Passaram-se alguns dias desde que Beto teve alta do hospital. Agora é necessário muita fisioterapia e readaptação por parte do rapaz. Ele não está muito animado; mesmo com as próteses para as pernas já prontas, Alberto continua triste e abatido por ainda depender muito da cadeira de rodas.
Dona Leonora está muito preocupado com o filho. Pois Beto sempre foi rapaz alegre e ativo. A sua tristeza é tanta que rapaz não quer receber nenhuma visita.
Ela é uma mulher loira de olhos azuis. Apesar de ser uma mulher já madura ainda se destacava pela sua beleza e elegância. Sempre tinha um sorriso largo no rosto, mas nesses dias tristes mudaram o seu estado espírito de alegria para tristeza. Aquela mulher não passava de uma sombra do que Leonora Dorneles Santos era antes do acidente do filho.
Seu Roberto também está muito preocupado, o clima pesado que está sua casa não afetou somente Leonora e Beto, mas também sua filha Bibi. Ela teve alguns problemas de saúde que tiveram que ser superados na adolescência. Terapeutas e médicos evitaram que ocorresse o pior. Comandante Santos tem medo de que tudo isso retorne novamente.
O patriarca da família pega seu celular, disca um número e chama a única pessoa que pode ajudar o Beto a enfrentar seu problema.
Enquanto espera sua visita, Roberto recebe uma mensagem do celular:
— A cavalaria já está chegando. — O homem se levanta do sofá.
— Quer que eu receba a visita no portão Seu Roberto? – Pergunta a empregada.
— Pode deixar que essa pessoa eu faço questão de receber.
Comandante Santos se desloca para frente do casarão. Se direciona ao portão e o abre com o controle, quando escuta gritos do lado de fora:
— Desce do carro e mão na parede negão! Mão na parede! — Grita o policial com pistola em punho e dedo no gatilho.
Roberto fica sem entender por um momento o que está acontecendo, mas percebe que os dois policiais estão abordando Márcio:
— O senhor não se preocupe, estamos fazendo uma operação padrão. — Explicou o outro policial empunhando uma arma longa.
— Esse rapaz é minha visita, estava abrindo o meu portão para ele.
— O senhor tem certeza?
— Tenho sim, é melhor os dois já o liberarem, se não irei reclamar para o comandante do seu batalhão, que é muito meu amigo.
O outro policial pede para Márcio desencostar da parede e para de revistá-lo:
— O Senhor sabe como é, estamos somente cumprindo nosso dever em uma operação de rotina. Há queijas dos moradores de um homem suspeito rondando as casas da região.
— Tudo bem. — Responde sério Seu Roberto.
Os policiais vão embora. O dono casa pergunta a Márcio se ele está bem, o jovem responde que sim, tremendo. Apesar do rapaz já estar acostumado de ser visto a maioria das vezes como um criminoso por causa de sua cor de pele, sempre quando acontece isso ele teme pela sua vida, pois tem medo de se tornar mais uma estatística policial sem nunca ter descumprido a lei.
Márcio coloca seu carro dentro do pátio do imóvel, uma moradia de novecentos metros de construção. Os dois caminham lado a lado por um pequeno percurso e entram juntos no casarão principal:
— Preciso muito de tua ajuda e acho que somente tu pode me socorrer! — Exclama Roberto com um semblante triste e preocupado.
— No que posso te ajudar Seu Roberto?
— O Beto, não está reagindo a sua reabilitação. Está somente triste e chorando. Nem a namorada ele quer ver! A minha mulher está muito triste e deprimida. A Bibi está retornando para aquele jeito que tinha quando ela teve aquele seu problema de saúde.
— O senhor me leva até o Beto, vou falar com ele. Tentarei ajudá-lo.
Os dois homens se deslocam até o quarto de Alberto, abrem a porta e o encontram olhando a rua pela janela, com semblante triste, em cima de uma cadeira de rodas:
— Beto chegou visita. — Fala Roberto.
— Já disse pai que não quero ver ninguém. — Resmunga Beto na cadeira de rodas se virando para os outros dois homens e vendo um deles é seu amigo.
— Sou eu Beto, teu pai pediu que eu viesse te ajudar, e estou aqui para isso. — Explica Márcio.
Seu Roberto sai do quarto e deixa os dois amigos sozinhos.
Márcio puxa uma cadeira que está na escrivaninha, coloca-a em frente a Alberto e senta-se nela:
— Beto, meu amigo, o teu pai disse que tu não quer falar com ninguém e nem ir para fisioterapia e nem reabilitação. É verdade isso?
— Sim, é verdade Márcio. Minha vida acabou. Merecia ter morrido naquele acidente. Interrompi a vida de Dinho, prejudiquei a vida da Mel.
— A morte do Dinho não é tua culpa.
— É culpa minha sim! — Grita alto Beto.
Márcio se levanta, coloca as mãos na guarda da cadeira e dá um longo suspiro:
— Sabe que eu acho Beto, tu está agindo como guri mimado e chorão. — Fala Márcio em tom ríspido e apontando o dedo para Alberto.
— Como é que é? Por que está falando isso? — Pergunta Alberto surpreso.
— Sim tua vida sempre foi perfeita. Sempre foi um guri rico, sempre te acharam um cara lindo, loiro e de olhos azuis. Perfeito para todos! — Márcio caminha pelo quarto.
— Não é bem assim.—Beto olha para baixo
— É sim cara! Veja bem, no meu caso, nunca cometi um crime na vida, mas agora mesmo fui parado ali fora pela polícia por eu parecer um bandido. Tu sabe bem o porquê! — Exclama Márcio apontando para si.
— Mas eu não vou conseguir. — Beto argumenta, chorando.
— Vai conseguir sim e não tem nada que te impeça para isso. Por isso amanhã passarei aqui cedo para te levar para fisioterapia. Não aceito negativa, pois tu vai nem que seja na marra. — Márcio fala em tom alto, olhando diretamente para olhos de Beto.
Beto engole o choro e balança a cabeça que sim. Márcio sai do quarto e caminha até a sala do casarão:
— Conseguiu convencer meu filho? — pergunta Roberto se levantando do sofá.
— Sim, o senhor não precisa mais se preocupar. Amanhã cedo irei levá-lo a clínica de fisioterapia. — Reponde Márcio
— Graças a Deus. Finalmente uma notícia boa. — Comandante Santos levanta as mãos para cima.
— Seu Roberto, necessito que senhor me libere as manhãs para levar o Beto na fisioterapia.
— Não! Pagarei esses dias para ti estar à disposição de Beto. — Exige Roberto, com convicção.
— O Senhor sabe que eu faria isso até de graça pelo amigo.
— Sei, mas eu faço questão de pagar. — Fala o Comandante Santos, sorrindo.
— Tudo bem então. — Responde Márcio, convencido.
Roberto pede para Márcio ir contar a novidade também para Bibi. Os dois vão até o quarto dela e a encontram sentada na cama, olhando para um prato com sanduíche e um copo de suco, ambos intocados em cima de uma escrivaninha. Roberto avisa que Beto irá para a clínica com Márcio cedo pela manhã. Bianca finalmente sorri, se dirige ao sanduíche e ao suco e começa a consumi-los. Já fazia quatro dias que ela não comia nada.
Comandante Santos e Márcio se deslocam aos fundos do casarão e chegam ao ateliê de Dona Leonora, que está sentada em canto muito triste. Os dois homens dão a boa notícia a mulher. Ela sorri e abraça Márcio e beija alegremente o marido na boca.
Roberto leva a visita até o seu carro, se despede dele, abre o portão e o rapaz sai em seu Uno.
Tudo finalmente começou a melhorar naquela casa. A família Santos ainda tem esperança de dias melhores.