As luzes néon coloridas se refletiam na poça de chuva ácida, distorcendo a paisagem da metrópole, que ali perdia solidez, mas os arranha-céus eram monólitos de vidro e metal, suas silhuetas pontilhadas por drones vigilantes e anúncios holográficos que pulsavam sem cessar.
Entre becos nublados, movia-se com agilidade predatória. As botas de couro pisoteavam com firmeza o asfalto rachado.
Lara era um espectro nas sombras, sua presença quase imperceptível no caos eletrificado ao redor. Vestida com uma armadura escura de polímeros avançados, o capuz de seu manto ocultava parte do rosto marcado pelas cicatrizes causadas por suas batalhas; não o brilho azul gélido de seus olhos aprimorados com lentes cibernéticas, que capturavam cada detalhe do ambiente.
Deslizou por entre as ruínas de um mercado abandonado, onde outrora comerciantes vendiam peças cibernéticas e elixires proibidos. Agora, o lugar estava infestado por samurais de aço, figuras imponentes de metal translúcido. Suas katanas energéticas emitiam uma luminescência intimidadora.
Esquivou-se deles, seu corpo fundindo-se às trevas enquanto os samurais patrulhavam como fantasmas silenciosos de um passado glorioso, porém violento.
Um sussurro metálico chamou sua atenção. Virou-se a tempo de ver se aproximando uma Quimera de cabos expostos e carne sintética. Seus olhos vermelhos rutilavam com uma fome insaciável.
Lara não hesitou: em um movimento fluido, puxou do cinto uma adaga de energia cuja lâmina palpitava com uma luz violeta. Aplicou um golpe preciso e desativou aquele ente tão peculiar, que despencou inerte em um charco de óleo preto.
O vento trouxe consigo um cheiro de ozônio, lembrando-a do objetivo de sua missão. Buscava pelo Santuário da Aurora Obscura, um lugar que, segundo rumores, abrigava os últimos resquícios de uma tecnologia perdida, capaz de reverter o colapso do mundo.
Seus passos aceleraram ao se aproximar do coração da cidade, onde os edifícios se tornavam mais opressivos. Colados uns aos outros, competiam por fragmentos do céu.
Avistou a entrada do que restava do Santuário. Era uma porta de aço maciço percorrida por runas trincadas por algoritmos descascados.
Ativou um dispositivo em seu pulso, decifrando o código de acesso. Os algoritmos brilharam em verde e a porta rangeu e se abriu, revelando um corredor de trevas.
Respirou fundo e entrou, seus sensores ajustando-se à escuridão; avançava com cautela, a batida dos seus passos ecoando pelas paredes metálicas como um lembrete de sua solidão.
Após o que pareceu uma eternidade, chegou ao final do túnel e encontrou uma segunda porta. Empurrou-a, e uma corrente de ar gelado e um odor ferroso a detiveram por um instante.
A porta se escancarou. Adiante, o que sobrara do mundo era uma extensão de ferros retorcidos e entulhos emaranhados. Eram os fósseis de uma civilização extinta.
Levantou o olhar. O céu estava coberto por uma camada de nuvens radioativas, que obscureciam qualquer vestígio de luz natural.
Lara voltou a baixar a cabeça e foi adiante devagar, cada passo reverberando na amplitude morta. Não havia sinais de vida, apenas o silêncio de uma humanidade que sucumbira.
Olhou em volta, com o coração pesado devido à compreensão do término. A esperança que a trouxera até ali se tornara uma chama frágil, quase extinta.
Ajoelhou-se entre os escombros. Agora se lembrava: o mundo como o conhecera de fato não existia mais. Estava presa em uma ilusão produzida pelo megacomputador HEL-666, do mesmo modo que os outros últimos exemplares humanos.
Reconheceu o zunido que significava o processamento de dados da máquina tirânica, indignada com o fim de sua amnésia.
O som cresceu estrondando e luzes se acenderam em painéis flutuantes. O barulho aumentou tanto que soava como um bilhão de insetos cibernéticos fervilhando numa ameaça tresloucada.
Precisava, contudo, resistir e reagir. Era a esperança de uma centena de sobreviventes para reconstruir o mundo.
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