Fora dormir depois que Sorath a encarara. Tivera então um sonho que na verdade não fora um sonho. Fora mais do que um sonho lúcido, na realidade algo parecido com o que experienciara ao ingerir os cogumelos mágicos. Para ser sincera consigo mesma, fora uma vivência ainda mais assustadora, brutal e bizarra, só que, dessa vez, não tinha ingerido nada.
Era um outro mundo, uma outra realidade, que acessara talvez por meio de uma viagem astral que poderia ter sido induzida pelo próprio Sorath, para a qual devia ter sido preparada pelo ritual e por todas as outras práticas. Agora podia se definir como uma iniciada. Era uma esotérica no sentido profundo do termo, não das banalidades misticoides, e sim no sentido de ter acesso a um conhecimento oculto, um conhecimento arcano: era uma iniciada na seita da Deep Web.
Para que prosseguisse com seu aprendizado, foram-lhe enviadas instruções preparatórias para o ritual seguinte. Em primeiro lugar, teria que assistir a alguns vídeos de doentes terminais.
Havia pessoas que falavam para a câmera chorando e tremendo. No entanto, não pareciam assustadas. Não era medo o sentimento dominante em suas expressões. Falavam em um tom sereno de como aqueles seriam seus últimos momentos, agradeciam por tudo o que haviam vivido e se despediam dos parentes.
Dez vídeos depois, aquilo começava a ficar monótono. Já estava bocejando e prestes a cair no sono quando o vídeo seguinte se mostrou diferente: um homem nu em uma maca, com os olhos fixos na câmera, recitava palavras estranhas que pareciam uma oração em uma língua incompreensível.
Aquele vídeo travou e pulou para o próximo, sem que a barra de rolagem tivesse se encerrado. Na verdade, havia centenas de vídeos do tipo.
Um criptograma apareceu em uma janela de fundo preto, e Lara recebeu a mensagem de que precisava decifrá-lo. Era parte da preparação para o próximo ritual. O Goetrix voltou à ação e um de seus auxiliares, o velho sábio Furcas, desenrolando seus pergaminhos, conseguiu solucionar aquele código. Era a prece do homem na maca, que repetia a palavra morte em diferentes idiomas e de diferentes formas, como de trás para frente, e com diferentes pronúncias.
As pessoas dos vídeos seguintes, por sua vez, dedicavam seus últimos minutos não para a família, não para os entes queridos, mas para a seita. Eram membros que haviam aceitado registrar seu mais íntimo desespero, sua derradeira solidão, em vídeos dedicados ao culto como uma forma de gratidão, pois, apesar de suas doenças, alegavam ter acessado a essência da morte e por isso afirmavam ter deixado de temê-la. O mais assustador, de certa forma, era o fato de serem pagos para aquilo. E quanto mais próximo o instante final, maior era o valor.
No entanto, uma pergunta persistia: de que valeria o dinheiro após o fim terreno? Recebiam-no em contas que nunca mais acessariam para deixá-lo a outras pessoas?
Lara não tinha ninguém para quem gostaria de deixar alguma quantia.