O almoço no cafofo do Pedrão foi animado. Todos riam muito e brincavam entre si constantemente.
Seu Júlio foi dar uma espiada no que eles estavam fazendo. Viu sua filha Monique de mãos dadas com Márcio. Não disse nada, apenas lançou um olhar e um sorriso de aprovação. Ele gostava muito do rapaz e o considerava um bom homem, digno de ser companheiro de sua filha.
A conversa continuava animada na cozinha. Pati, Bibi, Leca e Beto se prontificaram a lavar a louça. Os outros foram para a sala conversar mais um pouco:
— Está preocupada com alguma coisa, Rafa? — Pergunta Pedro.
— Mandando mensagem para a Bê dizendo que chegamos bem.
Bê era amiga de Rafa da faculdade. Todos da família gostavam muito dela, e era comum que aquela moça bonita e loira estivesse presente nos almoços de fim de semana. Estranhamente, Pedrinho, com o tempo, parou de tentar algo com ela, ao contrário do que fazia com outras colegas de sua irmã.
Dona Maria dirigiu-se para a pequena casa de seu sítio. Ela era uma mulher de um metro e sessenta e cinco de altura, com cabelos pintados de preto, pele branca e olhos azuis. Tinha grande orgulho de sua descendência europeia, pois seu pai era filho de italianos.
Quando Maria entrou na casa, viu Monique beijando rapidamente Márcio na boca:
— Que palhaçada é essa? — grita Dona Maria.
— Boa tarde Dona Maria, eu iria até falar com a senhora e Seu Júlio. — Tenta Márcio explicar.
— Falar o quê? Esse teu tipo de gente da tua laia não devia nem olhar para minha filha. — Interrompe o Márcio aos berros a esposa de Júlio furiosa.
— Que houve contigo mãe? — Pergunta Monique assustada.
Os que estavam na cozinha lavando a louça entram na sala assustados com os gritos:
— Estou te defendendo minha filha, defendendo a pureza de nossa família para não ser manchada por mestiçagem. — Complementa absurdamente a mulher.
— Que absurdo que a senhora está falando. Sou amigo dos seus filhos a anos! — Diz Márcio surpreso.
— Ser amigo é uma coisa, até eu deixo meus filhos terem amigos pretos por não ser racista. Mas misturar as raças é sujar minha origem italiana. — Fala a preconceituosa com orgulho.
— A senhora está ofendendo o Márcio de graça! — Tenta ponderar a Rafa.
— Além do mais, ele e a irmã foram criadas por duas devassas. — Complementa Maria o absurdo a sua fala.
Márcio acaba explodindo:
— A senhora está na sua casa, mas não tem o direito de me ofender desse jeito. Tenho muito orgulho da minha cor, da minha irmã, da minha mãe, da minha madrasta e da minha família. O seu preconceito me torna mais forte, pois lido com racistas iguais a senhora todos os dias.
Após sua explanação, Márcio e a irmã foram embora. Leca aproveitou a confusão e foi de carona com eles.
Dona Maria continua resmungando e xingando Monique. Rafa, ao ver a situação, intervém:
— Não sabia mãe que tu era tão preconceituosa.
— Preconceito não Rafaela. Estou defendendo minha família. — Diz a preconceituosa.
— Sabe mãe, a Beatriz, aquela minha amiga que está sempre aqui em casa.
— Sei, o que isso tem a ver?
— Ela não é somente minha amiga. Ela é minha namorada!
— Como é?
— Sim mãe, sou uma “devassa” como a senhora diz.
— É muito desgosto para uma pessoa só. — Reclama a racista.
Rafa diz que vai embora para a casa de Bê. Maria chora e resmunga enquanto se dirige para a casa grande. Rafaela começa a juntar suas coisas para sair de casa. Monique chora copiosamente. Pedro, pela primeira vez, fica sério:
— Desculpe por tudo isso galera! — Diz o rapaz decepcionado.
— Isso é nada culpa sua. — Pondera Beto.
— Não fica assim não. — Fala Bianca abraçando-o.
Rafa retorna do casarão com duas malas de roupas. Alberto a ajuda a colocá-las no carro:
— Beto e Bibi, querem uma carona até em casa? — Rafa fecha o porta-malas.
— A gente aceita sim, Rafa. — Responde Bibi.
Todos se despedem, e o carro vai embora, ficando apenas os irmãos ruivos:
— Como tu tá maninha?
— Não estou nada bem.
— Foi ficar por aqui alguns dias, quer ficar aqui comigo? Não dormirei na casa grande.
— Acho melhor.
— Me espera aqui que eu vou buscar algumas roupas suas e já volto.
— Tá bom. — Soluça Monique
Pedro dirige-se sério até o casarão, pensando que a única coisa boa dessa cena foi que sua irmã mais velha finalmente foi sincera consigo mesma e com o mundo sobre seus sentimentos e desejos.