Talvez precisasse tomar um ar. Por isso, depois de muito tempo, aceitou sair com a ex. Mais precisamente para comerem frango frito na lanchonete favorita de Cassandra.
– Tô tão feliz que você me convidou pra sair! Às vezes eu tenho medo que você me dispense, a gente nunca mais se veja de verdade e você suma de vez no seu mundinho.
– Mas eu não sumi. Tava onde sempre estive.
– E a gente vai viajar ou não? – No telefone desconversara em relação às novas insinuações de Cassandra quanto a viajarem juntas. Em uma tacada, a ex (ou atual?) havia mencionado uma dezena de destinos diferentes. Bastava estender a mão e a outra já queria o braço.
As dunas de Natal até tinham sido uma oferta tentadora. Não era de dar mergulhos e de praia, mas dunas lhe transmitiam uma sensação de deserto e, ao circular por elas, conseguiria se imaginar cavalgando um enorme verme da areia, onde a qualquer momento seria possível se enterrar.
– Tô com muito trabalho. Ontem mesmo eu entrei em um fórum e... ah, um deputado queria falar comigo.
– Época de eleição é um inferno mesmo pra você, eu entendo, mas depois que passar você precisa relaxar.
– Hoje eu tô relaxando. – Era uma verdade parcial.
– Faz quanto tempo que você tá enfurnada naquele apartamento sem nem tomar um sol?
Uma mosca pousou na mesa, ao lado de seu hambúrguer de frango. Antes que fosse tarde, esmagou-a com o guardanapo.
Só que ficou ali parada, olhando para o sanguinho da mosca. Apesar de tudo, era uma criatura viva. Assim como o frango frito no seu lanche um dia também tinha sido. Não era correto dizer que o tempo todo desumanizavam outras criaturas, mas sem dúvida nenhuma as desanimalizavam; inconscientizavam. Contudo, nunca conseguiria ser vegetariana. O cheiro da carne, qualquer carne, era atraente demais para ela. E se eram o tempo todo feitos sacrifícios de animais para que seres humanos se alimentassem, por que seriam condenáveis sacrifícios em rituais religiosos ou de magia, como muita gente levantava a voz indignada para condenar? Era só hipocrisia e preconceito de fé, pelo menos de quem era carnívoro.
Não tinha vocação para jainista1.
– Ei, você ouviu o que eu acabei de falar?
Cassandra a estava encarando. Lara ia lhe responder, ainda não sabia bem o quê, mas do lado de fora alguém buzinou com violência; mais violento ainda o estrondo de uma batida.
– Meu Deus! O que aconteceu?
As duas olharam para fora. Um carro tinha batido em um poste, mas não era só isso.
Alguém tinha sido atropelado.
Uma semana exata após sua sentença de morte ter sido decretada, o Sr. Eriberto estava no chão.
1 Alguém que segue o Jainismo, religião baseada em rígidos princípios de ascetismo, não-violência e respeito a todas as formas de vida.
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