Me levanto tropegamente e, balançando ao sabor dos trilhos, vou cambaleando em direção ao painel. Há uma plaquinha de acrílico que cobre o grande botão vermelho. Normalmente, as pessoas precisariam de algo duro – uma chave, uma ferramenta – para quebrar essa plaquinha e apertar o botão, mas, na hora da emergência, um ou dois socos bem dados resolvem o problema. Destruo o plástico, aciono o botão e aguardo.
Fffffffffsch…
Ouço um sinal de estática sair dos pequenos orifícios que estão logo abaixo do botão, e só então me lembro: o botão de emergência dos vagões é diferente do botão-soco da cabine. Quando o maquinista aciona a emergência de dentro da cabine de comando, o trem para imediatamente. Quando o passageiro aciona este botão no vagão, apenas…. entra em contato com o maquinista. Não, o trem não vai parar. Começo a entrar em desespero.
Encosto na parede do trem, ao lado da porta do entre-carros. Dali, tenho uma visão completa do vagão. Algumas pessoas me olham com curiosidade, outras me olham como se eu fosse um vândalo. Acabei de acionar a emergência para algo que, na cabeça delas, irá atrasar a chegada ao seu destino.
— Senta aí, seu palhaço! — ouço alguém gritar, mas não sei bem quem foi. O palhaço, o Pirulito, está na outra ponta do vagão, e nem parece ter percebido a minha ação. Estranho… Se ele fosse um sequestrador de trens, estaria atento a esse tipo de ocorrência: um funcionário da empresa tentando acionar a emergência. Ele já teria, pelo menos, encostado em mim e me mandado ficar na minha.
De onde estou, posso ver uma touca por trás do encosto de um banco. O barbudo deve ter apenas trocado de lugar e eu não percebi. Se for isso, ele também não está dando a mínima para a minha presença. Sinto a minha pressão começar a bambear. Sento-me em um banco vazio – onde, há pouco, o homem de jaqueta cáqui estava sentado – e tento recuperar o fôlego. Abaixo a cabeça entre as mãos e tento raciocinar.
“Se este trem estivesse sendo sequestrado, já teriam cortado a alimentação elétrica. O trem pararia, não por um mecanismo de segurança, mas simplesmente por falta de energia nos motores.”
“Mas podemos estar em uma descida, e, assim, a massa do trem o impeliria para baixo. Isso já aconteceu em Perus, na América do Sul, há muito tempo. Um trem se arrebentou sobre outra composição que estava na plataforma e causou a morte de centenas de pessoas.”
“Não, isso também não é possível. O trem foi feito para ficar freado. Há molas que empurram as sapatas sobre as rodas. Quando damos o comando para o trem andar, essas sapatas são empurradas para longe das rodas, por um sistema pneumático. É esse pistão pneumático que “desfreia” as rodas, apertando as molas para trás. Sem energia elétrica, não há ar comprimido para acionar o pistão, e a mola vai apertar a roda até frear o trem.”
“Então, pode ser outro problema. Sabotagem”.
Este novo pensamento me causa ainda mais pânico. Se o trem tiver sido sabotado, não há chance de negociação.
Mas, de repente, sinto um leve tranco no trem – aquele tranco que ele dá quando começa a se movimentar. Levanto a cabeça.
Algo mudou. Há pessoas diferentes dentro do trem. O Pirulito e sua concubina não estão mais ali, nem Virgílio. Quanto tempo eu fiquei com a cabeça abaixada?
Ainda não me levanto. Olho para o botão-soco, na parede, pouco acima da minha cabeça. O acrílico permanece quebrado e o botão, afundado: então esta parte da história aconteceu de fato. Seguro-me em uma barra de ferro e, vagarosamente, começo a andar pelo corredor. O trem parece em baixa velocidade, aumentando-a gradativamente à medida em que vai ganhando metros através dos trilhos. Deve ter acabado de partir de alguma estação – embora, pela janela, eu não consiga ver exatamente que estação estamos deixando para trás.
Estou mais ou menos no meio do vagão quando, ao olhar para uma das portas, tenho uma outra ideia: “Há uma chave que abre as portas do trem em caso de emergência”. Todas as portas do trem possuem um mecanismo de abertura ou travamento manual: quando acionado, a porta pode ficar “boba”, solta, ou travada na posição fechada. Quando acontece de algum sensor pifar (e isso acontece com frequência nos trens antigos e mal-mantidos da Companhia), nós simplesmente travamos a porta e colocamos uma faixa, para que os passageiros saibam que ela não irá abrir nas plataformas. Da mesma forma, quando o trem pára e não é possível acionar a abertura das portas para que todos possam descer, nós destravamos a porta e permitimos o desembarque.
Há outro invólucro de acrílico que protege a chave. Nós o chamamos de “saboneteira”, porque se parece com uma. Quebrando este invólucro, eu ainda preciso usar a minha chave de maquinista para acionar a alavanca. E, provavelmente, se nenhum sistema de segurança estiver inoperante, ao acionar a alavanca o trem irá começar a frear, até que, uma vez parado, a porta se solte. Esta é a minha chance.
Começo a forçar a saboneteira para que ela quebre. Tento de todas as formas, esmurro e bato com força. O acrílico parece ser agora uma grande proteção de aço blindado.
— Senta aí, seu palhaço! — ouço, novamente, a mesma voz dizer. Dessa vez, me viro com raiva para ver quem é o imbecil que está me dizendo isso.
Vejo o palhaço, já sem nenhuma maquiagem. Ele me olha com certa frieza. Agora já não penso em sequestro do trem, já não penso em sabotagem e já não sei mais o que está acontecendo com a minha cabeça. Só sei de uma coisa: o Pirulito tem o rosto do meu finado pai. Esta é a última coisa que eu consigo vislumbrar, antes que meus olhos se escureçam por completo e eu desmaie no meio do corredor.