Somos Todos Idiotas

Somos Todos Idiotas


Idiotas, sim! Por quê? Porque seguimos repetindo fórmulas falidas como se fossem verdades eternas. Porque ainda nos orgulhamos de preconceitos herdados, como se fossem traços de caráter. Porque confundimos tradição com prisão, moral com controle, identidade com exclusão.

Somos todos idiotas quando fingimos neutralidade diante da injustiça. Quando chamamos de “opinião” o que é só preconceito mal disfarçado. Quando gritamos liberdade apenas para garantir o direito de humilhar o outro. Quando silenciamos quem pensa diferente e exaltamos quem pensa igual, como se o mundo devesse ser um espelho da nossa própria ignorância.

Idiotas por termos aprendido, desde cedo, a competir ao invés de colaborar. A dominar ao invés de dialogar. A possuir ao invés de compartilhar. Fomos treinados por famílias, escolas, religiões, governos, para sermos peças de um jogo que não escolhemos, mas seguimos jogando, como bons soldados do status quo.

E mesmo quando tentamos romper, as algemas estão em nossas palavras, nos nossos gestos, nos nossos medos. Na piada que escapa, na crítica enviesada, na mão que não se estende, no olhar que desvia.

A verdade incômoda?

Somos todos, de alguma forma, produto e propagadores de um sistema que nos ensinou a ser idiotas funcionais.

Aceitar que somos idiotas não é um convite à redenção, é um diagnóstico. Não há cura simples para a idiotice social. Ela é sistemática, estruturada, envernizada de civilidade e aplaudida como virtude. Confundimos docilidade com educação, obediência com sabedoria, status com valor. Reproduzimos normas como quem reza, sem jamais entender o credo.

Carregamos nos ombros os vícios dos séculos. A mulher como serva ou prêmio. O homem como símbolo de força e poder. O pobre como fracasso. O negro como ameaça. O indígena como passado. O LGBTQIA+ como desvio. O estrangeiro como intruso. O diferente como erro.

E assim seguimos, imersos numa normalidade adoecida, elogiando a própria lucidez enquanto perpetuamos delírios coletivos.

A verdade é que poucos têm coragem de se despir, de crenças, privilégios, papéis. A maioria apenas veste novas camadas de verniz sobre velhas estruturas.

É o "alfa" que aprendeu a falar bonito. O racista que aprendeu a usar hashtags. O elitista que faz caridade para se sentir humano. A falsa meritocracia disfarçada de oportunidade. A piedade travestida de progresso.

E quem tenta romper, é engolido por um sistema que tudo absorve:

A revolta vira moda.

A crítica vira tendência.

A dissonância vira produto.

Somos tão idiotas que nos acreditamos livres.

E tão domesticados que confundimos rebeldia com ego.

Mas talvez a maior idiotice de todas seja acreditar que isso não nos inclui.

Que os tidos lúcidos, os conscientes, os esclarecidos, estejam fora dessa engrenagem.

É aí que o sistema sorri, porque quanto mais acreditamos estar fora dele, mais perfeitamente o servimos.

Não há exceções confortáveis.

Somos todos, de alguma forma, cúmplices, mesmo quando nos dizemos vítimas, mesmo quando nos apontam o dedo. Às vezes, somos o dedo de volta. Outras, a mão inteira.

Afinal, não basta saber que o mundo é uma farsa. É preciso encarar que continuamos atuando nele, com entusiasmo. Escolhemos os papéis que melhor nos favorecem, nos vitimizamos quando convém, e chamamos de ética o que nos protege.

Justificamos nossas omissões com "complexidade".

Chamamos nossos privilégios de "conquistas".

Chamamos nossas violências de "sinceridade".

Somos todos idiotas porque aprendemos a confundir humanidade com vantagem.

Amor com posse.

Justiça com punição.

Inteligência com superioridade.

Espiritualidade com indulgência.

E mesmo agora, lendo isso, sim, agora, deve haver uma parte sua tentando escapar.

Querendo defender-se, reorganizar o discurso na cabeça para manter intacto o templo do eu.

Querendo acreditar que isso não é sobre você.

Mas é.

Sempre foi.

O idiota moderno não é o que ignora, é o que sabe, mas não tem a mínima ideia do que fazer com esse saber.

É o que grita por liberdade, mas se pensar direito, profundamente, não enxerga como alguma real liberdade coletiva poderia ser completamente possível.

É o que fala sobre empatia enquanto jamais poderia conseguir vestir a pele do outro, muito além do que enxerga através de sua utilidade social.

É o que aprende os termos certos, mas se pega constantemente tentando evitar outros que ainda passam em seus pensamentos.

E assim seguimos, polidos e perigosos.

Civilizados e cruéis.

Conectados e alienados.

Vestindo ironias, colecionando causas, aplaudindo ruínas.

No fundo, não somos melhores nem piores do que os que vieram antes.

Apenas somos os mesmos, com acesso à mais tecnologia, âncorados em novas fórmulas dominantes de nos mantermos entorpecidos.

Idiotas, sim.

O que precisávamos, mesmo, era encontrarmos métodos que não apenas mudassem os idiotas de lugar, com novos conceitos e mesmas lógicas, mas sim, algo que fizesse com que a sociedade deixasse totalmente de ser idiota.

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