— Sai fora, velho! Vai cuidar da sua vida! — disse o maior deles.
— Éééé! Sai fora! Seu velho! — complementou o menor, o loirinho.
— Saiam vocês desse trem, antes que eu chame a segurança!
Eu já estava com o celular na mão, prestes a digitar, quando o terceiro — o ruivinho, que parecia mais velho que os outros, acertou a minha mão com o taco de baseball, fazendo meu celular voar pela porta aberta do trem parado e se espatifar sob um banco da plataforma.
Era um molecote folgado, com cara de bandido. Usava uma camisa de flanela vermelho-xadrez, igual àquelas que as bandas grunge usavam na década de 90. Eu o olhei com ódio, mas, imediatamente, me lembrei que estava sendo observado por dezenas de passageiros. Eu não podia arrebentar aqueles fedelhos ali mesmo? Não teria sido muito mais prático?
— Prático… — o loirinho bobalhão resmungou, já sem o sorriso zombeteiro nos lábios, antes de sair do trem, enquanto o sinal de fechamento das portas começava a soar e a lâmpada laranja piscava sobre a abertura que levava à plataforma.
— Vamos lá pra fora, moleque! — eu disse, já empurrando o garoto para fora do trem entre “oh!s” e “ah!s”. Pude perceber, de canto de olhos, as diversas caras colando-se nos vidros, para acompanhar a confusão que iria acontecer ali fora. As portas do trem, finalmente, se fecharam.
— Qualé, tiozinho? Vai folgar? Vai? Vai? — o garoto maior tinha os olhos esbugalhados; certamente, estava drogado e pilhado. Não parava de pular, como a tentar me intimidar. O loirinho, menor dos três, se escondia atrás dos dois mais velhos, enquanto gritava palavrões e me mandava para todos os lugares imagináveis. Vestia uma blusa de moletom cor de creme, com um enorme “CiZ” pichado em vermelho com tinta spray. O capuz da blusa caía sobre os seus olhos, e o fazia ter que levantar o queixo para me olhar por baixo. O ruivo, entretanto, permanecia surpreendentemente calmo. A razão era óbvia: ele tinha um taco de baseball.
Olhei em volta. Não havia mais ninguém naquele trecho da plataforma. Quem havia descido já estava longe, cruzando os bambolês[1] de saída. Quem estava esperando, já havia entrado no trem que começava a se mover. Eu estava entre os três marginais e o trem, e, subitamente, percebi que estava encurralado. Não podia recuar, pois iria cair no vão entre o trem e a plataforma, ou ser arrastado pela composição. Precisava avançar.
Cerrei os punhos e fui pra cima do mais folgadinho. Era um rapaz bonito, cabelos castanho-escuros que chegavam até os ombros. Usava um boné e correntes grossas e douradas. Tinha anéis e pulseiras de metal, calças largas e uma blusa marrom escuro que devia ser uns quatro números maior que o dele. No meio do peito, visível pelo zíper aberto, uma grande tatuagem que não consegui compreender: uma mariposa, voando em direção a uma tocha acesa.
Foi justamente nessa mariposa que mirei meu próximo passo: bati com os dois punhos no seu peito e o joguei para trás. O mais novo, um loirinho espinhento e franzino, deu um passo para o lado. O mais velho, o ruivo, sequer se mexeu.
Enquanto o trem ganhava velocidade atrás de mim e seus últimos vagões partiam da plataforma, me vi no meio de uma roda. Não titubeei:
— Por que vocês ficam incomodando as meninas? Por que não vão falar aquilo tudo para a mãe de vocês?
— Ah, a sua mãe é uma vadia mesmo, Heitor! — o loirinho disse, gargalhando.
— Cala a boca, seu idiota! — o encrenqueiro, o tal “Heitor”, gritou sem olhar para o amigo — meu problema agora é esse tiozinho que quer ser herói.
— Crianças, vão embora… — eu disse, tentando manter a calma. — As mães de vocês devem estar preocupadas. Daqui a pouco os segurança chegam, e elas vão ter que buscá-los na Central. Pra que perder a noite toda sentados numa salinha?
Normalmente, não era necessário ficar incomodando a polícia com qualquer otário. Os bêbados e os arruaceiros eram levados pelos seguranças até uma salinha, tomavam uns tabefes na cara e depois ficavam ali, trancados, por algumas horas, antes de serem liberados. Apenas os mais exaltados ou os que eram realmente perigosos acabavam levados para o posto policial.
— Eu vou mexer com quem eu quiser, e quero ver quem é o desgraçado que vai me impedir. É bom não se meter comigo, velhote, você não vai querer que te encontrem amanhã, jogado no trilho do trem.
Dei mais dois passos na sua direção. Esse moleque não ia falar assim comigo. Eram três adolescentes, e eu dava conta dos três.
Antes do terceiro passo, porém, senti uma dor lancinante na parte de trás do joelho. O mais velho havia me acertado com o taco.
Caí no chão quase ao mesmo tempo em que o marginal maior desferia o chute, que acertou meu estômago. Enquanto eu me contorcia de dor, os três me agrediram entre gargalhadas, o espancamento acontecendo sob as luzes noturnas da plataforma deserta, sem que ninguém estivesse por perto para me ajudar. O gosto de sangue me fazia engasgar, e, em breves relances, conseguia ver um deles pisando com força no meu tórax. Não havia mais como reagir, a dor de ossos quebrados e a dificuldade de respirar se apossaram de mim e só consegui ver, entre os tênis vermelhos e os brilhos das luzes, a faixa amarela da beirada da plataforma, alertando que o ponto seguro estava sendo ultrapassado.