Acompanhando Paulo de Tarso � O Túnel do Tempo

Alguns anos se passaram sem que nosso astronauta se lembrasse da Terra ou de Jesus, mas, em outras viagens intergalácticas em nebulosas muito distantes de seu planeta, ficou sabendo da existência na Terra de um livro sagrado, verdadeiro tesouro. Dizia-se que neste livro havia o endereço de um reino muito rico. E XPZ4 ansiava por dominar, pois sua ascensão profissional dependia das conquistas que fizesse. Já possuidor de grandes patrimônios em seu planeta, ele queria tornar-se cada vez mais rico.

Voltou à Terra para encontrar o tal livro sagrado e procurar onde se localizava o reino. Achava que talvez tivessem finalmente descoberto as Américas. “Quem sabe Jesus teria voltado e implantado seu reino?”, pensava. Todavia, encontrou muitas pessoas copiando um rolo de pergaminhos com indisfarçável interesse.

“Quanto primitivismo!”, pensava. “Não existem máquinas para se fazer isso em grande quantidade? Gastam horas, dias copiando um monte de papéis velhos e encardidos! O que haveria de tão importante nestes papéis para despertar tanto interesse?”

E de novo uma cena triste chama sua atenção. O apedrejamento de Estêvão por ordem de Saulo de Tarso. E como motivação da tragédia aquele Homem, Jesus, e seus ensinamentos.

E pensava: “Onde estará Jesus? Passaram-se alguns anos e já nem me lembrava dele. Será que ainda quer conquistar a Terra? E será que Ele, com sua mansuetude e bondade, estará ajudando de fato este povo tão atrasado como disse que queria ajudar? Só vejo brigas por sua causa”. E, de repente, lembrou-se de haver ouvido Jesus dizer que não tinha vindo trazer a paz, mas a espada. “Sim, é isso! Ele quer dominar. E agora também me lembro de que Ele disse que seu jugo era suave e seu fardo era leve. Como dominar com um jugo suave e um fardo leve? Ele tem que usar a força, as armas, a prisão para poder dominar, fazer leis duras, implacáveis. Com certeza não logrará isso com simples palavras. Em meu planeta existem as armas paralisantes, as armas congelantes, as drogas que fazem as pessoas perderem a capacidade de falar, de ouvir ou de enxergar por algumas horas, e isso apavora a todos. Usei-as na conquista de Fórbicus, quando ainda nem estavam completamente desenvolvidas, e foi um sucesso total! Posso apresentá-las a Jesus, fazer demonstrações e, depois que tivermos dominado este povo inculto, dividiremos o poder. Ele será o rei e eu seu primeiro-ministro. Subjugaremos este povo, imporemos nossa vontade e coitado daquele que nos desobedecer. Grande estrategista este Homem, digno de ser eleito o comandante geral da CGU. Mostra-se manso, conciliador, mas suas intenções são as de domínio desse povo. Quem sabe os fariseus percebiam isto, já que são os doutores da lei e os mais cultos dentre todos, e por isso o crucificaram, para que não perdessem o poder para Ele. Estes fariseus não são nada bobos. E Ele provavelmente nem morreu na cruz como sempre pensei, e tudo aquilo não passou de uma cena para que o povo acreditasse e os fariseus se acalmassem. Provavelmente deveria ser mesmo um clone aquele que foi crucificado, pois se Ele quer conquistar a Terra, não poderia deixar-se matar”.

Um dia, vestindo-se como os costumes da época, para que pudesse andar livremente sem chamar atenção do povo, conseguiu ter em mãos aqueles tais papéis velhos e encardidos em uma visita que fez à Casa do Caminho. Soube que o chamavam de Evangelho. Eram as anotações de Mateus, as quais leu, achou curiosas e não passou disso. E essas anotações falavam realmente de um reino dos céus que entendeu ele fosse em algum lugar no Universo ou em algum lugar ainda não descoberto na Terra. Porém, muito do Universo conhecia ele por causa de suas viagens, mas nunca havia ouvido dizer daquele reino contido naqueles papéis velhos e encardidos. E agora sabia pelos escritos que Jesus era um rei, mas onde era aquele reino? Talvez todos estivessem loucos! Aquilo era coisa daquela gente atrasada da Terra.

“Contudo”, pensava consigo mesmo, “se esse reino realmente existir, AST8 vai querer que eu o conquiste para Artúrio, e eu vou ter que guerrear com Jesus, que é o seu rei. E como o farei se não conheço sua tecnologia, que pode até ser mais avançada do que a de Artúrio? Poderei ser destruído ao invés de ser vencedor”.

Procurou então comunicar-se com bibliotecas universais, com a CGU, mas não obteve nenhum registro de que existisse aquele reino falado por Jesus. Então, mais uma vez teve a certeza de que Suas intenções eram as de dominação e de escravização daquele povo inculto da Terra. Ele falava da existência do tal reino somente para impressionar o povo, mas o reino não existia. Dizia-se rei, mas era tudo fantasia, e Seu Evangelho o mostrava como um reijusto e bondosopara impressionar o povo cansado do sofrimento. Falava da felicidade naquele reino, pintava-o com cores vivas, mas nada era verdade, pois não existiam registros em todo o Universo da existência daquele reino. Porém, o povo acreditava Nele, até porque já havia sido escravo, já havia sido subjugado no Egito séculos antes, e a notícia de um reino de felicidade e de liberdade impressionaria muito facilmente.

“Mas se Ele quer conquistar a Terra, poderá também querer conquistar Artúrio”, pensava. “Tenho que avisar AST8, para que não sejamos pegos de surpresa”.

Como dizíamos anteriormente, em sua volta à Terra, conheceu Saulo de Tarso e reconheceu nele um homem austero. Esteve presente na reunião do Sinédrio, onde Saulo pediu autorização para ir a Damasco, procurar o velho Ananias. E, daí a alguns dias, acompanhou de longe a sua viagem junto aos seus servidores. Via em Saulo um ótimo aliado em suas intenções de dominar a Terra. “Saulo, Jesus e eu dominaremos este povo em pouco tempo!”, pensava. “Gosto de Saulo. Noto que é de uma energia impressionante, não perdoa nada, não tem o coração mole. Tudo tem que ser do jeito dele, e isso é indício de um caráter dominador, bem da forma que eu preciso para esmagar este povo atrasado. E através dele teremos todos os fariseus a nosso favor. Acho que até já sei como fazer. Jesus faz as transformações químicas que sabe fazer para iludir o povo, vai conversando, prometendo felicidade, reino dos céus, e eu e Saulo vamos dominando devagarinho e punindo os rebeldes. E em pouco tempo este povo estará sob nossos pés. Não posso perder tempo. Assim que chegar a Damasco, vou procurar Saulo e me apresentarei a ele como o imperador de terras ainda desconhecidas para ele e que se localizam na América do Sul. Se ele não acreditar em mim, eu o levo até lá e mostro alguma aldeia de índios. Digo que já estão conquistados e que agora temos que aumentar nosso poder dominando Roma”.

Todavia, acontece a grande visão de Saulo. Jesus lhe aparece, Saulo conversa com Jesus e XPZ4 entende que Saulo estava conversando com o Mestre e lhe envia uma mensagem telepática:

— Senhor, onde fica seu reino? Onde o Senhor mora? Procurei-o por todo o Universo e não encontrei nem a ti nem ao teu reino. Poderemos juntos dominar este povo e implantar o teu reino aqui. Saulo fará para nós um bom trabalho junto aos fariseus e rapidamente os teremos a nossos pés. Meu planeta poderá fornecer todo o material bélico de que necessitarmos.

E o Senhor lhe responde:

— XPZ4, meu reino não é deste mundo. Não se encontra catalogado nas bibliotecas materiais do Universo. Para que você o conheça, não é necessária sua nave, nem material bélico. O material bélico que toda pessoa deve ter está nela mesma e se chama força de vontade. Leia as anotações de Mateus, pense nelas e sobretudo pratique-as, e você encontrará o meu reino. Este é o caminho. Tu poderás, sim, ser um dos meus ministros, mas é preciso aprender a amar, meu amigo. Esta é a única exigência: amar, porque, amando, perdoarás, serás benevolente, paciente, humilde e misericordioso. Não é necessário o uso de armas para conquistar meu reino, a não ser aquelas voltadas a nós mesmos e que nos golpearão o orgulho, a maledicência, a vaidade e o egoísmo. Estas armas se chamam vontade própria, luta constante, perseverança e fé. O sangue que derramarás não corre nas veias do corpo físico, mas está localizado em teu Espírito imortal, e é o sangue de tuas más tendências que deve ser derramado de teu corpo e esvaziado de teu coração até a última gota.

— Não te compreendo, Jesus.

— Visite Pedro na Casa do Caminho. Pedro saberá falar-te do meu reino, onde existe o amor, a fraternidade e o perdão, onde cada um é livre para escolher seu caminho exercendo seu livre-arbítrio e respondendo por seus atos. Não há arma mais poderosa do que o amor, XPZ4. Procure conhecê-la.

— Jesus, por que te deixastes crucificar? Poderia eu tê-lo levado em minha nave a um lugar distante, seguro, longe do povo enfurecido.

— Meu amigo, era necessário que tudo ocorresse como estava escrito.

Observando sempre de longe os acontecimentos, verificou a recuperação de Saulo e sua conversão. E pensava: “Quanto poder tem este homem, ao ponto de fazê-lo mudar de ideia e de ideal. E ainda transformar o quase verdugo em vítima da misericórdia e a quase vítima em anjo tutelar. E isto Ele o fez sem o uso das armas, da força ou da violência. Será isso o que Ele chama de amor, fraternidade e perdão? E não somente Ele curava, pois Ananias também curou Saulo da cegueira. Isso significa que este homem ignorante tem o mesmo poderio de Jesus. Será que isso não vai dar confusão no tal reino dos céus?”

Apesar de ter perdido seu possível aliado no domínio do planeta, XPZ4 não perdeu Saulo de vista. Acompanhou-o nas visitas que fez ao seu pai, a Sadoc e ao próprio Gamaliel, sempre querendo interferir para ajudá-lo, mas abstendo-se.

Após os anos passados no deserto, nos quais o observou sempre de longe, verificando sua transformação moral, sua amizade junto a Áquila e Prisca, sua dedicação ao tear fazendo um trabalho humilde, quando era um doutor da Lei, XPZ4 acompanhou Paulo em algumas de suas viagens, e o nobre pregador falava daquele Jesus de quem ele havia presenciado a crucificação com um amor e dedicação incríveis. Mas por que deixar-se apedrejar? Lembrava-se de Estêvão, que, sob as ordens de Saulo, tinha sido apedrejado até a morte. O que deveria ensinar aquele Evangelho que ele havia lido e não havia compreendido, e que fazia uma pessoa deixar-se morrer sem reagir? Que loucura era aquela? Deixar-se ferir até a morte por Alguém que não tinha se salvado a si próprio? Parecia que os habitantes da Terra davam importância a coisas sem importância. Teve vontade de apresentar-se, mostrar todos os conhecimentos, toda a tecnologia da qual era detentor, mas julgou que os habitantes talvez o crucificassem como àquele Homem alguns anos atrás. O povo atrasado não teria condições de compreender sua superioridade intelectual e tecnológica. Claro que ele poderia fugir e nada o deteria, mas achava que a confusão seria grande demais. E poderia causar-lhe grandes problemas junto aos seus superiores de Artúrio. XPZ4 ainda não compreendia Jesus mesmo depois de ter observado tantas coisas e ter lido as anotações de Mateus. Admirava, porém, Paulo de Tarso, com sua fiel dedicação e amor ao Mestre. Via o mesmo zelo antes aplicado à Lei de Moisés agora aplicado ao Evangelho. Acompanhou a fundação das várias igrejas, como as de Antioquia, Listra, Icônio, Filipes e outras. Tinha vontade de interferir, mas não sabia de que lado ficar: ao lado de Paulo ou dos opositores de Paulo.