Cris caminhava distraída pelo pátio quando um vulto se assomou em sua frente, assustando-a.
— Que cara é esta? — perguntou Daniel. — Por acaso o velhote andou te assustando com aquelas histórias sobre profecias e destino? — Havia um tom de deboche nas últimas palavras.
— Daniel… — Principiou Cris, mas calou-se.
Ele percebeu que havia algo de errado com ela.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa? — perguntou ele de forma carinhosa.
Ela pensou em contar tudo a ele, atirar-se em seus braços, chorar, rir. Imaginou-o também às lágrimas, acariciando sua barriga, orgulhoso e jurando-lhe amor eterno, uma família simples e feliz, mas algo a deteve. “… enquanto durou o relacionamento de vocês…”
A frase dita por Kantor ainda queimava em sua mente.
Aquele futuro imaginado por ela não existia. Nem para ela, nem para Daniel, e nem para aquela criança que carregava. Ela sabia! Como, não saberia explicar, mas sabia, e precisava pensar, remoer tudo aquilo antes de poder contar para ele.
— Daniel, onde está Mirna? — Voltou a dizer.
— Foi com Pedro ajudá-lo com uns trecos, cristais arquivo ou coisa parecida. Carlos foi junto. Por quê?
— Eu estava vendo vocês dois juntos e… Daniel… Mirna, ela… é só uma criança.
Não era bem aquilo que queria dizer, mas, na ânsia de mudar de assunto, não pensou em nada melhor.
Daniel a olhou interrogativamente por um segundo, e depois, absorvendo a indireta dela, contraiu a boca furiosamente. Um tom avermelhado subiu-lhe pelo rosto e seus olhos a fuzilaram.
Cris já vira aquelas manifestações de fúria. Era algo a se temer, ver Daniel assim, mas ela se manteve firme, encarando-o.
Ele respirou fundo e respondeu com voz pausada, buscando o autocontrole:
— Olha, sei que é difícil acreditar. Sei que meus atos depõem contra mim, mas o que vou dizer é a mais pura verdade. — Ele a olhou bem no fundo dos olhos, com tal intensidade que ela seria capaz de acreditar em qualquer coisa que ele dissesse. — Mirna… ela é especial… — O olhar dele divagou. — Eu jamais faria algo que a magoasse, jamais abusaria de sua inocência, eu… é difícil explicar, mas, se vale como comparação, é como se ela fosse a irmã que nunca tive.
Realmente estava tudo bem, como lhe tinham dito, e Cris não pôde deixar de sentir alívio, por Mirna e por Daniel.
— Eu acredito — disse ela por fim. — Mas seria bom se a impedisse de dormir com você.
Ele deu de ombros.
— Que mal há nisso? Ela se deita ao meu lado, conversamos um pouco, e logo adormece como um passarinho e dorme tranquila. Ela disse que quando dorme sozinha tem pesadelos, o que não acontece quando está comigo. Não suporto a ideia de vê-la sofrendo, mesmo que seja em sonhos.
“Superprotetor”, pensou Cris. Achou que, se Daniel tivesse uma irmã, ele seria mesmo daquele jeito. Não pôde deixar de pensar como ele seria então com o filho.
— Mesmo assim, seria bom darmos um jeito de parar com isso — insistiu ela.
O olhar dele ficou diferente e um sorriso malicioso curvou o canto de sua boca. Ele aproximou-se, seu corpo bem próximo ao dela. Daniel acariciou-lhe o rosto suavemente.
— Tenho uma ideia — disse ele. — E se você viesse deitar-se em minha cama? Aí não haveria lugar para Mirna, e ela iria para sua própria cama.
Ela sentiu o calor dele, seu cheiro másculo arrebatando-a.
Sua respiração acelerou-se suavemente e sentiu uma contração no baixo-ventre. Procurou controlar-se, não se deixar envolver pelo charme dele. Falou rápido para disfarçar o tremor em sua voz:
— Que ideia, Daniel! Isso é impossível!
— Sinto sua falta.
— Sente falta do sexo, isso sim!
— Não — respondeu ele, ainda próximo a ela. — Sinto falta da sua presença, de conversarmos, de dormir te sentindo ao meu lado, sua cabeça em meu peito, é disso que sinto falta.
“… enquanto durou o relacionamento de vocês…”. A frase martelou na mente de Cris.
— Você não precisa de mim para isso. Você já tem sua irmãzinha!
Ela desviou dele e saiu andando depressa, em direção a seu quarto.
Ainda o ouviu chamar seu nome, mas não o atendeu. Não queria que ele visse as lágrimas em seu rosto.
Entrou correndo no quarto, sentou-se na beirada da cama e desandou a chorar.
Ana levou um susto. Sentou-se na cama e, ao ver a amiga chorando, esqueceu suas dores e a abraçou.
— Cris? O que houve? O que aconteceu?
— Ah, amiga — respondeu entre soluços. — Estou grávida!
Ana esbugalhou os olhos. Abraçou Cris com mais força.
— Oh, Cris! Aquele cafajeste!
— Não fale assim do pai do meu filho! — rebateu ela ainda chorando. Ana se afastou.
— Desculpe, mas, pai ou não, ele é um cafajeste! — rebateu Ana, magoada com a forma como a outra lhe falara.
Cris segurou a mão da amiga.
— Eu é que peço desculpas. Não queria falar assim, mas é que tudo isso me deixou abalada.
Ana sorriu e retribuiu o aperto de mão.
— Tá tudo bem. Mulheres grávidas ficam sensíveis mesmo, pelo menos é o que me disseram. Mas e aí? Já contou pro cafa… pro Daniel?
— Não, e não vou contar por enquanto. Preciso pensar, preciso trabalhar minha cabeça antes. As únicas pessoas que sabem são Kantor e você, então peço que não conte para ninguém, tá?
Ana a olhou firme.
— Tá. — E depois de uma pausa, acrescentou: — Mas eu tenho uma condição para não contar.
Cris a olhou interrogativamente. Ana sorriu.
— Não conto desde que eu seja a madrinha!
— Mas é claro — respondeu Cris também sorrindo. — Não desejaria madrinha melhor.
E as duas se abraçaram.
Kantor manipulava o cristal arquivo, gravando mentalmente dados em sua estrutura atômica, que depois poderiam ser lidos holograficamente.
Tinha arquivos sobre todos os jovens e, depois daqueles dias em companhia deles, precisava atualizá-los, corrigir e acrescentar informações. No momento, fazia um adendo na ficha de Cris, iniciando o histórico de sua gestação.
“Mãe: Lúcia Cristina Montívez
Idade: 17 anos
Altura: 1,70 m
Peso: 59 kg
Tipo Sanguíneo: A+
Ocupação: âncora para adolescentes irresponsáveis Sexo do bebê: ?
Tempo de gestação: 6 semanas
Pai: Daniel Agarenon (Agar)
Idade: 17 anos
Tipo sanguíneo: O-
Ocupação: Adolescente irresponsável” Ele riu baixo e apagou a informação.
— O que é tão engraçado?
Kantor levantou os olhos para o adolescente irresponsável, que pediu a Pedro que chamasse a seus aposentos, e que há dez minutos fuçava em suas coisas.
Agora ele estava recostado em uma mesa, braços cruzados, encarando-o.
— Nada — respondeu o velho. — Uma piada atlante. Você não entenderia.
— Piada? Não consigo imaginar vocês atlantes contando piadas.
— Oh, mas contamos. Gostamos de alegria, de festas, de música…
— De exterminar civilizações inteiras… — arrematou Daniel.
— E de pulverizar sistemas solares, não se esqueça, e isso entre um brinde e outro — completou Kantor sorrindo. Os dois se encararam por um tempo. Daniel riu.
— Por que me chamou? — perguntou por fim.
— Para conversarmos, afinal, desde que despertou, não tivemos nenhuma oportunidade.
Daniel olhou a sala à sua volta. Não havia janelas, mas a claridade ali era suave, como a luz do sol da manhã atravessando vidraças empoeiradas.
— Da última vez que estive aqui, não gostei da nossa conversa.
— Sobre aquilo — respondeu Kantor —, já foi dito tudo o que havia para se dizer. Mas venha, sente-se — Kantor convidou-o até a mesa baixa onde comeram sua primeira refeição.
Desde que despertaram, eles comiam em um refeitório que ficava em um dos cantos do grande pátio, onde havia também uma cozinha, na qual Kantor lhes preparava as refeições desde então.
Mas o velho já os avisara que, agora que se recuperaram, eles teriam a incumbência do preparo da comida.
Kantor foi até um grande pote de barro e, com uma concha, serviu dele um líquido em duas canecas, também de barro. Ofereceu uma a Daniel.
— Não é… Como se chamava? Refrigerante! Mas vai gostar. Beba!
Daniel olhou para a superfície do líquido, na qual a luz se refletia prateada.
— O que é isso? — perguntou.
— Água — respondeu Kantor. — Pode beber, não está envenenada — emendou quando viu Daniel cheirando o líquido. — Beba, vai gostar.
A água era deliciosamente fresca e tinha um gosto terroso. O sabor fez aflorar uma lembrança na mente do rapaz.
Quando tinha sete anos, fora passar uns dias com seus pais e Cris na fazenda de sua tia, irmã de sua mãe. Na cozinha havia um pote de barro igual àquele, e lá também era usado para armazenar a água de beber.
A água era como aquela, sempre fresca e com aquele mesmo gosto de terra. Daniel gostou tanto que a bebeu o dia todo, tanto que, durante a noite, urinou na cama.
Na manhã seguinte, contou a Cris que, na verdade, sonhou que lutou e matou um dragão, que se esforçou tanto, e o calor do fogo do dragão era tanto, que ele suou e molhou o lençol. Cris acreditou.
Daniel riu ante a lembrança.
— O que é tão engraçado? — perguntou Kantor.
— Nada — respondeu Daniel. — Uma piada terráquea. Você não entenderia.
“Mereci isso”, pensou Kantor, divertido.
Ficaram alguns instantes em silêncio, até que Kantor perguntou:
— E então? Está tudo bem com você?
Daniel encarou o velho em sua frente.
Lembrou-se das várias vezes em que esteve diante do diretor do colégio, sempre que aprontava alguma. E a conversa sempre começava pela frase que Kantor usou. O diretor tinha a mesma expressão curiosa e benevolente que Kantor tinha agora, até que tudo descambava para as recriminações e acusações.
Mas o que ele tinha feito de errado agora?
“Você não quis salvar o universo!”, acusou uma voz dentro dele.
“Dane-se o universo!”, respondeu ele. E era mais ou menos aquilo que tivera vontade de dizer várias vezes ao diretor: “Dane-se o colégio! Dane-se você!” Talvez dissesse aquilo a Kantor.
Daniel deu de ombros.
— Tudo. Só estou ansioso para começarmos logo o treinamento com espadas.
— A chuva deve parar em alguns dias, e então começaremos.
Kantor fez uma pausa. Tomou um gole de água e então perguntou:
— Você tem andado muito com Mirna, não?
Daniel, que estava tomando outro gole, bateu com força a caneca na mesa e por pouco não a quebrou.
“Então é isso? Chegou depressa ao ponto!”
— Vai insinuar também que tenho más intenções para com ela? — Daniel praticamente cuspiu a pergunta.
Kantor respondeu calmamente:
— Não, não vou. Não acredito que tenha. Se acreditasse, já a teria afastado de você. Mirna é como uma irmã para você, certo?
Daniel relaxou:
— É, é sim.
— Bom. E seus amigos, como estão? Carlos, por exemplo?
— Está bem, agora, mas me deu um grande susto ontem.
— Soube que você passou a noite acordado, velando por ele.
— Não conseguiria dormir enquanto não soubesse que estava tudo bem com ele. Carlos também é como um irmão para mim.
— E Pedro? — perguntou Kantor. — Gosta dele?
— Claro! Ele é do meu sangue!
— É só por causa disso? Soa como se fosse uma obrigação.
— Não, não é só isso — rebateu Daniel. — Eu gosto dele e, mesmo ele sendo mais velho… sinto que tenho que cuidar dele. Ele é muito avoado. Muito sem noção, às vezes, e eu tenho que trazê-lo para a realidade.
Kantor sorriu.
— É uma característica sua, Daniel, querer cuidar daqueles que ama, mesmo muitas vezes não admitindo isso. É algo nobre, mas é preciso cuidado para não os sufocar e interferir com o livre arbítrio.
Antes que Daniel dissesse algo, Kantor disparou outra pergunta:
— E Cris? Gosta dela?
Daniel o olhou como se tivesse feito a pergunta cuja resposta era a mais óbvia do mundo.
— Eu a amo!
— Ama?
O tom de dúvida de Kantor desarmou Daniel, mas, mais uma vez, antes que falasse algo, o velho perguntou:
— E Ana? O que sente por ela?
Daniel torceu o nariz, contrariado, e endireitou as costas:
— Chata, impertinente! Não gosto dela!
Kantor balançou a cabeça.
— Sei. E não gosta a ponto de assassiná-la?
O rapaz franziu o cenho.
— É claro que não! Que absurdo!
Kantor o olhou firme.
— Então por que tentou?
— Você está louco? Do que está falando?
O ar jovial sumiu do rosto de Kantor, e uma grande severidade tomou seu lugar.
Daniel não havia visto nada parecido com aquilo no rosto do diretor do colégio, e sentiu-se intimidado.
Kantor falou:
— Você diz que ama seus amigos, mas tentou fazer de Carlos, que você diz ser como um irmão, um assassino! Pedro, que você diz ser do seu sangue, e Cris, que você diz amar, você os bisbilhotou, manipulou e humilhou! E sim, Daniel, você tentou assassinar Ana quando a intuiu a se jogar de um precipício! Só Mirna você não prejudicou ainda!
Daniel estava boquiaberto, tentando entender aquilo. Então a ficha caiu.
Kantor se referia ao tempo em que ficara cego, às coisas que fizera, à manipulação das mentes dos amigos.
Teve certeza, então, de onde conhecia Kantor. Ele era aquela sombra incômoda, fugidia, sempre à margem de suas visões, policiando-o. A voz que interrompera sua última visão, sabia agora, era do velho.
Daniel estreitou os olhos e curvou-se para a frente.
— Era você? — E depois de uma pausa, perguntou: — Você me cegou?
A raiva de Daniel tomou corpo e foi projetada contra Kantor.
Era como se fosse uma parede de água, uma coisa maleável, que passava pelo velho e o empurrava para trás. Aquilo era Primanergia!
Como, se perguntava Kantor, o rapaz conseguia fazer aquilo sem nenhum conhecimento prévio, sem treinamento?
Projetou por sua vez energia de encontro a Daniel enquanto o olhava nos olhos. O rapaz recuou, mas, para surpresa de Kantor, não tanto quanto ele esperava.
— Não, não o ceguei! — respondeu Kantor, firme. — Eu fui contra essa ideia.
— Sei! Então foi ideia dos seus amiguinhos, aqueles da máfia?
Outra carga energética foi projetada contra Kantor.
Aquilo era ridículo, pensou o velho. Ele era responsável por controlar Daniel e, se não conseguisse fazer isso agora, quando o rapaz agia de forma inconsciente, como faria se chegasse o tempo em que Daniel dominasse a Primanergia?
“Preciso reconfigurar os lacres energéticos”, pensou o velho.
— Eu fui contra — repetiu Kantor. — A ideia era que durante o período de cegueira você se voltasse mais para seu interior, uma busca mais espiritual do que estava acontecendo. Para que estivesse mais preparado para as revelações futuras. Mas eu sabia que não seria assim, que você buscaria seus próprios caminhos, seus próprios desejos. E você o fez, não? Além de tudo que já falei, também as tentativas de transgressão sexual, que beiravam o abuso!
Daniel arregalou os olhos e recuou. Kantor sentiu a barreira romper-se.
Ele sabia que uma acusação daquela abalaria a decência que sabia que o rapaz possuía. Era algo pesado a se dizer, mas Daniel precisava aprender.
— Abuso…? Do que está…
— Os pensamentos mundanos que teve para com a princesa Rehna!
Daniel enrubesceu.
— Foram… Foram só pensamentos! Não… Kantor o interrompeu.
— O pensamento é energia, Daniel! O pensamento cria, transforma, realiza! E naquele estado em que se encontrava, podendo influenciar seus amigos, não pensou no que poderia fazer à princesa? Daniel baixou os olhos. Kantor sentiu a energia dele arrefecer.
Percebeu que o atingira em seus escrúpulos, que ele estava realmente arrependido, mesmo assim não aliviou a cobrança.
— Já disse uma vez, e repito: o fato de não aceitar não muda quem você realmente é! Então deve se policiar constantemente, cuidar de suas ações e pensamentos.
O jovem lhe lançou um olhar exasperado.
— Por Deus, como vou fazer isso? Como controlar pensamentos? Eles são algo que vem do nada! E aí? Se pensar algo errado alguém pode se machucar, ou…
Kantor sentiu o legítimo desespero do rapaz e se compadeceu.
— Não é bem assim, filho. Você só conseguiu aquilo devido ao estado em que se encontrava. A cegueira fez com que se colocasse em um nível de concentração que muitos precisariam de anos de treino e meditação para conseguir. Fora daquele estado, você não tem a capacidade de influenciar mentes naturalmente. Mas cabe aqui mais uma vez o aviso: em função de seus poderes latentes, você deve vigiar seus atos e pensamentos para que isto não desperte novamente, entendido?
Daniel assentiu com a cabeça. Tomou um pouco de água, parecendo aliviado. Depois de momentos de silêncio, comentou:
— Tenho sonhado com ela, com a princesa. E acho, quer dizer, tenho certeza, considerando o que falou, que não são só sonhos.
Kantor suspirou.
Quando acreditava ter cercado Daniel e mantê-lo sob controle, ele escapava por alguma brecha. Era como tentar cercar um gato arisco.
Com o controle que ele tinha sobre todas as formas de energia que entravam no templo, não conseguia imaginar como os dois conseguiam aquele contato.
Portais! Eles deveriam ter frequências vibracionais que mesmo um iniciado como Kantor sequer suspeitava.
Mas aqueles encontros astrais poderiam ser úteis aos planos de Kantor. Poderiam gerar em Daniel uma vontade, uma necessidade de se aproximar fisicamente da princesa.
— São as afinidades espiritual e profética que existem entre vocês que os estão atraindo um para o outro — explicou o velho. — Se você se comportar como um cavalheiro, não vejo problema nestes encontros.
— Você pode fazer estes sonhos pararem? — perguntou Daniel, surpreendendo Kantor.
— Por quê? Como disse, se você se comportar, pode se aproximar dela e até ajudá-la…
— Eu não quero me aproximar dela! — cortou Daniel rispidamente e, ante o olhar interrogativo do velho, baixou a voz. — Agora que sei que não são sonhos, não quero… sei o que ela está passando, mas, infelizmente, não posso ajudá-la. Tenho as pessoas próximas a mim para cuidar.
Houve um silêncio prolongado. Daniel o quebrou:
— E então? Pode fazer os sonhos pararem?
— Acho que sim. Hoje à noite vou analisar em qual frequência vibracional ocorrem estes “encontros” e vou configurar um apanhador de sonhos.
— Apanhador de sonhos? Aqueles trecos que as pessoas penduravam em varandas? Isso funciona?
Kantor sorriu:
— Aquilo que chama de “trecos” são uma representação tosca de um conhecimento antigo e profundo. Um verdadeiro apanhador é uma teia magnética configurada no astral, calibrada para reter determinadas assinaturas energéticas, neste caso, as vibrações mentais da princesa.
Daniel não tinha paciência para este tipo de conversa. Levantou as mãos para calar o velho.
— Tá, tá, tudo bem, que seja, desde que funcione. — Em seguida levantou-se. — Agora, se me dá licença, preciso saber onde está Mirna.
O velho assentiu, mas ficou remoendo as ideias.
Por que Daniel se incomodou tanto depois de descobrir que os sonhos eram mais do que isso? Com certeza havia, até então, extraído prazer disso, e ele não era de abdicar de algo assim! O que mudou?
Então teve um estalo!
— Ela tem perguntado sobre Mirna, não é? Sobre onde vocês estão?
Sua pergunta alcançou Daniel na porta. Ele se deteve por instantes e, sem se virar, disse apenas:
— Faça os sonhos pararem, Kantor! E rápido!
E saiu batendo a porta.
— Como desejais, Grande Harpia — disse o velho com um suspiro.