Clínica Psiquiátrica Campos, Jardins, 10:00 da manhã
Dr. Renato Campos estudava o arquivo de sua nova paciente com interesse clínico disfarçado de preocupação profissional. Amanda Torres, 22 anos, ex-atleta de vôlei, sinais claros de depressão severa após incidente de vazamento de imagens íntimas. Perfeita.
— Entre, Amanda, disse com sua voz modulada para transmitir segurança paternal. Anos de prática tinham refinado cada aspecto de sua persona profissional.
A jovem que entrou em seu consultório era uma sombra do que os registros mostravam. Ombros curvados onde antes havia postura de atleta, olhos opacos onde antes brilhava competitividade. Exatamente como tinha previsto.
— Como está se sentindo hoje? — Perguntou, já sabendo a resposta. Tinha acesso aos resultados. Afinal, era ele quem fornecia os perfis psicológicos para Architect.
— Cansada, doutor, sempre muito cansada.
Renato fez anotações cuidadosas. Não sobre o estado mental dela, pois isso ele já conhecia intimamente. Sobre pequenos detalhes que interessariam a seus parceiros. O colar que nunca tirava (presente da avó falecida – excelente ponto de pressão emocional). A forma como torcia as mãos quando nervosa (fácil de replicar digitalmente para aumentar a autenticidade).
— Vamos falar sobre o vídeo, — ele sugeriu gentilmente, observando-a se encolher. — Sei que é difícil, mas enfrentar o trauma é parte da cura.
Enquanto Amanda relatava seu sofrimento entre lágrimas, Renato mantinha a máscara de empatia profissional. Por dentro, catalogava cada reação, cada gatilho emocional, cada vulnerabilidade exposta.
Era fascinante, realmente muito fascinante, como a mente humana era frágil, como bastavam os estímulos certos para induzir colapso completo. Seus pacientes eram ratos de laboratório em um experimento sobre os limites da resistência psicológica.
— Doutor, — Amanda disse subitamente, levantando os olhos pela primeira vez. — Às vezes penso que seria mais fácil se eu...
— Se você o que, Amanda?
Ele a encorajou, escondendo sua excitação. Ideação suicida ativa. Excelente progressão.
— Nada, doutor, nada. Esqueça.
Mas ele não esqueceria. Adicionaria aos relatórios. Architect saberia exatamente como empurrar Amanda além do ponto de ruptura, se necessário. Era uma arte delicada, a pressão suficiente para quebrar, mas não tão rápida que levantasse suspeitas.
— Vamos aumentar a dosagem do seu antidepressivo, — ele sugeriu, prescrevendo uma combinação que sabia torná-la mais emocionalmente instável. — E quero vê-la duas vezes por semana agora.
Depois que Amanda saiu, Renato permitiu-se um momento de satisfação. Vinte e três pacientes atualmente, todas mulheres jovens, todas vítimas de deepfakes ou candidatas a vítimas. Seu pequeno jardim de flores quebradas vicejava.
Seu telefone seguro vibrou. Mensagem de Salles: Status do Projeto Cassandra?
Renato digitou rapidamente: Fase 3 em 70% das sujeitas. Previsão de conclusão natural em 4-6 semanas para maioria. AT mostra sinais de aceleração.
“Excelente. Mantenha monitoramento próximo. Precisamos de resultados visíveis antes da votação.”
Renato guardou o telefone e chamou sua próxima paciente. Marina Costa, médica, outro caso interessante. A queda de alguém do topo da pirâmide profissional era sempre mais espetacular.
E Dr. Renato Campos tinha assentos na primeira fila para todos os espetáculos.
Delegacia Central, 14:00
Delegado Augusto Pimentel observava Amaral através da fumaça de seu charuto cubano ilegal. Vinte anos trabalhando juntos, e agora o subordinado estava se tornando um problema.
— Amaral, eu soube que está investigando o caso Sampaio com... entusiasmo excessivo.
— É meu trabalho, doutor. — Respondeu, mantendo o tom neutro.
— Seu trabalho é seguir as diretrizes do departamento. Suicídio é caso encerrado, você sabe muito bem.
— Com todo respeito, chefe, há evidências de crime cibernético. Invasão de dispositivos, possível extorsão e talvez até mais...
— Evidências, tem? — Pimentel se inclinou para frente. — Ou teorias conspiratórias de uma perita super zelosa e de uma jornalista desacreditada?
Amaral sentiu o sangue gelar. Como Pimentel sabia sobre Bianca?
— Não sei do que o senhor está falando.
— Não? Então deixe-me ser mais claro. Pimentel abriu uma gaveta e tirou um tablet. Na tela, fotos de Amaral encontrando Bianca no café. Você está sendo monitorado, Marcus. Para sua própria proteção, claro.
— Isso é...
— Necessário, Amaral. Você não faz ideia do vespeiro em que está se metendo. Pessoas poderosas têm interesse em manter certos status quos. Seria uma pena se um detetive honesto se tornasse vítima de sua própria teimosia.
A ameaça pareceu clara. Amaral lutou para manter a compostura.
— Está me ameaçando, chefe?
— Estou te oferecendo uma saída.