À noite, sentado e olhando a noite estrelada, o velho reflete sobre a proposta de voltar para a cidade, ficar junto da família, ele não gostaria de ser um incômodo, mas gostaria muito ver de perto seu neto crescer, estar presente nos principais momentos, poder ajudar nos primeiros desafios do pequeno Justo, e se alguma coisa acontecer a si antes que pudesse fazer alguma coisa pelo neto, ele nunca ficaria em paz.
Passou quase a noite toda pensando nisso, pensou no que ele estava fazendo ali, o que o levou a se retirar num lugar solitário, colocou tudo na balança, e o seu lado sentimental pesou mais forte no coração, e pela manhã chegou a decisão que votaria para a cidade, mas não antes de terminar o que começou: a sua batalha com o peixe, prometeu a si mesmo que só sairia dali depois que pegasse Aquele peixe, pois além de tudo ele era um velho, e um velho muito teimoso.
Nos dias que se passaram, ele ainda andava meio receoso devido ao incidente da cobra, já não ia muito cedo e nem voltava muito tarde das pescarias e sempre andava perto do cachorro, de preferência atrás dele, pois assim qualquer coisa que acontecesse, aconteceria primeiro com o animal.
Justiano andava desanimado, ou talvez fosse impaciência, pois os dias iam passando e nada dAquele peixe voltar sem falar que ele estava louco para ver seu neto novamente, agora ele já estava quase desistindo do peixe, afinal que importância tinha de pegá-lo ou não, era apenas para alimentar seu ego ou uma questão de honra, enquanto não decidia continuava a passar os dias ali, à beira do lago com a vara nas mãos e a isca na água.

Certo dia, ele acordou com uma sensação de que algo bom aconteceria, mas no decorre de sua existência, ele também aprendeu que: para que acontecesse algo bom primeiro acontecia algo ruim, e que quando a sensação era de algo ruim, esse algo sempre vinha após algum acontecimento bom, portanto as essas alturas da vida, já não sabia se a sensação de algo bom era realmente boa ou ruim, mas também já estava vacinado, para que nada o pegasse de surpresa.
O dia estava ensolarado a superfície do lago brilhava como nunca, algo estava diferente em relação aos outros dias, parecia que o lago estava diferente, não era aquele que ele estava acostumado a pescar todos os dias, o lago tinha uma aparência convidativa, provocante, insinuante ou até mesmo intimando o velho a pescar, e realmente até na prática o dia estava muito bom para pescar, em poucos minutos, o velho já estava puxando o terceiro peixe de bom tamanho, beirando mais de 50 cm e quase dois quilos, dois ele resolveu guardar dentro do saco de rede para fazer assado mais tarde, os outros ele devolveu para água, pois ele só pegava o necessário, escolheu o menor dos três, retirou-o do saco e colocou mansamente na água, o peixe se despediu com uma rebolada na cauda, espirrando água no rosto do pescador e mergulhou para o fundo do lago. O resto do dia ele pescaria esportivamente.
Mais alguns peixes depois, e o momento que ele tanto ansiava aconteceu, um forte puxão faz a vara vergar, habilmente ele consegue soltar a linha, fazendo a carretilha cantar com o correr da linha, evitando assim, que a vara lhe escapasse das mãos e também com que ele caísse na água, mas o peixe continua levando a linha, parece que está mais forte do que antes e puxa com uma ferocidade impressionante, a linha que deveria estar a uns 20 metros quando o peixe atacou, agora já está quase o dobro e o peixe continua a levar, a vara treme nas mãos do homem, a ficção é tanto quanto o suor que lhe cai pela face, mas o suor não é pelo calor e sim pelo medo de perder novamente Aquele peixe.
O grosso rolo inicial da carretilha, agora só restam algumas poucas voltas de linhas, se o peixe levar toda a linha, certamente ele irá perdê-lo pensa o velho, ele calcula que já tenha levado mais de setenta metros de linha, o velho aperta a ficção do equipamento, visando segurar mais, evitando que o bicho puxe mais linha e com a maestria de sempre controla os movimentos, ele está no controle das ações, evitando que vá para os rochedos ou para os galhos, após 15 minutos o peixe parece cansar, ou apenas está dando uma pausa, talvez estivesse recuperando suas forças, mas o certo era que a batalha ainda estava longe de terminar.
Nisso aparece o cachorro, chega latindo e saltitante, parece vibrar com a luta do dono que lhe fala: “- Calma velhinho, está só começando, isso ainda vai longe, pode ficar esperando sentado.”
Justiano já conseguiu recuperar a metade da linha, mas o bicho ainda não desistiu, os dois lados continuam numa luta de nervos, um esperando que o outro cometa um erro, como se essa fosse a batalha final, mas agora o homem está mais concentrado, nada lhe tira a atenção, ele não quer cometer os mesmos erros das outras vezes, toma todo cuidado o que ainda acha que é pouco e a linha continua na dança do vai e vem, agora já mais vem, do que vai, mas Justiano está vacinado contra a euforia, enquanto não estiver com o peixe nas mãos ele não relaxará, neste momento diante dos seus olhos, sob a superfície do lago vê emergir num salto gigantesco uma criatura prateada, vistosa, brilhando com o reflexo do sol, e caindo na água fazendo um estrondo de se sentir dentro do coração, fazendo o do velho bater mais forte e rapidamente, ele sente o coração querer sair pelo peito, pela boca, pela barriga e pelo etc, etc... mas mesmo assim continua firme sem se deixar levar pela emoção.
O peixe continua a saltar, tentado desesperadamente se livrar do seu oponente. “_ Vamos lá, só mais uns 20 metros...” fala o velho mordendo os lábios e fazendo figa, o cão começa a latir incessantemente e logo é xingado pelo homem: “- Quieto velhinho está me deixando nervoso! Falta só mais um pouco agora, olha que beleza!!”.
E realmente parecia que restava só mais um pouco, a luta estava decidida, o peixe já não tinha mais forças para lutar, já não se debatia, não oferecia resistência, a não ser do peso do seu próprio corpo, estava vindo de arrasto, será que já tinha entregado os pontos, mas o velho estava esperto, não esquecerá da última vez, quando perdeu o peixe no último segundo.
O cão continuava a latir, agora já era um latido mais nervoso, rosnava e latia, parecia que estava querendo comprar briga com alguém.
Justiano não queria se distrair naquele momento, foi quando ouviu atrás de si um urro que não era de cachorro, girou a cabeça rapidamente sobre o pescoço uma vez e girou uma segunda vez para conferir o que os seus olhos haviam visto, uma sombra enorme se aproximava em sua direção e entre eles apenas o pequeno cão o separavam, com as patas dianteiras erguidas e a boca aberta com os dentes a mostras, um enorme urso avançava, o velho pescador, se fosse mais velho teria morrido de susto naquela mesma hora, desesperado, não pensou duas vezes, soltou tudo e saltou para dentro do lago nadando até uma pequena ilha feita de uns rochedos que se encontravam a uns 30 metros da beira do lago.

A essas alturas, o cachorro também já tinha se mandado dali e entrado no meio do mato, mas o urso não fez nenhuma menção em seguir tanto o animal como o homem.
A fera se aproximou da beira do lago, Justiano achou que viria atrás dele, mas ela parou e com as patas dianteiras retirou o saco onde se encontravam os peixes que Justiano havia guardados, o velho escondido atrás das pedras, observava tudo e o urso com uma habilidade impressionante retirou os peixes de dentro do saco e devorou o primeiro, volta e meia erguia a cabeça e com o focinho procurava sentir o cheiro do homem, a primeira refeição durou uns 10 minutos, o que para Justiano foram horas intermináveis, o urso colocou o segundo peixe na boca e caminhou em direção ao mato, entrando e sumindo dentro dele. “- O bicho só queria o seu almoço! Que danado!” bradou o homem.

O velho aguardou ainda por meia hora antes de sair do seu esconderijo, já estava congelando com a água fria. Quando tudo parecia calmo, viu o cachorro retornar ao local, nadou de volta para beira, recolheu seu material, e se lembrou do peixe, a vara tinha sumido de vista, certamente o peixe teria levado consigo, Justiano soltou uns palavrões e pensou que a natureza estava se protegendo, sentiu que não era pra ele capturar aquele peixe, ainda assustado e com medo de dar de cara com o urso juntou as coisas rapidamente e foi para a casa.