No passado eu e Listrada tínhamos um protocolo, de manhãzinha a gente ia até a rua 25 de Março ver o que tinha chegado de novidade da China. Depois íamos para o Bom Retiro e comíamos nos restaurantes que não tinham cardápio em portugues, era uma aventura pois nem eu nem Listrada falávamos coreano.
Naquela época nós alugávamos um prédio que ficava na esquina da rua 15 de Novembro com a 3 de Dezembro, por isso era fácil trazer as sacolas de compras das nossas andanças. Foi assim que tivemos muitas ideias para os figurinos dos espetáculos da Listrada.
Enquanto ela ficava com todo o segundo andar do prédio, para poder ensaiar com o seu grupo de dança, eu ficava com um apartamento no terceiro para escrever. No primeiro andar tínhamos a companhia de Carmella e Marian Leatherby. Elas eram as cenógrafas que davam vida aos espetáculos mais mirabolantes do mundo.
Essa foi uma época onde o mundo conversava com a gente e tínhamos a impressão que ele esperava a nossa vontade para poder existir. Mas uma coisa curiosa relacionada ao poder é que se você sai de cena alguém imediatamente entra, ele não fica vago por um segundo. O poder é muito carente, ele sempre precisa de um sujeito para exercê-lo e de outro para validá-lo.
Chegou um momento em que o prédio do triângulo, como costumávamos chamá-lo, precisava urgentemente de uma reforma, e tanto Listrada como Carmella e Marian decidiram não renovar o contrato. Dessa forma abrimos mão de um espaço que sabíamos ser mágico e altamente peligroso .
Assim que deixamos o prédio, um banco alemão tomou conta do lugar. Mas até hoje quando passeio pelo centro de São Paulo e chego na esquina da rua 3 com a 15, sinto uma inebriação, a mesma que eu tenho quando como, desavisada, alho.