
— Estou com problemas.
— Que tipo de problemas? — O corvino começava a avaliar o homem de cima para
baixo em busca de algo errado, mas tirando a idade, nada parecia anormal, nem
em seus dedos curtos e tampouco em suas pernas grossas.
— Sinto que estou ficando tonto.
— Tonto?
— Sim, eu trabalho com conserto de carroças... e com esses dias comecei a cair
do nada.
Antístio pegava as mãos do carpinteiro enquanto a jovem olhava de fundo, curiosa com o tratamento, via as pontas dos dedos de cores bem vivas e avermelhadas.
— Você faz que tipo de concertos? — O velho inclinava
a cabeça em direção às mãos com seriedade.
— Eu... arrumo rodas, troco tabuas, pinto elas e impermeabilizo.
— Você pinta elas? Com o quê? — O corvino se levantava, indo em direção à
bancada.
— Bom, eu... usava resina e óleo de linhaça, mas... depois de um tempo não
sobrou muito para usar — ele coçava a cabeça, olhando para baixo um pouco
cansado e olhando aos lados de forma um pouco relaxada — ... Depois usei o que
tinha mais, os soldados usavam uma tinta bonita vermelha. Usavam para pintar
aqueles... e... escudos, aí davam para pintá-los e o que... sobrava, eu pintava
os carros. —
Por um momento, o velho bestial olhava para o lado,
pensando um pouco, contudo nada vinha em sua cabeça.
— Do que era feita a tinta, eles já te falaram alguma vez?
— Me disseram que era de... um metal... acho que chumbo. — Ele parava por um
momento, colocando a mão em seu longo bico, concordando com a cabeça.
— Não tenho boas notícias para você.
— E o que tenho, meu nobre senhor curandeiro?
— Você deve ter se contaminado com alguma coisa das carroças ou o metal te fez
mal — ele batia de leve no próprio bico enquanto andava pelo lugar — Uma vez,
quanto eu era novo.
— Foi há tanto tempo assim? — a jovem soltava aquela frase, fazendo ambos
olharem para ela de forma séria, a calando naquele instante.
— Um andarilho tinha me dito que tinha sido popularizado na capital o uso de um adoçante de comida e bebidas que usava chumbo. Eles começavam a ter convulsões, diarreias e até mesmo paralisia... — Ele mexia negativamente a cabeça. — Mas isso é comum para quem come ou bebe, nunca vi tal sintoma apenas expondo... não existe um remédio ou medicamente para isso, só magia dos deuses pode te tirar disso... O máximo que posso fazer para te ajudar é dar uma poção de sangue limpo para retardar os efeitos... — O javalino sorria por um momento com a notícia de que os seus problemas seriam sanados, mesmo que parcialmente, ia se levantando, mas o corvo o forçou a se sentar.
— Vai demorar para ser feita e te aconselho a ir em busca de um adepto ou clérigo, se continuar assim... você vai morrer. — O atendido arregalava seus pequenos olhos escutando o dito pelo médico, ficando parado em alerta sem dizer sequer um piar de sua boca, seu único objetivo naquele momento era esperar o remédio estar pronto para ele ir em busca da cura para sua mácula.
Os três ficavam ali dentro, enquanto dois observavam com atenção. O apotecário dava início a mais um preparo, dessa vez, uma das mais caras poções. Pegando o livro e abrindo na página de sua anotação, ele começava inicialmente a pegar um dente de alho e o espremer com o pilão até virar uma pasta. Ao lado, ele tirava pequenas folhas de seus vasinhos de coentro e urtiga os picando com uma pequena faca. Após bem esmagado o alho, ele arrancava a flor de alguns dentes de leão e jogava junto, os moendo em seguida. As folhas picadas eram postas na água e fervidas como se fosse um chã. Por fim, uma pequena pedra de carvão vegetal era quebrada em pequenos pedacinhos e transformada em pó. Com os últimos frutinhos maduros de salsaparrilha que se tinha na dispensa, ele os esmagava misturando com o pó de carvão, jogando juntos do alho com dente de leão. Após misturá-los bem e a fervura da água ser completa, ele jogava o moído dentro do chã de ervas e começava a misturar.
Um cheiro forte tanto da urtiga quanto do alho tomava
conta de todo o estabelecimento, com ambos os observadores tampando suas
narinas enquanto ele misturava. Terminando a mistura, ele despejava em um
recipiente, deixando infundir mais um pouco até captar as essências dos
produtos, os colocando em uma xícara de pedra, a levando para o javalino.
— Beba.
— Antes... aceita isso — ele puxava do bolso algumas moedas de cobre. Mesmo com
sua benevolência, ele não poderia recusar tal oferta, as pegando assim que
entregava a bebida ao homem. Olhava de forma analítica para as moedas, pensando
no que deveria gastá-las para melhorar a situação em que se encontrava.
O homem terminava de beber, arrotando de forma pesada, deixava o recipiente na banca e começava a sair, fazendo um sinal de agradecimento ao curandeiro. Antístio olhava para a jovem.
— Olha... evita esses comentários de novo.
— Disculpa... não vai mais acontecer. — A orquina inclinava sua cabeça para
baixo.
— ... Qual seu nome, pequena? Vou te deixar aqui... mas você vai ter que
ajudar. — O mesmo começava a andar em direção às provisões, as separando para
dar o que comer aos pacientes.
— Me... chamo Cecilia. — a pequena se aproximava do apotecário que carregava as
rações para seu preparo.
— Certo, Cecilia, quero que traga o pote preto de tampa cor barro. — Ele
começava a colocar água no caldeirão e colocar a lenha no fogo. A jovem trazia
o pote, o pondo na mesa. Ele o abria revelando o sal, ele pegava uma ponta de
colher, jogando um pouco na água, colocando os ingredientes. Por já ter usado
as frutas maduradas e as peças de carne, pouco sobrou para dar sabor à comida.
Ele cortava o resto da carne curada em pequeninos pedaços e jogava no
caldeirão, as frutas restantes eram descascadas pelo velho.
— Esmague-as e coloque nesse pote. — A jovem escutava e, com a ajuda de um
banquinho para ficar de pé, começava a fazer o ordenado. Por sua primeira vez
fazendo-o, algumas gotas respingavam em seu rosto e melavam suas mãos. O
corvino ria de leve.
— Cuidado, se ficar desperdiçando assim, vai ficar sem comida.
— Ta bom.
Ambos preparavam o que dava, sobraram apenas algumas tirinhas e as cascas dos alimentos. apenas um terço de um saco de linhaça havia sobrado, o que daria para os dias previstos. Ele cozinhava aquilo parecendo um mingau amarelado com pequenos pedaços de carne. As frutas, agora esmagadas e fervidas, viravam um tipo de molho caseiro, que era despejado e misturado, dando cor e cheiro ao alimento. O velho separava três pratinhos e colocava um pouco em cada antes de levar aos pacientes. Ele pegava um dos que tinha mais pedaços de carne e entregava para a jovem.
— Coma isso, eu já volto.
A garota pegava a comida enquanto ele ia tratar os feridos, que comemoravam um
pouco ao sentir o cheiro do alimento se aproximar de suas "camas",
eles pegavam o alimento com voracidade, alguns queimavam a língua pelo calor
que estava.
— Comam devagar! Quem desperdiçar não vai comer
amanhã. — Antístio continuava a servir os enfermos e quando chegava nos
debilitados, ele abanava a comida e dava aos poucos para cada. Em meio ao
serviço, Tuliu voltava sorrindo.
— Senhor! Ah! — ele balançava as peças de carne e os potes que carregava.
— Graças ao grande pai, uma notícia boa. — O velho sorria vendo a situação,
porém o goblin ainda carregava mais.
— Tem mais Antístio, temos uma visita. — O corvino que levava a comida para a
boca do paciente escutava aquilo, franzindo a testa sem entender o motivo da
animação com aquilo.
— Visita? — Tuliu saia da frente da porta, dando espaço para a entrada de uma
pessoa. Uma pessoa alta entrava, tinha uma pelagem branca, seus olhos eram
amarelados e sua cabeça portava um par longe de cifres curvados. O apotecário
foi tomado pela surpresa, era o nobre da cidade de Roinan à sua frente.
Ele começava a se abaixar em reverência, mas foi impedido pelo próprio líder,
com um gesto de suas mãos.
— Cuide primeiro de sua obrigação, senhor
apotecário, depois passamos para formalidades. — O corvino consentia com sua
cabeça enquanto Tuliu guiava o nobre para a oficina enquanto isso. Aos poucos
todos foram terminando de tratar, o caldeirão estava vazio, Antístio não sabia
como tratar com o senhor.
Entrando na sala, ele se encontrava com o goblin arrumando a mesma, colocando
os suprimentos em seus devidos lugares. Além do pedido, ele havia também
conseguido mais ervas e centeio. O nobre, por sua vez, olhava com grande calma
para o curandeiro como se o estivesse estudando.
— Teu auxiliar me contou que tua pessoa estava com grandes dificuldades. Seus
pedidos para a guarda estavam atrasados.
Ele pegava um copo, movendo-o na mesa levemente e bebendo um pouco d'água
enquanto suas orelhas caprinas se inclinavam em direção ao ancião enquanto o
mesmo falava.
— Meu senhor... estamos com problemas graves, todo dia chegam novos feridos,
novas doenças a serem tratadas... os guerreiros chegam às vezes sem membros ou infectados
com doenças terríveis, e eles voltam piores toda vez... — o suspiro e o cansaço
na voz faziam o nobre o focar com um ar atento — Não adianta pedir a cura
permanecer em meio aquilo que o adoece, eu preciso de bandagens para os
feridos, de ervas para os enfermos, preciso de comida e gente para que eles
possam sair daqui a algum dia andando.
— Sabe, senhor... Antístio, minha mãe, Toriel,
é senadora de Centurion e me deixou aqui como zelador de suas terras enquanto
ela nos representa na capital republicana.
— O jovem nobre se levantava olhando para o lugar, tocava com suas mãos longas
e claras como a pelagem que cobria seu corpo — E devo admitir que fiz um
péssimo trabalho deixando que estes generais tomassem controle da zona norte,
eu sei que é um dos poucos que está tratando os feridos e ainda dando atenção
para os camponeses, muitos falaram bem de você... Irei te ajudar, mas preciso
saber como.
Pela primeira vez, após meses, o velho bestial tinha finalmente tido uma
esperança de melhora depois de tantos dias amargos e sofridos. Ele se
levantava, abaixando a cabeça ao jovem.
— Meu senhor, eu preciso que primeiro... permita meus colegas voltarem. Um
deles foi levado para o campo de batalha e o outro, por medo de morrer, fugiu
de se tornar um conscrito. Também preciso melhorar este lugar, é muito
pequeno... sem espaço para armazenar remédios prontos, sem espaço para ter uma
cozinha apropriada e tampouco um lugar adequado para descansar os feridos...
como o senhor viu, eles dormem no chão.
O nobre consentia com a cabeça, olhando para os acamados do outro lado da
porta, voltava sua atenção ao apotecário esperando o resto.
— Também preciso de recursos como tecidos, ervas, flores, mel, comida, enxofre,
lenha... precisamos delas para tratar eles.
Um silêncio no ar se mantinha, os quatro da sala
ficavam calados, se entreolhando à espera de algo. O nobre mexia levemente em
seu robe de linho amarelo enfeitado, colocando sua mão dentro dele, um pequeno
barulho de bolsa era feito.
— Vou tentar atender seus pedidos, se eu não for capaz, devo revogar-me meu
nome de Azriel. Mas peço que tenham um pouco de calma, não será imediata, mas
garantirei que vocês tenham o necessário para cuidar bem deles... — puxava
daquela bolsa oculta uma moeda de ouro, colocando-a na mesa — aliás, a pequena
me contou que você a escondeu aqui depois que arrancaram os dentes dela. Vou te
recompensar pelo nobre ato, você evitou um mal maior.
— Mau maior? — Antístio ficava confuso com a citação, colocando a mão em seu
bico, o alisando.
— Não sei se sabe, meu sábio curandeiro, mas há um culto que vem fazendo isso.
Usam os dentes dos nobres Orques para fazer magias profanas de maldição, abusam
do nobre sacrifício de nossos irmãos para nos acometerem com máculas
inimagináveis.
— Eu não sabia estarem arquitetando isso...
— Agora sabe. — ele entregava a moeda de ouro nas mãos do corvino, a fechando.
— Use-a bem, você merece por todo o esforço e pelo seu bom coração,
curandeiro... espero que quando esta guerra acabar, eu possa te dar as devidas
honras que merece.
Os dois atendentes faziam um sinal com a cabeça agradecendo pela ajuda dada por
Azriel, o mesmo caminhava até a porta, mas antes se virava.
— Passar bem, senhores e obrigado pelo serviço — O corvo por um momento fazia
um sinal para o nobre, que parava.
— Posso pedir mais uma coisa.
— Sim, claro que pode. — Antístio andava até a garota, tocando no ombro e a
encaminhando ao nobre.
— Por favor, leve esta criança contigo. Não é seguro para ela aqui, os pais
dela foram para a guerra, na cidade são melhores as chances de melhora para
ela.
Por um momento, ele pensava e concordava com a
afirmação do velho médico, ele se abaixava, abrindo os braços. A criança ficava
um pouco receosa, mas com um pequeno toque de seu protetor ela ia, olhando para
trás, ela abraçava com força Antístio se despedindo dele e finalmente ia aos
braços de Azriel, que a carregava no braço.
— Até senhor Antístio... até senhor Tuliu.
Os dois se despediam novamente, o nobre saía do estabelecimento com a criança,
o silêncio fincava o lugar novamente, Tuliu sorria olhando para seu mentor.
— Vamos? Amanhã tem mais a se fazer.
O velho mantinha sua seriedade observando a moeda de ouro.
— Vamos... obrigado, meu pequeno goblins, por estar sempre do meu lado.
O auxiliar sorria, dando um leve toque no ombro do ancião, que respondia
desarrumando o cabelo.
Um dia tinha se passado, a guerra ainda se mantinha, o trabalho nunca acabava... Contudo, os dias seguintes começaram a mostrar um pingo melhor de esperança, com a ajuda dada e o retorno de Querdistu e Carino, deixavam o custoso trabalho um tanto mais leve, a comida agora era um problema menor, havia comida agora para semanas de conflito. Aos poucos, carpinteiros vinham fazendo pequenas reformas no lugar, aumentando e deixando ele menos mórbido. As mortes deixavam de ser tão constantes e o tratamento dos enfermos começava a mostrar um pouco mais de efeito, mesmo com a chegada de mais feridos a cada dia. Alguns dos antigos pacientes salvos começava a trabalhar em conjunto, garantindo que o velho bestial pudesse salvar mais vidas naquele tortuoso conflito.